domingo, 14 de janeiro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

Processo n.º 89818/22.9YIPRT.E1

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Sumário:

1 – A finalidade do artigo 16.º, n.º 2, al. g), do Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária (Lei n.º 15/2013, de 08.02), é garantir que o cliente possa conhecer todos os efeitos do regime de exclusividade através da leitura do contrato de mediação.

2 – Daí que a exigência, feita por aquela norma, de que, quando for estipulado o regime de exclusividade, o contrato de mediação especifique os efeitos que desse regime decorrem, quer para o mediador, quer para o cliente, não possa ser cumprida através de remissão para as normas legais que estabelecem aqueles efeitos.

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Autora: M. – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda..

Réus: Jaime e Lúcia.

Pedido: Condenação dos réus a pagarem, à autora, a quantia de € 6.000, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 51,29.

Sentença: Julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

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A autora interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) A Apelante interpõe recurso de apelação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou improcedente a ação judicial intentada pela Apelante com vista ao ressarcimento da sua comissão imobiliária, absolvendo os Apelados do pedido formulado.

B) A decisão do Tribunal a quo é sustentada no regime das cláusulas contratuais gerais, tendo concluído pela não comunicação por parte da Apelante do regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária.

C) No entanto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra corretamente fundamentada, aplicando de forma incorreta a matéria dada como provada e a aplicação posterior do direito ao caso concreto, considerando a legislação especial em matéria do contrato de mediação imobiliária, traduzida na Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.

D) Conjugada a prova documental produzida pela Apelante, e a matéria de facto provada, não vislumbramos na sentença as razões pelas quais levaram o Tribunal a concluir pela não comunicação da cláusula de exclusividade.

E) O Tribunal limitou-se a invocar o não preenchimento do artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, ignorando toda a prova produzida que demonstrou o preenchimento do artigo 19.º, n.º 2, da referida lei., demonstrativo do direito à comissão devida.

F) O Tribunal a quo sustenta que “os pontos 5, 6 e 7 estão assentes através da minuta da adenda apenas subscrita pela Ré, junta pela Ré em 07-03-2023, através da adenda junta pela Autora em 02-03-2023 e através do depoimento da testemunha Sílvia, que prestou um depoimento que nesta parte se afigurou verosímil, por ter sido um depoimento desenvolvido” (cfr. página 4 da sentença).

G) Acresce que o Tribunal a quo dá como provado que a “testemunha explicou o processo de celebração do contrato de mediação imobiliária e da adenda, permitindo compreender porque motivo a Autora não tinha os documentos onde constava a assinatura dos Réus, tendo apenas cópia destes documentos”.

H) A testemunha arrolada pela Apelante foi clara, inequívoca e explicou o processo de assinatura do contrato de mediação imobiliária, referindo que “os Réus não se encontravam em Portugal e que, por este motivo, o contrato de mediação imobiliária e a adenda foram enviados aos Réus por correio eletrónico e estes assinaram os documentos, digitalizaram os mesmos e devolveram por correio eletrónico à Autora, nunca tendo chegado à Autora os documentos com a assinatura original dos Réus”.

I) Os Apelados nunca colocaram qualquer entrave ou solicitaram esclarecimentos adicionais quanto ao conteúdo do contrato de mediação imobiliária.

J) O Tribunal a quo mencionou ainda, em relação à Apelada, que não seria “verosímil que fosse assinar um documento de uma empresa de mediação imobiliária e que o devolvesse à Autora através de correio eletrónico sem saber a que a adenda se destinava”.

K) Tal facto, demonstra claramente que a Apelada sabia o conteúdo do contrato e o significado de todas as cláusulas apostas nele.

L) Resulta ainda da matéria dada como provada que a própria adenda tinha a identificação do número do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Apelante e o Apelado, facto que faz presumir que a Apelada sabia e conhecia o conteúdo do contrato celebrado.

M) Por outro lado, os Apelados nunca devolveram o original do contrato à Apelante, sustentando claramente a versão da testemunha e que traduz cabalmente que os Apelantes sabiam e não podiam ignorar a sua responsabilidade para com a imobiliária.

N) Em consequência, a cláusula de exclusividade poderá ser oposta à Apelada, em virtude da mesma ter assinado o contrato de mediação imobiliária e não ter suscitado quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o conteúdo da cláusula em questão.

O) Igualmente, cumpre mencionar que o contrato de mediação imobiliária não se trata de um mero contrato de adesão, sendo que, o mesmo é efetivamente negociável, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo.

P) Dispõe o artigo 3.º, alínea a) do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, que estão excluídas do regime das cláusulas contratuais gerais “As cláusulas típicas aprovadas pelo legislador;”.

Q) Neste seguimento, estipula o próprio contrato de mediação imobiliária, na sua cláusula 5.ª, número 1, no que ao regime de remuneração diz respeito, que “A Remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19.º da Lei N.º 15/2013, de 8 de fevereiro.”.

R) Dispõe a Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, no seu artigo 19.º, números 1 e 2 o seguinte:

“1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

S) Quer isto dizer, que a cláusula 5.º do contrato de mediação imobiliária, que estipula que a remuneração é devida quando o negócio não se venha a concretizar, por causa imputável ao cliente proprietário, é uma cláusula com suporte na lei e por isso, é infundado abrangê-la pelo regime das cláusulas contratuais gerais.

T) Mesmo que assim não se entendesse, a respetiva cláusula foi objeto de conhecimento dos Apelados, sendo que a Apelada assinou e subscreveu a adenda ao contrato e tomou conhecimento do mesmo com a sua assinatura e, igualmente, o Apelado também tinha perfeita noção de todas as consequências do contrato, tendo inclusive desistido do negócio após saber que o contrato promessa de compra e venda já estaria elaborado.

U) O contrato de mediação imobiliária prevê claramente os efeitos da cláusula de exclusividade, promovendo a Apelante o imóvel dos Apelados, devendo os mesmos pagar a respetiva compensação, sendo que a forma de remuneração também foi indicada no contrato.

V) Com efeito, o contrato é claro no que à remuneração diz respeito, tendo a Apelante direito à remuneração devido caso a mediadora consiga interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (cfr. cláusula 5.ª do contrato).

W) Seria completamente contrário à luz da lei e ao princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos que, mesmo tendo assinado um contrato com exclusividade, sempre que existisse um interessado para aquisição de determinado imóvel, a parte contrária se limitasse a desistir do negócio, sem quaisquer consequências remuneratórias para a imobiliária.

X) Pelo que a Apelante demonstrou os factos constitutivos do seu direito, nos termos e para os efeitos do artigo 342.º, do Código Civil, considerando o exercício da sua atividade, o qual se traduziu na obtenção de um proponente comprador para o imóvel, propriedade dos Apelados, fazendo uso do seu direito de exclusividade, o qual, apenas por facto imputável aos Apelados, foi colocado em causa com a quebra contratual e desistência do negócio, com prejuízos claros para a Apelante.

Y) Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRL, Processo número 76/21.7T8ABF.L1-6, de 12 de janeiro de 2023: (…)

Z) Ficou claramente provada a circunstância da Apelada ter angariado e apresentado um proponente (conforme proposta efetuada em 24-06-2022) e que o negócio não se concretizou por causa imputável aos Apelados, que efetuaram a desistência do negócio sem apresentar qualquer causa justificativa (de acordo com comunicação enviada em 04-07-2022).

AA) O Tribunal a quo apenas pretendeu justificar a sua decisão com base no regime das cláusulas contratuais, não valorando o trabalho desenvolvido pela Apelante e também o facto de os Apelados nunca terem devolvido o contrato original digitalizado, o que sempre lhes convinha a fim de não ser provada qualquer comunicação do contrato.

BB) A sentença proferida pelo Tribunal a quo não se encontra corretamente fundamentada e não analisou criticamente a proposta existente para o imóvel e o facto de os Apelados apenas se oporem à proposta apresentada após conhecimento da existência da mesma, sem invocarem quaisquer circunstâncias justificativas para a quebra do negócio.

CC) Com efeito, o Tribunal a quo aplicou incorretamente as normas constantes dos artigos 16.º, n.º 2, alínea g) e 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.

DD) Face ao exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá ser alterada e substituída por outra que reconheça o direito devido à comissão imobiliária, condenando os Apelados no pedido efetuado pela Apelante, consubstanciado no pagamento do valor total de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal.

Os recorridos apresentaram contra-alegações, com as seguintes conclusões:

(…)

8. Os documentos juntos pela Apelante, demonstram não ser credíveis ou válidos, uma vez que apresentam um contrato assinado só por o Apelado e uma adenda assinada só pela Apelada com campos preenchidos manualmente.

9. A Adenda junta aos autos pela Apelada tem os mesmos campos em branco, desconhecendo o número do processo contrato de mediação.

10. O que indicia o exercício da atividade imobiliária no limite pouco clara.

11. Não compreende a Apelante a decisão do Tribunal a quo ter dado como fato não provado "A Autora comunicou à Ré o regime e exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária".

12. A Apelante não compreende o raciocínio do Tribunal a quo, na medida em que o mesmo já tinha dado como provado que a adenda existente ao contrato de mediação imobiliária foi perfeitamente conhecida e assinada pela Apelada.

13. Contudo, não ficou esclarecido o conteúdo desta comunicação, o depoimento da testemunha Sílvia, não foi esclarecedor no aspeto de terem prestado todas as informações sobre o conteúdo do contrato de mediação e sobre a cláusula de exclusividade.

14. Refere a Apelante no seu recurso que “A Apelada, efetivamente, assinou uma adenda referente ao contrato de mediação imobiliária, o que revela ter conhecimento da existência de um contrato de mediação imobiliária e demonstra a intenção de querer aderir ao seu conteúdo.”

15. Salvo melhor entendimento, consideramos que o fato de a Apelada assinar uma Adenda (que não estava na versão final) não implica que tinha conhecimento do que assinou, ou das cláusulas inseridas no Contrato mediação, nem tão pouco significa que lhe foi explicado o que era a cláusula de exclusividade ou sabia que tinha uma cláusula de exclusividade.

16. Não merece censura a Sentença recorrida.

17. A Apelante convencida de razão, articula em 19.º do seu Recurso que “Os Apelados sempre tiveram conhecimento de todo o conteúdo e sempre foi mencionado que a imobiliária teria direito a uma remuneração variável pela prestação do seu trabalho de angariação e promoção, como é usualmente neste tipo de contratos.”

18. Na certeza de que esta não é a definição correta de cláusula de exclusividade a Apelada, considera que esta afirmação demonstra também que não foram prestados os esclarecimentos perfeitos dos termos das cláusulas inseridas no contrato de mediação e em particular da cláusula de exclusividade.

19. Questão pertinente é onde param os originais dos documentos, ou quantos originais existem.

20. Do depoimento da Testemunha Sílvia, prestado em audiência de discussão e julgamento no dia 12 de maio de 2023 encontra-se gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, pode-se constatar tudo o acima explanado.

21. A Apelante refere que a sua pretensão se “encontra alicerçada no regime de exclusividade previsto no contrato de mediação imobiliária e no artigo 19.º, n.º 2, da Lei no 15/2013, de 8 de fevereiro.”

22. Discordamos, está demonstrado e confessado pela parte que existe vários documentos com versões diferentes e assinados por pessoas diferentes, ou seja, foi enviado um email com um contrato para o Apelado e foi enviado um email com uma adenda para Apelada.

23. Confessado também pela parte que a adenda não estava na versão final.

24. Confessou ainda a testemunha funcionária da parte que, após a receção do email com a adenda digitalizada da Apelada que inscreveu dados relevantes na mesma.

25. Evidencia que o contrato de mediação imobiliária não obedeceu aos requisitos e elementos enumerados no artigo 16º da Lei 15/2013 de 8 fevereiro, pelo que deve ser considerado nulo.

26. Incumbia à Apelante alegar os elementos constitutivos do direito a que se arroga, o que não fez.

27. Ficou demonstrado em julgamento pelo depoimento da testemunha Sílvia, que não poderia ser dado qualquer hipótese, aos Apelados para optarem sem a clausula de exclusividade, circunstância que manifestamente demonstra o contrato em questão versa sobre cláusulas contratuais gerais e, ainda, que tal cláusula não foi objeto de discussão entre as partes.

28. Nem tão-pouco foram esclarecidos por parte da Apelante, dos efeitos desse regime, para ambas as partes, conforme impõe o n.º 2 al. g) do artigo 16º da Lei 15/2003 de 8 de fevereiro, já que a cláusula quinta, n.º 1 do contrato de mediação limita-se a fazer uma remissão genérica para o artigo 19. º da Lei 15/2003.

29. Tal remissão não basta para que se considere cumprido o dever legal de especificação e de comunicação adequada e exata, consagrado no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, conjugado com o disposto no artigo 8.º da Lei n.º 24/96, motivo pelo qual tal cláusula é ilegal e violadora dos princípios da boa-fé.

30. Pois que, não tendo sido concretizado – sequer – nenhum contrato promessa relativo ao imóvel objeto do contrato mediação e não tendo a Apelante especificado os efeitos decorrentes da convenção de exclusividade, não lhe é devida qualquer remuneração.

31. Os Apelados não são responsáveis pelo pagamento da comissão peticionada a título de cláusula de exclusividade.

O recurso foi admitido.

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Questão a decidir: Se os recorridos estão obrigados a pagar, à recorrente, a remuneração que esta pretende.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Autora dedica-se, entre outros, à prestação de serviços de gestão e administração de imóveis, próprios e alheios, incluindo o arrendamento, a promoção imobiliária, a mediação imobiliária, bem como a prestação de serviços conexos.

2. A Autora, na atividade de arrendamento, promoção e mediação imobiliária, apresenta-se no mercado no Montijo como (…).

3. Os Réus eram proprietários do imóvel sito em (…).

4. No dia 24-06-2021, o Réu Jaime celebrou o contrato de mediação imobiliária, com vista à venda da sua propriedade, junto aos autos pela Autora em 02-03-2023, que se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.

5. No dia 24-06-2021, a Ré Lúcia assinou um documento designado “Adenda ao contrato n.º … Identificação de segundos contratantes”, pretendendo aderir ao contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e o Réu Jaime.

6. Posteriormente à assinatura da adenda referida no número anterior, a Autora introduziu o n.º do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a Autora e o Réu Jaime, na adenda (adenda junta pela Autora em 02-03-2023, que se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais”).

7. Foi a Autora que disponibilizou aos Réus o contrato de mediação imobiliária e a adenda.

8. Nos termos da Cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária: “1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade. 2. O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência, ficando a Segunda Contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade”.

9. Nos termos do n.º 1 da Cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro”.

10. A Autora, pelos serviços prestados, receberia, a título de comissão de intermediação imobiliária, 6.000 euros acrescidos de IVA a 23%.

11. Nos termos n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária, “O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50 % após a celebração do contrato-promessa e o remanescente 50 % na celebração da escritura ou conclusão do negócio”.

12. No dia 24 de junho de 2022, um senhor de nome Benjamin apresentou aos Réus, por intermédio da Autora, uma proposta de compra do imóvel.

13. No dia 4 de julho de 2022, o Réu Jaime informou a Autora de que já não pretendia celebrar o contrato de compra e venda do imóvel, querendo desistir do negócio.

Na sentença recorrida, foi julgado não provado o seguinte facto:

A) A Autora comunicou à Ré o regime e exclusividade previsto na cláusula 4ª do contrato de mediação imobiliária.

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O tribunal a quo julgou a acção improcedente com uma fundamentação que assim se resume:

1 – Nos termos n.º 3 da cláusula 5.ª do contrato de mediação (doravante designado por “contrato”), “O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50 % após a celebração do contrato-promessa e o remanescente 50 % na celebração da escritura ou conclusão do negócio”. Não tendo sido celebrado qualquer destes contratos, aquela cláusula não fundamenta a pretensão da recorrente.

2 – Nenhuma cláusula do contrato prevê expressamente a remuneração da recorrente na hipótese de os recorridos desistirem da venda do imóvel antes da celebração de um contrato-promessa ou de um contrato de compra e venda.

3 – Não se provou que a recorrente tenha comunicado, à recorrida Lúcia, que o contrato tivesse sido celebrado sob o regime de exclusividade, previsto na cláusula 4.ª, a qual deve ser qualificada como uma cláusula contratual geral. Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), estas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. O artigo 8.º, al. a), do RJCCG, estabelece que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º. Consequentemente, a recorrente não pode invocar a cláusula 4.ª do contrato para sustentar a sua pretensão contra a recorrida Lúcia.

4 – O recorrido Jaime assinou o contrato. Daí que a sua situação não seja idêntica à da recorrida Lúcia, que assinou uma mera adenda ao contrato. O artigo 16.º, n.º 2, al. g), do Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária (RJAMI), dispõe que deverá constar do contrato de mediação imobiliária a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente. São especificados, no contrato, alguns dos efeitos do regime de exclusividade. Porém, isso não acontece com a obrigação de pagamento da retribuição na hipótese de os recorridos desistirem da venda. Daí que tal retribuição não seja devida.

5 – A idêntica conclusão se chega à luz do disposto nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil. Um declaratário normal que lesse a cláusula 4.ª do contrato não se aperceberia de que, se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta, teria de pagar a remuneração acordada à mediadora.

A recorrente, por seu turno, fundamenta o recurso em termos que assim se resumem:

1 – A decisão de julgar não provado que a recorrente comunicou, à recorrida Lúcia, o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato, é contraditória com a de julgar provado que aquela recorrida pretendeu vincular-se ao mesmo contrato, através da assinatura de uma adenda. Isto porque, ao assinar a adenda, a recorrida Lúcia revelou ter conhecimento da existência do contrato e demonstrou a intenção de querer aderir ao conteúdo deste.

2 – O contrato não é de adesão, pois o seu conteúdo era negociável, como resulta do facto de ter campos em branco para preenchimento pelas partes após negociação. Daí não lhe ser aplicável o RJCCG.

3 – Em particular, a cláusula 5.ª do contrato, referente ao direito à remuneração, nunca poderia encontrar-se abrangida pelo RJCCG, pois é excepcionada pelo artigo 3.º, al. a), deste último.

4 – Ainda que fosse aplicável o RJCCG, os recorridos tomaram conhecimento da cláusula 5.ª do contrato, nunca tendo pedido esclarecimentos adicionais, pelo que deve considerar-se cumprida a exigência decorrente do artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI.

5 – Resulta claramente do contrato que a recorrente teria direito à remuneração caso conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado.

6 – O tribunal a quo errou ao não valorar o facto de o recorrido Jaime apenas ter desistido da venda após tomar conhecimento da existência de um interessado na compra, do qual resulta que os recorridos tomaram conhecimento dos efeitos do regime de exclusividade.

7 – A referida desistência, manifestada na expectativa de não pagar a retribuição estipulada, viola o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos.

Antes de entrarmos na análise da argumentação da recorrente, impõe-se ordenar logicamente as questões que o caso dos autos suscita. Isso facilitará grandemente a fundamentação, como se verá.

O tribunal a quo analisou em primeiro lugar a situação da recorrida Lúcia, concluindo que esta não se encontra obrigada a pagar a remuneração peticionada pela recorrente por não ter ficado demonstrado que lhe tenha sido comunicado que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade.

Seguidamente, o tribunal a quo analisou a situação do recorrido Jaime, dando como assente que este, por ter assinado o próprio contrato, tomou conhecimento da estipulação do regime de exclusividade. O fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido Jaime ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente foi diverso do que fundou idêntica conclusão relativamente à recorrida Lúcia. O tribunal a quo concluiu que o recorrido Jaime não tem de pagar qualquer retribuição à recorrente porque, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI, o contrato não especifica esse efeito jurídico da estipulação do regime de exclusividade.

O fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação da recorrida Lúcia ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente apenas àquela aproveita. Já o fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido Jaime ao pagamento da mesma remuneração aproveita, em igual medida, à recorrida Lúcia.

Daí que a ordem lógica de análise das questões envolvidas seja a inversa daquela que o tribunal a quo seguiu. Em primeiro lugar, deverá analisar-se se é válido o fundamento pelo qual o tribunal a quo concluiu no sentido da não vinculação do recorrido Jaime ao pagamento da remuneração peticionada pela recorrente. Concluindo-se pela validade desse fundamento, o mesmo aproveitará à recorrida Lúcia, determinando que também esta não esteja vinculada àquele pagamento. Nessa hipótese, será indiferente se a recorrente comunicou, ou não, à recorrida Lúcia, que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade, ou se, fosse por que via fosse, a recorrida Lúcia teve conhecimento de que o contrato fora celebrado sob o regime de exclusividade. Ainda que aquela comunicação tivesse sido efectuada ou que este conhecimento existisse, a recorrida Lúcia não estaria vinculada a pagar qualquer retribuição à recorrente por, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI, o contrato não especificar esse efeito jurídico da estipulação do regime de exclusividade. Apenas na hipótese de este primeiro nível de defesa, comum a ambos os recorridos, cair, fará logicamente sentido passar à análise da validade dos meios de defesa que apenas aproveitam à recorrida Lúcia.

É evidente que nada daquilo que acabámos de afirmar inquina a sentença recorrida. Ao analisar as questões enunciadas pela ordem por que o fez, o tribunal a quo limitou-se a escolher, desnecessariamente, o caminho mais trabalhoso.

Por outro lado, também se impõe fazer uma precisão relativamente aos regimes jurídicos convocados pelo tribunal a quo para analisar a situação de cada um dos recorridos. A afirmação da recorrente segundo a qual a sentença recorrida “é sustentada no regime das cláusulas contratuais gerais” não é rigorosa. O tribunal a quo aplicou o RJCCG apenas para analisar a situação da recorrida Lúcia. A situação do recorrido Jaime foi analisada à luz do RJAMI e, complementarmente, do Código Civil. Daí que, para sindicarmos o acerto da fundamentação expendida na sentença recorrida a propósito da situação do recorrido Jaime, não tenhamos de tomar posição acerca da qualificação do contrato como sendo de adesão, bem como da questão de saber se a cláusula 5.ª do contrato é enquadrável no disposto no artigo 3.º, alínea a), do RJCCG.

Analisemos, então, se o contrato cumpre o disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI. Resulta desta norma que do contrato consta, obrigatoriamente, a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente.

O contrato foi celebrado sob o regime de exclusividade, como decorre do n.º 1 da cláusula 4.ª. Daí a obrigatoriedade de nele serem especificados os efeitos que desse regime decorriam, quer para a recorrente, quer para os recorridos.

O n.º 2 da cláusula 4.ª dispõe que o regime de exclusividade implica que só a mediadora tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência, ficando o cliente obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

O contrato não especifica qualquer outro efeito decorrente do regime de exclusividade. Ou seja, não consta do contrato que, devido a esse regime, a mediadora tem direito a receber a remuneração acordada se o negócio objecto daquele não se concretizar por causa imputável ao cliente, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI.

É certo que consta do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato que “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro”. O n.º 2 deste artigo 19.º do RJAMI estabelece que é devida, à empresa, a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. Poderia, pois, argumentar-se que a remissão, feita na parte final do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato, para o n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI, asseguraria o cumprimento do disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI. É, porém, evidente que não é assim. Esta remissão é incompatível com a exigência de especificação, no contrato de mediação, dos efeitos decorrentes do regime de exclusividade, quer para a empresa, quer para o cliente, feita pelo artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI.

Com efeito, a finalidade óbvia deste preceito legal é garantir que o cliente possa conhecer todos os efeitos do regime de exclusividade através da simples leitura do contrato de mediação, sem necessidade de consultar diplomas legais para os quais o mesmo contrato remeta, coisa que quase ninguém faz, muito menos antes de assinar aquele contrato. Na generalidade dos casos, a falta de especificação de determinado efeito do regime de exclusividade no contrato determina que o cliente o celebre sem conhecer esse efeito. É precisamente isso que o artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI pretende evitar.

Não especificando que um dos efeitos do regime de exclusividade é a mediadora ter direito a receber a remuneração acordada se o negócio objecto daquele não se concretizar por causa imputável ao cliente, o contrato é nulo, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, do RJAMI, como os recorridos sustentam. É quanto basta para concluir que nenhum dos recorridos se encontra obrigado a pagar a referida remuneração à recorrente, já que um contrato nulo não produz os seus efeitos típicos. Ainda assim, faremos algumas observações complementares, que reforçam aquela conclusão.

O tribunal a quo analisou o contrato à luz do disposto nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, concluindo que um declaratário normal que lesse a cláusula 4.ª não se aperceberia de que, se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta, teria de pagar a remuneração acordada à mediadora. Concordamos e vamos mais longe: o contrato encontra-se redigido de forma a inculcar a ideia de que o cliente não teria de pagar a retribuição acordada se desistisse da compra e venda após aparecer um interessado nesta; não se limita a não ser claro, antes induzindo o cliente em erro. Atente-se na sequência de cláusulas que em seguida descrevemos.

O n.º 2 da cláusula 4.ª estabelece que o regime de exclusividade implica que só a mediadora pode promover o negócio objecto do contrato durante o período de vigência deste e que o cliente ficará obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade. Ao especificar apenas este efeito da exclusividade, o contrato induz um declaratário normal a supor que não existem outros.

O n.º 1 da cláusula 5.ª estabelece que a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio objecto do contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, ou seja, do RJAMI.

Por um lado, não basta a mediadora conseguir um “interessado”, exigindo-se que este “concretize” o negócio objecto do contrato. Ora, concretizar o negócio objecto do contrato significa, em princípio, celebrar o contrato de compra e venda. Todavia, o n.º 3 esclarece que, após a celebração do contrato-promessa, deveria ser paga metade da remuneração, ampliando, assim, o conceito de “concretização” do negócio objecto do contrato. Uma vez que o contrato esclarece devidamente este aspecto, um declaratário normal ficaria, em princípio, ciente deste regime de pagamento da retribuição ao proceder à sua leitura.

Já a referência às “excepções previstas no artigo 19.º” do RJAMI em nada esclarece um declaratário normal a quem seja apresentada uma minuta de contrato de mediação para assinar. Muito dificilmente esse declaratário normal estará munido dos meios necessários ao conhecimento de quais sejam tais excepções nesse momento. Argumentar-se que, se o cliente não souber o que estabelece o artigo 19.º do RJAMI, pode não assinar imediatamente o contrato, ir informar-se e só depois assinar, é desconhecer a realidade da vida. A generalidade das pessoas, na melhor das hipóteses, lê o contrato quando o assina, não investigando o que dispõem as normas legais neste referenciadas e confiando, de boa fé, na idoneidade da mediadora. É precisamente por isso que o artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI, exige a especificação, no contrato, dos efeitos que decorrem do regime de exclusividade.

Note-se ainda a seguinte subtileza na redacção do n.º 1 da cláusula 5.ª: a remuneração será devida se... A um declaratário normal, parece que o intuito do referido n.º 1 é limitativo do reconhecimento do direito à retribuição. Afinal, exactamente o contrário daquilo que a mediadora pretende com a sua parte final, que é abrir discretamente [porque o faz através de remissão para um diploma legal, em vez de cumprir o disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. g), do RJAMI] a porta à aplicação de uma norma legal que estabelece um efeito particularmente gravoso para o cliente, como é o de limitar a sua liberdade de desistir do negócio até à celebração do contrato-promessa sem ter de pagar a remuneração acordada.

Vai na mesma linha o n.º 3 da cláusula 5.ª, ao estabelecer que o pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições… Através desta norma de aparente salvaguarda da posição do cliente, de novo é inculcada, a um declaratário normal, a falsa ideia de que, antes da celebração do contrato-promessa, em caso algum, nomeadamente no de desistência de celebração do negócio objecto do contrato por parte do cliente, é devida a remuneração acordada. 

Finalmente, o n.º 4 da cláusula 5.ª estabelece que o direito à remuneração não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o imóvel. Assim se reforça ainda mais a ideia, criada pelo n.º 2 da cláusula 4.ª e já reforçada pelos n.ºs 1 e 3 da cláusula 5.ª, de que o contrato prevê a totalidade das hipóteses em que a remuneração acordada é devida à mediadora. Prevendo o contrato, como causa de atribuição do direito à remuneração, a hipótese, pouco frequente, de exercício de direito legal de preferência sobre o imóvel, um declaratário normal não suspeitará de que tal aparente preocupação em detalhar as hipóteses em que a remuneração é devida deixou, afinal, de fora a especificação daquele que é, porventura, o efeito mais gravoso do regime de exclusividade, pois cerceia a liberdade do cliente, na medida em que este, continuando embora a poder desistir do negócio, terá, ainda assim, de pagar a retribuição acordada à mediadora.

Concluímos, assim, que o contrato induz em erro os clientes que não conheçam o RJAMI, que são a generalidade. Sendo estipulado o regime de exclusividade, aqueles clientes acabam por ver limitada a sua liberdade de deixar de celebrar o negócio objecto do contrato sem disso se aperceberem.

Em face do que acabámos de concluir, fica refutada a alegação da recorrente segundo a qual a desistência da venda do imóvel por parte do recorrido Jaime viola o princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos. Foi a actuação da recorrente, ao apresentar a minuta de contrato que o recorrido Jaime assinou (cfr. o n.º 7 da matéria de facto provada), que violou o dever de actuar de boa fé na formação do contrato, pelas razões expostas. O recurso à cláusula geral da boa fé não é necessária para alcançar a solução imposta pelo sistema, dada a existência de norma legal que expressamente sanciona a actuação da recorrente com a nulidade do contrato, como vimos anteriormente. Contudo, o reconhecimento de que a recorrente violou o seu dever de boa fé na formação do contrato arreda a possibilidade de qualificar a conduta do recorrido Jaime como atentatória daquele princípio. É a própria prática contratual da recorrente que fomenta a existência de situações como a dos autos.

Apesar de, em face da exposição anterior, se ter tornado desnecessária a análise dos fundamentos que levaram o tribunal a quo a concluir que a recorrida Lúcia não se encontra obrigada a pagar qualquer remuneração à recorrente (repetimos: em qualquer caso, o contrato é, à luz do RJAMI e sem necessidade de recurso ao RJCCG, nulo, pelo que a retribuição não é devida por nenhum dos recorridos), deixamos uma última nota, sobre a alegada contradição entre a decisão de julgar não provado que a recorrente comunicou, à recorrida Lúcia, o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª do contrato, e a de julgar provado que esta recorrida pretendeu vincular-se ao mesmo contrato, através da assinatura de uma adenda. Tal contradição não se verifica. É verdade que, como a recorrente sustenta, a recorrida Lúcia, ao assinar a adenda, revelou ter conhecimento da existência do contrato e demonstrou a intenção de aderir ao conteúdo deste. Todavia, ter conhecimento da existência do contrato e demonstrar a intenção de aderir ao conteúdo deste não implica, nem que a recorrente tenha comunicado, à recorrida Lúcia, o regime de exclusividade previsto na cláusula 4.ª, nem que a recorrida Lúcia tivesse efectivamente conhecimento de todo aquele conteúdo. É possível que a recorrida Lúcia, conhecendo a existência do contrato, tenha querido passar a ser parte nele, aderindo ao seu conteúdo, sem conhecer todo esse conteúdo, nomeadamente que o mesmo fora celebrado em regime de exclusividade.

Concluindo, o tribunal a quo decidiu acertadamente ao absolver os recorridos do pedido, devendo o recurso ser julgado improcedente.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

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Évora, 11.01.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.ª adjunta


sábado, 13 de janeiro de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

Processo n.º 14902/22.0T8PRT.E1

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Sumário:

1 – Numa acção com processo especial de prestação de contas, se o réu admitir a existência do facto que constitui a causa de pedir e que deste resultou uma obrigação de prestação de contas nos termos alegados pelo autor, mas sustentar que tal obrigação se encontra extinta, total ou parcialmente, mormente por cumprimento, estará a contestar, pelo que será aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 942.º do Código de Processo Civil.

2 – A obrigação de prestação de contas tem natureza substantiva, sendo, estruturalmente, uma obrigação de informação, tal como o artigo 573.º do Código Civil a configura. Logo, é a lei substantiva a sede própria para a definição dos seus pressupostos. A lei adjectiva deveria limitar-se a regular os termos em que deve ser judicialmente exercido o direito à prestação de contas e cumprida a correspondente obrigação.

3 – Diversas normas substantivas estabelecem obrigações de prestação de contas. Estas também podem resultar de contrato ou do princípio da boa-fé.

4 – Não cabendo, ao caso, um processo especialíssimo de prestação de contas, não poderá ser negada a tutela jurisdicional de um direito à prestação de contas através do processo especial-geral de prestação de contas regulado nos artigos 941.º e seguintes do Código de Processo Civil, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.

5 – Nos contratos legalmente atípicos, atenta a inexistência de um tipo contratual que para eles forneça um modelo regulativo, o clausulado reveste-se de uma importância central para a sua interpretação. Na concretização do regime jurídico desses contratos, é de primordial importância a cláusula geral da boa fé.

6 – Num contrato de “parceria comercial” mediante o qual uma parte autorizou a outra a usar a imagem de uma nutricionista com notoriedade pública para comercializar determinados produtos por si fabricados, contra o pagamento de 7% do preço de venda ao retalho desses produtos em cada mês, e no qual não foi estipulado que a parte que se obrigou a este pagamento prestasse contas à outra, contrariaria o princípio da boa-fé que tal obrigação não existisse.

7 – Deverá aplicar-se, a um contrato como o descrito em 6, por analogia e com as necessárias adaptações, o regime estabelecido, para o contrato de associação em participação, nos artigos 26.º, n.º 1, al. d), e 31.º, n.ºs 1 a 4, do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28.07.

8 – Assim, a parte credora do pagamento referido em 6 tem o direito de exigir da outra a prestação de contas sobre as vendas, por esta efectuadas, de produtos abrangidos pelo contrato, sendo, para esse efeito, admissível o recurso ao processo regulado nos artigos 941.º e seguintes do Código de Processo Civil.

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Texto integral: link


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 14.07.2021

Processo n.º 52878/20.5YIPRT.E1

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Sumário:

1 – O contrato de mediação imobiliária encontra-se sujeito à forma escrita e deve conter as especificações previstas no n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, sob pena de nulidade, a qual, porém, não pode ser invocada pela empresa de mediação.

2 – O n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil veda, à empresa de mediação, provar o conteúdo de um contrato de mediação imobiliária, tendo em vista a condenação do cliente no pagamento de uma remuneração que considera ser-lhe devida por efeito desse contrato, através de declarações de parte do seu legal representante e de testemunhas.

3 – Invocando a autora, empresa de mediação imobiliária, como causa de pedir, que, em consequência da sua intervenção, o cliente celebrou um contrato-promessa de compra e venda e, por isso, lhe deve uma remuneração, está vedado, ao tribunal, conhecer da questão da hipotética celebração do contrato prometido e condenar o cliente no pagamento com fundamento na celebração deste último.

4 – Só se o contrato de mediação imobiliária o previr é que será devida uma remuneração à empresa de mediação aquando da celebração de contrato-promessa que tenha por objecto o negócio visado pelo exercício da mediação.

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IU, Lda., apresentou requerimento de injunção contra PF, com vista à cobrança da quantia de € 10.493,84, correspondendo € 10.147,50 à dívida de capital, € 142,34 a juros de mora e € 102 à taxa de justiça paga. Invocou a seguinte causa de pedir: celebrou um contrato de mediação imobiliária com o requerido, tendo em vista a venda de um imóvel a este pertencente, no qual acordaram uma comissão de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor do negócio; em 23.11.2018, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, do qual consta a intervenção da requerente, tendo, assim, esta prestado o serviço contratado; nessa data, o requerido recebeu a quantia de € 16.000 a título de sinal e não lhe pagou a comissão devida, não obstante ter sido para o efeito interpelado, primeiro por carta e depois através de notificação judicial avulsa.

O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, por um lado, que, sendo verdade que um angariador da requerente teve intervenção na celebração de um contrato-promessa de compra e venda do seu apartamento, o contrato prometido nunca se realizou, pelo que não é devedor de qualquer comissão, e, por outro, que o contrato de mediação imobiliária que eventualmente tenha celebrado com a requerente não foi reduzido a escrito, o que determina a sua nulidade.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.

A requerente interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Entendeu o tribunal recorrido, nos autos supra identificados, julgar improcedente a acção e o pedido formulado pela requerente (aqui recorrente) e julgar procedente a excepção de nulidade invocada pela requerida. Contudo, fê-lo, em nossa opinião e salvo melhor entendimento, com violação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e em desconformidade com as normas, regras e princípios que enformam o nosso ordenamento jurídico.

2. O presente recurso sobre a sentença proferida quanto à matéria de facto funda-se no entendimento da recorrente de que o tribunal a quo fez uma incorrecta reapreciação da prova produzida no processo, dando como não provados factos que, em rigor, resultaram suficientemente provados.

3. A recorrente defende a tese de que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito aquando da angariação do imóvel, por volta do verão de 2018, onde foi acordado que o valor da remuneração seria de 5% mais IVA sobre o valor da venda.

4. Foi encontrado comprador para o imóvel da recorrida, através de anúncio publicado na internet e gerido pela recorrente. Levando esta a cabo diversos serviços de forma a encontrar comprador…o que aconteceu!!! Cumpriu escrupulosamente a sua parte do contrato!

5. Comprador esse que surge através da recorrente que após visita ao imóvel, mostrou interesse no mesmo, tendo sido celebrado contrato promessa de compra venda em 23.11.2018.

6. Nesse contrato está bem patente na sua clausula oitava que há intervenção imobiliária, nomeadamente da IU, Lda., aqui recorrente.

7. A escritura pública veio a concretizar-se em 20.07.2020 conforme certidão de registo predial junta aos autos, não sendo verdade que o negócio não se viria a concretizar.

8. Não obstante o tribunal deu como não provado os termos do negócio nem tão pouco deu como provado quando deveria ter sido efectuado o pagamento. (com a conclusão do negócio final).

9. A fundamentação da decisão acerca da matéria de facto encontra-se plasmada a fls. 4 e 6 da sentença ora recorrida, nos termos da qual a Mma. Juiz a quo considera pouco credíveis as declarações do representante legal da recorrente.

10. Na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto dada como não provada, a sentença recorrida refere que resultaram da ausência de prova e afirmando que toda a prova documental junta foi “inócua ou inútil”.

11. É relativamente a esta decisão acerca da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente se insurge, pois, salvo melhor opinião, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou prova bastante e suficiente para que aqueles factos tivessem sido dados como provados.

12. Desde logo, a Mma. Juiz a quo, na sentença, refere que a testemunha DC não mereceu credibilidade quando o seu depoimento em tudo é coincidente quer com o da testemunha NP quer com o da testemunha JN.

13. Da prova produzida, destacam-se os seguintes depoimentos, como mais relevantes para a decisão da matéria de facto: Testemunha: DC ouvido no dia 12.01.2021 [das 14:37:23 as 14:56:55 (00:00:01a00:19:32)] ficheiro 20210112143200 _ 3628000 _ 287793 acta com a ref.ª::91628125;

14. Testemunha NP ouvida no dia 12.02.2021 [das14:57:26 a 15:11:14) ficheiro 20210112145725 _ 3628000 _ 2871793 – acta com a ref.ª: :91628125;

15. Testemunha JN ouvido no dia 12.02.2021 [das15:20:47 a 15:36:22) ficheiro 201011 _ 2152046 3628000 _2871791 – acta com a ref.ª: :91628125;

16. Ora, não obstante a factualidade alegada e as questões levantadas pela recorrente, a decisão proferida, incompreensivelmente, faz tábua rasa das questões que lhe foram colocadas e submetidas à sua apreciação.

17. No caso dos autos, constata-se que estamos perante uma mera e simples adesão aos fundamentos alegados pela requerida no que respeita à invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária sem que tenha sido realizado um verdadeiro julgamento da matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa e a justa composição do litígio.

18. Pois, se é verdade que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção, isso não o dispensa de discriminar os factos que considera provados e os que considera não provados, de analisar criticamente as provas, indicar as ilações tiradas de factos instrumentais e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e deve ainda interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo desta forma pela decisão final.

19. Aliás, no que concerne aos factos não provados, o que se verifica é uma total falta de fundamentação de facto, porquanto o tribunal recorrido não explicita as razões que o levaram a não considerar como provado os termos do negócio, não consubstanciam um reconhecimento do direito da recorrente, quando deveria atenta a invocação da dita nulidade, verificar a situação abusiva e ilegítima por parte da recorrida e verificar a situação de abuso de direito e de incumprimento contratual.

20. Vedando-se à recorrente a possibilidade de compreender e controlar a razão pela qual o tribunal recorrido chegou à decisão recorrida, qual o raciocínio lógico que seguiu e os argumentos em que se baseou para decidir como decidiu.

21. De facto, não resulta daquela decisão, quais os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem se vê que tenha sido compatibilizada toda a matéria de facto adquirida e constante dos autos.

22. Na verdade, o tribunal recorrido não emite qualquer juízo ou explana qualquer razão de facto para justificar o motivo pelo qual não considerou verificada a clara manifestação de abuso de direito, e o incumprimento contratual por parte da recorrida que nunca negou as acções de promoção e divulgação levadas a cabo pela recorrente.

23. Aliás, esta questão abusiva e ilegítima nem sequer foi ponderada pelo tribunal, sendo de conhecimento oficioso.

24. Assim, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, a prova efectivamente produzida, a matéria de facto provada, bem como uma correcta interpretação e aplicação do direito impunham como sua decorrência lógica que se tivesse dado como provado, e não como não provado, que: “o contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.” e que “as partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda”.

25. Isto porque, embora, e, no que diz respeito ao reconhecimento do direito do credor, sempre seria possível concluir da sua existência através das regras da lógica e da experiência.

26. "Ante os factos submetidos à sua apreciação, o tribunal recorrido de foram singela e simplista, sem fazer uma conjugação da prova efectivamente produzida nos autos, analisando-a criticamente, sem expor o processo lógico e racional que seguiu, decidiu que nada seria devido a recorrente por não ter junto qualquer documento que ateste as condições do negócio.

27. No que concerne à fundamentação da matéria de facto, mormente, no que se refere aos factos não provados, não é possível à recorrente aferir se o tribunal a quo aquilatou, sequer, da possibilidade de ter havido um reconhecimento tácito do direito da recorrente.

28. O que é manifestamente insuficiente para convencer a recorrente da bondade da decisão.

29. Entende a recorrente que é ilegítimo a recorrida vir invocar a nulidade de um contrato de mediação com base em alegadamente não se recordar de assinar quando em toda a relação contratual se comportou como se esse contrato existisse, beneficiando dos serviços da recorrente.

30. Violou o tribunal recorrido a interpretação e aplicação que fez dos artigos 334.º, 406.º e 798.º todos do Código Civil e 607.º, n.º 4, 615.º, b) e c) do CPC e artigo 19, nº 1 da lei 15/2013.

O recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - Esteve bem o tribunal a quo ao decidir como decidiu, julgando a acção totalmente improcedente.

II - Importa salientar ser o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aquele que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena.

III - Como aliás é totalmente pacífico no seio das decisões jurisprudenciais, uma eventual alteração da matéria de facto só deverá ocorrer se existirem elementos que a imponham muito claramente, não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes, conforme ressalta do n.º 1 do art.º 662 do C.P.C., ao condicionar a modificação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da recorrida.

IV - Os fragmentos dos depoimentos mencionados pela apelante, não poderão suportar a alteração da matéria de facto dada como não provada, para provada, e colocada em crise, por manifestamente insuficientes.

V - A apelante não carreia para o processo outras e melhores provas capazes de infirmar a factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, obstando pois à formação de nova convicção em substituição da espelhada na decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, impondo-se assim a manutenção dos factos dados como provados e não provados.

VI - O contrato de mediação é nulo desde o seu início, por não ter sido respeitada a forma escrita, e não tendo sido acordado qualquer dos elementos essenciais de tal contrato, nomeadamente a retribuição da mediação, a exclusividade ou não, entre outros.

VII - Teremos igualmente de concluir que a pretensão da requerida não tem igualmente provimento porquanto a mesma baseou o seu pedido no disposto no supra citado artº 19º, nº 1 da lei 15/2013, segunda parte, não demonstrando que assim tenha sido acordado.

VIII - No caso dos autos, não ficou provado que tal regime tivesse sido acordado.

IX - Concordamos integralmente com a fundamentação da M.ª Juiz quanto à matéria de direito, na qual declarou a nulidade do contrato celebrado de mediação imobiliária celebrado entre as partes e, consequentemente, absolveu o recorrido da totalidade do peticionado, bem como impossibilidade de fixação de qualquer valor a título de restituição ao abrigo do disposto no Art.º 289.º do C.C.

X - Termos em que se requer que a presente apelação seja julgada improcedente, por não provada, e consequentemente, seja confirmada a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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As questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Direito da recorrente à remuneração peticionada.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A autora dedica-se à prestação de serviços de mediação imobiliária.

2. No âmbito da sua actividade, a autora celebrou com o réu um contrato de mediação com vista à venda do seu imóvel.

3. A 23 de Novembro de 2018 foi celebrado contrato-promessa de compra e venda no qual é referida a intervenção da autora.

4. Aquando da celebração do contrato-promessa o réu recebeu a quantia pecuniária de € 16.000,00 (dezasseis mil euros).

5. A autora emitiu factura a 04 de Março de 2020 no montante de € 10.147,50 (dez mil cento e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos) com IVA incluído, a qual remeteu ao réu.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

a) O contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.

b) As partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.

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1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

O tribunal a quo julgou não provado que:

a) O contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.

b) As partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.

A recorrente pretende que estes factos sejam julgados provados em sede de recurso. Para sustentar tal pretensão, invoca as declarações de parte do seu legal representante, DC, e os depoimentos das testemunhas NP e JN.

Estamos perante factos respeitantes ao conteúdo do contrato de mediação imobiliária celebrado entre recorrente e recorrido, referido no n.º 2 da matéria de facto provada, com cuja prova a primeira pretende obter a condenação do segundo na realização de uma prestação que, no seu entendimento e pressupondo a validade do contrato, resulta deste último. Coloca-se a questão da admissibilidade legal de prova desses factos por meio de declarações de parte e de testemunhas.

O n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, estabelece que o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito. O n.º 2 especifica o conteúdo obrigatório do contrato, integrando esse conteúdo a identificação do negócio visado pelo exercício da mediação [al. b)] e as condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável [al. c)]. O n.º 5 dispõe que o incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Estamos, portanto, perante um contrato que, por determinação legal, tem de ser, no mínimo, celebrado através de documento particular (sobre o conceito de documento particular, cfr. o artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil). A observância da forma escrita constitui condição de validade do contrato, tratando-se, portanto, de uma formalidade ad substantiam.

O artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. Daqui resulta a inadmissibilidade legal da prova do conteúdo de contrato de mediação imobiliária, para o efeito de obter o seu cumprimento, através de declarações de parte ou de testemunhas.

Sendo assim, a prova dos factos em questão nunca poderia ser feita através de declarações de parte ou de testemunhas, como a recorrente pretende. Razão suficiente para não se poder alterar a decisão do tribunal a quo sobre os mesmos factos.

Sem embargo daquilo que acabamos de concluir, observaremos ainda que a prova de qualquer dos dois factos em questão é inútil.

Como veremos no ponto seguinte, tendo em conta a delimitação da causa de pedir feita pela recorrente, determinante do âmbito do poder de cognição do tribunal (artigos 5.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), inexiste fundamento para, nesta acção, condenar o recorrido a pagar qualquer remuneração à recorrente. Daí que seja indiferente o valor eventualmente acordado para essa remuneração.

Como também veremos no ponto seguinte, o facto referido em b) é desfavorável à recorrente, pois, pedindo esta o pagamento de uma comissão por efeito da mera celebração de um contrato-promessa de compra e venda, o facto de a remuneração ser devida à recorrente apenas com a celebração do contrato de compra e venda determina a improcedência daquele pedido. Além disso, é inútil a prova da estipulação desse regime de remuneração no contrato de mediação imobiliária porquanto é esse o regime supletivo estabelecido no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013.

2 – Direito da recorrente à remuneração peticionada:

Importa delimitar com rigor a causa de pedir, porquanto a recorrente afirma, nas suas alegações, que submeteu à apreciação do tribunal a quo o facto de o recorrido ter celebrado o contrato de compra e venda do seu imóvel com os clientes por si angariados.

Esta afirmação não corresponde à verdade. Como referimos no relatório deste acórdão, a causa de pedir invocada pela recorrente foi a celebração de um contrato de mediação imobiliária com o recorrido tendo em vista a venda de um imóvel a este pertencente, no qual foi estipulada uma comissão de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor do negócio, e a posterior celebração de um contrato-promessa de compra e venda do referido imóvel entre o recorrido e terceiro, com menção da intervenção da recorrente, concluindo esta que, com a celebração deste último contrato, prestou o serviço contratado. A recorrente não alegou a celebração do contrato prometido, nem invocou que o direito ao recebimento da comissão dela resultou. Tudo isto resulta claramente do requerimento de injunção.

Foi em face da causa de pedir assim configurada pela recorrente que o recorrido exerceu o seu direito ao contraditório, invocando, na oposição que deduziu, além do mais, que a recorrente não adquiriu o direito à comissão com a simples celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Foi também com base na causa de pedir invocada pela recorrente que o tribunal a quo decidiu o mérito da causa. Nomeadamente, a celebração do contrato de compra e venda do imóvel do recorrido não consta, nem dos factos provados, nem dos não provados. Nem podia o tribunal a quo deixar de assim proceder. Se tivesse extravasado do objecto do processo tal como este foi definido pela recorrente através da alegação dos factos que integram a causa de pedir, o tribunal a quo teria violado o disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, e, consequentemente, a sentença recorrida seria nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do mesmo código.

Portanto, a acção terá de ser decidida em função dos contornos que a recorrente lhe fixou através da alegação dos factos integrantes da causa de pedir. O princípio do dispositivo, que se mantém no CPC de 2013, impõe que o tribunal respeite a definição do litígio que é feita pelas partes. Tendo a recorrente invocado determinada causa de pedir, não podia o tribunal a quo decidir a causa em primeira instância, nem pode o tribunal ad quem decidir o recurso, com base em causa de pedir diversa.

Concluindo, está em causa saber se, por efeito da celebração do contrato-promessa de compra e venda referido nos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, a recorrente adquiriu o direito de receber a remuneração que reclama do recorrido.

O artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, estabelece que a remuneração da empresa de mediação imobiliária é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração àquela empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

Decorre desta norma que, em regra, a remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. Aquela empresa apenas terá direito a uma remuneração aquando da celebração de contrato-promessa que tenha por objecto o negócio visado pelo exercício da mediação se tal tiver sido estipulado no contrato de mediação imobiliária.

No caso dos autos, não está provado que tenha sido estipulado no contrato de mediação imobiliária que a recorrente tinha direito a uma remuneração aquando da celebração do contrato-promessa pelo recorrido. Daí que, independentemente das questões da nulidade do contrato de mediação imobiliária por inobservância da forma legalmente prescrita e de a invocação dessa nulidade pelo recorrido poder consubstanciar um abuso do direito, se imponha a conclusão de que, por via da aplicação do regime legal supletivo segundo o qual a remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o recorrido não poderá ser condenado, nesta acção, a pagar à recorrente a remuneração que esta peticiona, fundada na mera celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Resulta do exposto que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 14 de Julho de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto 

 

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

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