domingo, 28 de fevereiro de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 11.02.2021

Processo n.º 723/17.5T8BJA.E1

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Sumário:

1 – A indemnização de clientela, prevista no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, traduz-se na atribuição, ao agente, de uma compensação por um enriquecimento que a actividade por si desenvolvida durante a vigência do contrato proporciona ao principal após a cessação deste último.

2 – A exigência, constante da 1.ª parte da al. a) do n.º 1 daquele artigo, de o agente ter angariado novos clientes para o principal, tem, como conteúdo mínimo, que tal actividade tenha gerado um saldo positivo entre o número de clientes perdidos e o número de clientes angariados.

3 – Qualquer das partes pode, em regra, extinguir a todo o tempo, através de denúncia, uma relação contratual duradoura estabelecida por tempo indeterminado, pelo que a admissibilidade de denúncia de um contrato de concessão comercial celebrado por tempo indeterminado não pressupõe a aplicação, por analogia, do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86.

4 – A finalidade da exigência de uma dilação entre a comunicação da denúncia do contrato e o efeito extintivo deste é permitir, à contraparte, preparar-se adequadamente para enfrentar as consequências dessa extinção.

5 – O artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, não constitui uma norma excepcional, antes estabelecendo um critério especial de fixação do montante de uma indemnização, pelo que é susceptível de ser aplicado por analogia.

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CR – Comércio e Distribuição de Bebidas, Lda., propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A..

Os pedidos são os seguintes:

1 – Condenação da ré a pagar à autora uma indemnização de clientela de € 740.410,37, nos termos dos artigos 33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, e, a título subsidiário relativamente ao pedido de indemnização de clientela, o pagamento de € 740.410,37, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, a ser adoptado pelo tribunal o juízo de equidade proposto na petição inicial;

2 – Condenação da ré a pagar à autora, nos termos do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, a quantia de € 532.701,19, a título de indemnização dos lucros cessantes e danos emergentes decorrentes da insuficiência de pré-aviso de denúncia do contrato;

3 – Condenação da ré a pagar à autora, nos termos do artigo 798.º do Código Civil e do artigo 32.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, uma indemnização de € 40.000 por danos directos e indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais, à reputação, credibilidade e idoneidade da autora, resultantes da violação do princípio da boa fé contratual pela ré;

4 – Condenação da ré a pagar à autora os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem sobre a quantia reclamada no ponto 1, desde a data do recebimento do pedido de indemnização de clientela apresentado pela autora, ou seja, desde 01.04.2017, até integral pagamento;

5 – Condenação da ré a pagar à autora os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem sobre as quantias reclamadas nos pontos 2 e 3, desde a citação até integral pagamento.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção. Em reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 172.235,74, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

A autora replicou, concluindo no sentido da improcedência da reconvenção.

A ré reduziu o pedido reconvencional para o montante de € 35.130,31.

Foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, foi admitida a reconvenção. Foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente procedente:

- Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 4.362,14, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização de clientela;

- Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.554,50, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, pela insuficiência de pré-aviso de denúncia do contrato;

- Absolveu a ré do demais peticionado;

- Condenou a autora a pagar à ré a quantia de € 35.130,31, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Quer a autora, quer a ré, interpuseram recurso da sentença.

As conclusões do recurso interposto pela autora são as seguintes:

(…)

As conclusões do recurso interposto pela ré são as seguintes:

(…)

Ambas as partes contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela parte contrária.

Os recursos foram admitidos, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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As questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Se é devida à autora uma indemnização de clientela e, na hipótese afirmativa, qual deverá ser o seu montante;

3 – Se o prazo fixado pela ré para a produção de efeitos da denúncia do contrato foi mais curto que o exigível e, na hipótese afirmativa, quais são os efeitos jurídicos daí resultantes.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio grossista de bebidas.

2. A ré tem como objecto social a importação, exportação, produção, incluindo a exploração de nascentes de águas, preparação e fabrico e comercialização, por grosso ou a retalho, de vinhos e bebidas espirituosas, de malte, cerveja, refrigerantes, águas minerais e de mesa e seus derivados, águas artificialmente mineralizadas ou de qualquer modo preparadas e de outros produtos alimentares, bem como das correspondentes matérias-primas e bens associados, nomeadamente compra e venda de vidro e objectos de vidro, prestação de serviços de consultoria e estudos de mercado em áreas conexas, aquisição, venda e qualquer outra forma de exploração de marcas registadas, patentes e direitos conexos e gestão da carteira própria de títulos.

3. Os produtos produzidos e/ou comercializados pela ré são os seguintes: Sagres Branca, Sagres Preta, Sagres Radler, Sagres 0,0% Radler, Sagres Bohémia, Sagres Sem Alcool Branca, Imperial Branca, J. Smith’s, Guinness, Kilkenny, Desesperados, Affligem, Heineken, Bulmer/Strongbow, Old Mout, Bandida do Pomar, Vivere Branco, Luso Lisa, Luso com Gás, Luso com Gás Limão Cruzeiro, Luso de Fruta, Royal Club, e CO2.

4. A partir de 8 de Março de 1999 as partes acordaram que a autora assumisse a distribuição dos produtos da ré, então com a denominação “CENTRALCER-Central de Cervejas, S.A.”, nos concelhos de Moura, Serpa, Mértola e Barrancos, aos estabelecimentos de consumo imediato, nomeadamente hotéis, restaurantes e cafés (o canal de distribuição chamado “Canal HORECA”) e aos estabelecimentos do retalho alimentar tradicional.

5. A autora assumiu obrigações de compra efectiva dos produtos em causa, bem como uma obrigação específica de envidar os seus melhores esforços para venda dos mesmos, na área citada.

6. O contrato de distribuição não incluía a totalidade das marcas comercializadas pela ré.

7. A ré mantinha a disponibilidade de venda directa aos chamados clientes nacionais (aqueles que no momento da sua implementação se perspectiva virem a ter dois ou mais estabelecimentos inseridos numa mesma cadeia ou rede e implantados em uma ou mais áreas do território nacional, designadamente, hotéis, lojas de fast food, hipermercados, supermercados e cash and carrys, independentemente de possuírem, ou não, centralização das suas compras) e clientes especiais (aqueles cujo abastecimento de bebidas é efectuado através do sistema de duotank/beerdrive e, bem assim, os que desenvolvem actividades ou promovem eventos de natureza social e/ou de reconhecida notoriedade e projecção, que torna vantajosa a associação aos mesmos dos produtos da R. por razões de estratégia comercial – idoneidade e divulgação das marcas junto de um mercado específico – e não de rentabilidade das vendas, como é o caso das companhias de transporte aéreo e da realização de exposições, feiras ou congressos, entre outras).

8. A autora podia distribuir outros produtos que não os da ré.

9. No âmbito do negócio acordado entre as partes, a autora entregou à ré uma garantia bancária de 27.000.000$00 (vinte sete milhões de escudos).

10. As partes não assinaram qualquer contrato escrito que regulamentasse a relação comercial em causa nos autos.

11. A área geográfica em que a autora actuava foi trabalhada desde 1958 pela CERVIBEL – Agentes Reunidos de Cerveja e Vinhos, Lda., que distribuía os produtos da ré.

12. A autora efectuava directamente a distribuição das cervejas, águas, refrigerantes, vinhos e sidra da ré não recorrendo a sub-agentes nem a sub-distribuidores.

13. A ré enviou à autora a carta registada com aviso de receção, datada de 14 de Novembro de 2003, com referência DADE/0298/2003, assunto “Contrato de Distribuição – Alterações ao Pacto social” em que além do mais se pode ler: “(…) de acordo com o previsto nos Contratos escritos, outorgados com alguns Distribuidores, com aplicação idêntica para aqueles com quem não está formalizado por essa via, “O Contrato de Distribuição, nem qualquer direito de obrigação nele contemplado, poderá ser no todo ou em parte, transferido, cedido, delegado, trespassado, ou transmitido por qualquer outra forma, incluindo associação pelo Distribuidor, sem o consentimento prévio da Sociedade Central de Cervejas”.

14. A clientela da autora era ordenada por “Rotas”, sendo que a cada Rota era atribuído um número a que correspondia o nome do vendedor da autora que efectuava as visitas comerciais aos pontos de venda da “Rota” e o dia da semana destas mesmas visitas.

15. Os mapas descritivos das “Rotas” da clientela eram elaborados pela autora e emitidos através do sistema SALESUP, instalado no equipamento informático da Autora.

16. Estes mapas indicavam os dados de cada cliente integrado na “Rota”, nomeadamente: código de cliente, nome completo, denominação do ponto de venda, endereço - incluído o código postal completo, número de contribuinte, telefone e frequência da visita do vendedor.

17. Em 2016 o número de clientes da autora de produto da ré era 583.

18. A autora aderiu ao “Modelo de Excelência da Rede de Distribuição” cuja apresentação lhe foi remetida pela ré através do documento intitulado “Modelo de Excelência da Rede de Distribuição”.

19. A ré promovia a implementação do seu modelo de excelência dos distribuidores da sua rede, não só individualmente junto de cada distribuidor, como, ainda em reuniões com eles.

20. A autora comprava à ré os produtos objecto do contrato nas condições de fornecimento e aos preços da tabela que a ré lhe remetia, caucionando o valor do respectivo vasilhame.

21. A ré atribuía à autora descontos sobre os preços dos produtos, descontos esses que eram expressos nas facturas emitidas pela ré.

22. A ré atribuía também à autora, verbas expressas em notas de crédito emitidas pela ré, e, em 2012, através de notas de débito emitidas pela autora à ré.

23. Os descontos e promoções efectuados pela ré, quer em factura quer offinvoice, destinam-se exclusivamente a serem aplicados no mercado, isto é, nos concretos pontos de venda, não sendo destinados a remunerar o distribuidor.

24. Os produtos adquiridos à ré pela autora eram posteriormente revendidos por esta, a bares, cafés, discotecas, restaurantes, pastelarias, snacks, cervejarias, hotéis, cantinas, casas de pasto, tabernas, estalagens, pizzarias, pensões, bares das associações recreativas e desportivas, comissões de festas, lares, padarias, lojas de pão quente, quiosques, mercearias, mini-mercados, bares de praia, bares de eventos, bem como assim a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho.

25. A ré solicitava a colaboração da autora de diversas formas, como a promoção da venda de novos produtos, informações sobre operadores concorrentes, adiantamento de donativos em produtos ou em dinheiro, adiantamento do rappel aos clientes, etc..

26. A autora acedia às solicitações da ré.

27. A ré implementou um sistema pelo qual os seus distribuidores lhe enviavam por meios eletrónicos, e em tempo real, informações sobre as suas actividades comerciais, nomeadamente dados e consumo dos clientes pontos de venda.

28. Os softwares que foram implementados para a constituição e transmissão de ficheiros das empresas dos distribuidores para a ré, são, nomeadamente: “Navigator”, software para definir os objetivos da empresa e equipamentos comerciais; “Data Warehouse”, software de Business Intelligence – análise de dados de várias fontes; “SalesUp”, software de gestão para a distribuição, produção e logística, com faturação certificada.

29. Tais ferramentas têm como propósito apoiar o desenvolvimento do negócio e a parceria estabelecida entre as partes com o propósito de incrementar as vendas de produtos da ré.

30. Por e-mail de 10 de Janeiro de 2005, a ré dirigiu-se aos seus distribuidores, e, nomeadamente, à autora, nestes termos:

“Caros colegas Distribuidores (integrados em CRM e em preparação de integração) e Pré-Vendas

Vamos proceder em conjunto com a Bettersoft à atualização da Tabela de segmentação existente no vosso software MGI da Bettersoft. (…) Assim, vão receber um ficheiro executável proveniente da Bettersoft na 4.ª feira dia 12 de Janeiro de 2005, o qual deverá ser executado segundo as instruções enviadas pelos técnicos da Bettersoft. (…)”;

31. A ré solicitava à autora a segmentação dos seus clientes em quatro segmentos (A, B, C, D) correspondentes aos consumos de produtos das marcas da ré, expressos em valores como segue: A – Mais de € 10.000; B – Entre € 9.999 e € 5.000; C – Entre € 4.999 e € 2.000; D – Menos de € 2.000.

32. A ré solicitava o envio de dados sobre consumos de determinados produtos e referências.

33. A ré solicitava o envio de dados relativos aos consumos de determinados clientes da autora.

34. Por e-mail de 4 de janeiro de 2014 enviado à autora, a ré solicitou o envio de informações sobre a sua empresa, nomeadamente nestes termos: “uma listagem que contenha o número, nome de todos os vossos vendedores e armazéns, assim como o GVM responsável pela zona. Peço especial favor de me enviarem o quanto antes pois estamos a tentar criar uma função que facilite a entrada dos pontos de venda e dependemos dessas listagens”.

35. A autora instalou nos seus equipamentos informáticos os softwares da empresa Bettertech e transmitia à ré os dados por esta solicitados.

36. A adesão da autora a estas ferramentas foi voluntária.

37. A ré procedia à avaliação da autora no âmbito do denominado projecto 3E, de implementação voluntária.

38. Essa avaliação decorria do acordo das partes com informação voluntariamente cedida pela autora.

39. A ré enviou à autora a carta datada de 11 de Junho de 2003, referência DADE/176/2003, sobre o processamento das “Avaliações no Âmbito do Sistema de Incentivos a Distribuidores referentes ao Exercício de 2002”, em que além do mais se pode ler:

“(…) Para a preparação desta Avaliação por vós em conjunto com o vosso Contabilista enviamos, na disquete em anexo, o ficheiro que deverá ser entregue à Equipa Avaliadora no dia da sua estadia convosco.

Deverão igualmente encontrar-se disponibilizados para entrega à Equipa Avaliadora os seguintes documentos no dia da Avaliação:

1. Cópia do Modelo 22 e respetivos anexos (A, O, L e P) e Declaração Anual do ano 2002.

2. Balancete de Encerramento (analítico) referente a 2002.

3. Mapa de Amortizações e Reintegrações referentes a 2002.

4. Cópia do Quadro do Pessoal referente a 2002.

5. Nome do Responsável Financeiro/Contabilidade (com telefone e telemóvel).

Relembro que nos dias indicados para a Avaliação é necessário o acompanhamento permanente de pelo menos um Sócio-Gerente da Sociedade, bem como a disponibilidade do Responsável Financeiro/Contabilidade e do Técnico de Informática se tal for necessário, nomeadamente para o esclarecimento de dúvidas que se venham eventualmente a colocar.”.

40. A autora desenvolvia e promovia contactos com potenciais clientes, fidelizava-os às marcas da ré e incentivava o crescimento dos volumes de compras dos produtos da ré por parte dos mesmos.

41. A autora fomentava junto dos pontos de venda a opção de vender produtos de pressão, nomeadamente cerveja, refrigerantes, sidra e vinho.

42. A autora informava a ré dos dados dos pontos de venda que tinha angariado para os produtos de pressão e solicitava a instalação do respectivo material extractor.

43. A autora conquistava novos pontos de venda, seja aquando da abertura de novos estabelecimentos, seja conquistando clientes à concorrência.

44. Quando o novo cliente pretendia vender produtos de pressão, nomeadamente cerveja de barril, a autora preenchia a “Ficha de Pedido” onde anotava os dados do cliente ponto de venda, a identificação e contacto do cliente, o equipamento extrator solicitado e a previsão de consumo.

45. A autora detectava as oportunidades comerciais geradas pelos eventos, angariava os clientes integrados nos mesmos e colaborava com os representantes da área comercial da ré, no processamento dos patrocínios das marcas desta.

46. Colaborando com a ré, a autora apoiava as instituições e os clientes integrados nos eventos culturais, festivos, associativos e desportivos, de forma a promover a venda dos produtos da ré junto deste tipo de clientela.

47. No ano de 2012, a autora manuseou, transportou e entregou 112.493,73 litros de produtos das marcas da ré nos eventos realizados na área do contrato.

48. No ano de 2013, a autora manuseou, transportou e entregou 102.805 litros de produtos das marcas da ré nos eventos realizados na área do contrato.

49. No ano de 2014, a autora manuseou, transportou e entregou 72.162 litros de produtos das marcas da ré em eventos realizados na área do contrato.

50. No ano de 2015, a autora manuseou, transportou e entregou 48.333,12 litros de produtos das marcas da ré em eventos realizados na área do contrato.

51. No ano de 2016, a autora vendeu 75.936 litros de produtos das marcas da ré em eventos realizados na área do contrato.

52. No âmbito da colaboração que prestava à ré, a autora transportava e entregava nos pontos de venda de bebidas instalados para os eventos festivos e desportivos, não só bebidas, mas também o material de apoio, como guarda-sóis, mesas, cadeiras, e, ainda, copos, toalhetes, etc..

53. Após cada evento, a autora ia recolher o material de apoio, que transportava novamente para o seu armazém, e, também, o vasilhame retornável.

54. A autora procedia ao controlo do vasilhame, que era contado por tipo de embalagem.

55. Nos anos 2002/2004, a autora comprava à ré a cerveja da marca Heineken, que revendia aos clientes da área do contrato.

56. A partir de Janeiro de 2005 foi retirada à ré a distribuição da cerveja da marca Heineken pelo que esta deixou de a poder fornecer à autora.

57. A partir de 2008, a ré voltou a comercializar a cerveja da marca Heineken.

58. Nessa altura a autora não aceitou o formato para a comercialização desse produto que lhe foi proposto pela ré.

59. A autora adquiriu um armazém com o valor patrimonial de 135.167,81 euros.

60. Os produtos da ré eram armazenados no armazém, onde ocupavam 800 m2.

61. A área descoberta, com acesso para pesados e parque de estacionamento é de 1200 m2.

62. A autora gastou 12.428 euros em obras de beneficiação no armazém.

63. A autora gastou 9.528 euros em estruturas metálicas, portões e montagem platibanda e 1.171,20 euros numa escada com patamar.

64. A autora gastou 2.322 euros em painéis de carga.

65. A autora investiu numa frota de viaturas para a pré-venda e de viaturas de transporte de mercadorias, para a distribuição dos produtos aos clientes-pontos de venda.

66. A autora investiu, desde o início da actividade objecto do contrato, em equipamento de manuseamento de mercadorias e adquiriu um empilhador elétrico por € 25.080,00.

67. A autora investiu numa estrutura administrativa informatizada e em serviços de informática.

68. A autora contratou e formou uma equipa de colaboradores.

69. A autora investia em publicidade, que ostentava o nome da cerveja Sagres.

70. Para exercer a actividade objecto do contrato, as viaturas da autora percorriam muitos milhares de quilómetros por mês.

71. No âmbito da actividade que a autora desenvolvia junto dos pontos de venda em prol dos produtos da ré, os seus colaboradores transportavam e colocavam nos pontos de venda, o material publicitário da ré.

72. A autora gozava de uma boa imagem comercial e de um grande prestígio na sua região.

73. A autora desenvolveu a sua atividade comercial com dinamismo, dando provas de disponibilidade e simpatia para com os seus clientes.

74. A autora e representantes da ré mantinham boas relações.

75. A ré convidava a autora para reuniões e diversos eventos e reuniões que realizava.

76. A ré depositava confiança na autora.

77. A autora enviou à ré a carta registada com aviso de recepção, com data de 25 de Fevereiro de 2014, em que além do mais se pode ler:

“(…) A margem de comercialização que V. Ex.as nos facultam é insuficiente para termos uma distribuição ativa e eficaz dos Vosso produtos, na área onde somos distribuidores oficiais exclusivos, e fazer face aos custos que diariamente suportamos.

Dificilmente suportamos os custos de distribuição que, na nossa área, são elevadíssimos devido às distâncias a percorrer para a abastecer os Clientes porta a porta. Como V. Ex.as sabem, o nosso território não é cidade e os clientes estão dispersos, muitas vezes isolados em pequenas aldeias cujos acessos além de distantes têm péssimas estradas.

A insuficiência da margem de comercialização ganha ainda mais relevância quando V. Ex.as permitem a venda dos mesmos produtos, nomeadamente cerveja Sagres, água de Luso e refrigerante Joi, a preços mais baixos por outros operadores no mercado, na área exclusiva que nos atribuíram o que nos tem originado uma perda continuada de competitividade.

Somos diariamente confrontados com os nossos Clientes que os questionam como é possível a Central de Cervejas proporcionar preços a estes operadores de modo a permitir que os mesmos vendam ao consumidor final mais barato do que o distribuidor oficial vende ao retalho? (…)”.

78. A ré aplicava à autora, para revenda grossista aos retalhistas da área do contrato, preços mais elevados que os que os supermercados locais revendiam ao público.

79. Nos anos de 2014/2015, por razões técnicas, a autora não conseguia transmitir à ré, por meios eletrónicos, todos os dados que esta solicitava, pelo que enviava à ré, em suporte papel, a informação que não seguia pela via eletrónica.

80. A 18.01.2017 a ré pediu a presença da gerência da autora para reunião a realizar no dia 23.01.2017, tendo como tema a relação contratual entre as partes.

81. No dia 23.01.2017 realizou-se uma reunião entre LQ e DS, por parte da ré, e CR e VR, por parte da autora.

82. Nessa reunião a ré comunicou à autora que tinha decidido seguir outro formato distributivo para a comercialização e distribuição dos seus produtos na área afecta à autora, o que teria como consequência a cessação próxima da relação contratual e comercial que nesta matéria vinha vigorando entre as partes.

83. Foi, ainda, comunicado à autora que a ré pretendia formalizar esta decisão através de carta de denúncia contratual, unilateral por parte da ré, a enviar pelos dias seguintes, e que iria contemplar um prazo de aviso prévio quanto à sua produção de efeitos.

84. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 25 de Janeiro de 2017, a administração da ré SCC-SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A. declarou a denúncia do contrato que mantinha com a autora CR - COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS, LDA., com efeito da mesma no dia 30 de Abril de 2017.

85. A autora e a ré em conjunto inventariaram e transferiram para aquela vasilhame, barris, tanquetas e tubos de CO2.

86. Durante as visitas aos clientes para proceder a essa operação representantes da ré entregaram em mão a cada cliente uma comunicação em que além do mais se pode ler:

“A SCC-SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A. (SCC) vem comunicar que, com efeitos a 30 de Abril de 2017, a distribuição oficial dos nossos produtos na sua área deixa de ser efectuada por CR – COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS, LDA.

Assim, a partir do próximo dia 01 de Abril, a comercialização e distribuição oficial dos produtos SCC passa a ser efectuada pela N – Unipessoal, Lda., empresa pertencente ao universo empresarial da SCC e que exerce a sua actividade no mercado de bebidas em várias áreas do País, incluindo grande parte do distrito de Beja.

(…)

Com esta alteração, a SCC está convicta que continua a fazer todos os esforços para ir ao encontro das vossas melhores expectativas, consciente que os Clientes são a nossa maior riqueza e que a qualidade das nossas marcas e serviço são a garantia da sua fidelidade.

Recordamos que a SCC está igualmente ao seu inteiro dispor através da Linha de Apoio ao Cliente (…)

Neste momento em que cessamos a nossa relação comercial com CR, a SCC aproveita a oportunidade para publicamente lhe manifestar o particular agradecimento pela colaboração prestada ao longo destes anos.

(…)

LP

(Director Canal On Trade)

12 de Abril de 2017 ”.

87. A N – Unipessoal, Lda., desde 1 de Maio de 2017, vende e entrega a clientes da área do contrato, os produtos que foram objecto do mesmo.

88. Durante a segunda quinzena de Abril de 2017 os pontos de venda da região em que a autora operava foram visitados através da N – Unipessoal, Lda. para recolha de dados e abertura de fichas de clientes.

89. Enquanto perdurou a relação comercial a autora distribuiu produtos das seguintes marcas: Refrige, Parmalat, Menorquina, Adega de Borba, Água Castello, Doceleia, Sr. Bacalhau, Miguel & Miguel, Fastio, AB Mauri, Campilho e Porminho.

90. É a ré que procede directamente à instalação de equipamentos de extracção de cerveja em barris e à sua manutenção, preventiva e correctiva.

91. As máquinas de extracção necessárias para a venda de barril são propriedade da ré, que as cede aos pontos de venda através de contratos de comodato.

92. O esforço promocional relacionado com o barril, descontos e mecânicas é suportado directamente pela ré.

93. A conta corrente existente entre as partes apresenta um saldo a favor da ré no valor de € 35.130,31.

94. O resultado líquido total da autora na sua actividade comercial nos exercícios de 2012 a 2016 foi de: € 2.555,38, em 2012; € 763,51 em 2013; € -114.537,29 em 2014; € 9.712,05 em 2015; € 11.079,77 em 2016.

95. As vendas em canal HORECA representaram: em 2012 49,6% das vendas totais da autora; em 2013 46,7% das vendas totais da autora; em 2014 46,16% das vendas totais da autora; em 2015 46,05% das vendas totais da autora; em 2016 51,65% das vendas totais da autora.

96. A autora efectuou vendas dos produtos da ré no valor de: € 2.283,991,02 em 2012; € 2.031.111,91 em 2013; € 1.527.690,57 em 2014; € 1.442.611,08 em 2015; € 1.410.797,88 em 2016.

97. Pelo menos até 31.10.2017 a autora registou vendas de produtos da ré, respeitantes a produtos que estavam em inventário a 30.04.2017.

98. Por email enviado para a ré no dia 1 de Maio de 2017 a autora reclamou à ré o pagamento da quantia de € 740.410,37 a título de indemnização de clientela.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

a. A soma dos descontos e créditos constituíam a contrapartida financeira concedida pela ré à autora pela actividade exercida por esta em execução do contrato.

b. Em 2014/2015 a ré deixou de creditar à autora os apoios mensais habituais.

c. A ré decidia sobre as condições comerciais que pretendia que fossem aplicadas pela autora aos clientes-pontos de venda.

d. A autora aplicava aos seus clientes as condições comerciais fixadas pela ré.

e. A partir de 2008 a ré recusou fornecer à autora a cerveja Heineken.

f. A distribuição dos produtos da ré SCC-Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. significava, em 2016, mais de 65% da atividade da autora.

g. A autora investia em marketing.

h. A denúncia do contrato pela ré levantou junto dos ex-clientes, dos ex-colaboradores e dos bancos suspeições quanto à seriedade, idoneidade e eficácia comercial e empresarial da autora e dos seus responsáveis.

i. O total das compensações por despedimento do pessoal da autora é de € 93.938,74.

*

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Comecemos pelo recurso interposto pela autora.

(…)

Passemos ao recurso interposto pela ré.

(…)

Concluindo este ponto:

- O n.º 98 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “Por email enviado para a ré no dia 1 de Maio de 2017, a autora reclamou, a esta última, o pagamento da quantia de € 740.410,37 a título de indemnização de clientela; na mesma comunicação, a autora declarou à ré a extinção do débito da sua conta corrente, por compensação, nos termos e para os efeitos prescritos nos artigos 847.º e 848.º do Código Civil.”

- É aditado à matéria de facto provada o n.º 99, com a seguinte redacção: “Por carta registada com aviso de recepção, datada de 23 de Maio de 2016 e depositada nos CTT em 8 de Junho de 2016, que enviou à autora, a ré renovou a concessão de crédito para o período anual subsequente, no valor de € 325.000, e no valor de € 422.500 para a época alta, de 1 de Junho a 30 de Setembro.”

- O n.º 65 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu € 94.520,38 numa frota de viaturas para a pré-venda e de viaturas de transporte de mercadorias, para a distribuição dos produtos aos clientes-pontos de venda.”

- O n.º 66 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu, desde o início da actividade objecto do contrato, em equipamento de manuseamento de mercadorias, que custou € 14.265,62, e adquiriu um empilhador elétrico por € 25.080,00.”

- O n.º 67 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu o valor de € 44.125,17 numa estrutura administrativa informatizada e em serviços de informática.”

- É aditado à matéria de facto provada o n.º 100, com a seguinte redacção: “Em 2016, a distribuição de produtos da ré constituía, no total, 65,36% da actividade da autora.”

- A alínea f) dos factos não provados é suprimida.

- É aditado à matéria de facto provada o n.º 101, com a seguinte redacção: “A autora tinha liberdade total na definição da sua política de preços.”

- O n.º 17 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção: “Em 2016, o número de clientes da autora de produto da ré era 583; a evolução do número de clientes activos da autora no canal HORECA e de retalho alimentar de produtos da ré entre os anos de 2012 e de 2016 foi o seguinte: 2012 – 557; 2013 – 546; 2014 – 506; 2015 – 416; 2016 – 448.”

2 – Se é devida à autora uma indemnização de clientela e, na hipótese afirmativa, qual deverá ser o seu montante:

A autora e a ré celebraram, em 08.03.1999, um contrato de concessão comercial. Este contrato extinguiu-se, por denúncia da ré, em 30.04.2017. Está em causa saber se, por efeito desta extinção, a autora tem direito a uma indemnização de clientela, que esta última quantifica em € 740.410,37.

O contrato de concessão comercial é juridicamente inominado e atípico. Não obstante, constitui um instrumento de cooperação entre empresas com larga aplicação prática no sector da distribuição de bens, afirmando-se, por essa razão, que se trata de um contrato socialmente típico.

A regulamentação jurídica de cada contrato de concessão comercial resulta, antes de mais, do seu próprio clausulado, salvo na medida em que este contrarie normas legais imperativas, à semelhança daquilo que acontece com a generalidade dos contratos. Porque a lei não dedica um regime específico ao contrato de concessão comercial, nas áreas que não sejam cobertas pelo clausulado de cada contrato ter-se-á de recorrer às normas vigentes para os contratos e para os negócios jurídicos em geral. Na medida em que se verifiquem os respectivos pressupostos, serão também aplicáveis por analogia as normas próprias de tipos contratuais com os quais cada singular contrato de concessão comercial apresente maior proximidade.  

A analogia é feita, habitualmente, com normas específicas do contrato de agência, constantes do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13.04, o que encontra justificação na circunstância de os contratos de concessão comercial e de agência serem contratos de distribuição e, em muitos casos, a intensidade da integração do concessionário na rede de distribuição do concedente e/ou a dependência económica do primeiro relativamente ao segundo não diferirem significativamente daquelas que são típicas do contrato de agência.

Na sentença recorrida, foi aplicado o disposto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 por analogia. No seu recurso, a ré sustenta que tal analogia não se verifica no caso dos autos.

A questão da aplicabilidade daquela norma ao caso dos autos por analogia apenas tem interesse se se concluir que dessa aplicação resultaria o direito, invocado pela autora, a uma indemnização de clientela. Se se puder concluir que, ainda que se aplicasse analogicamente a referida norma ao caso dos autos, inexistiria o direito a uma indemnização de clientela por parte da autora, será escusado entrar na análise daquela questão. Só faz sentido equacionar a aplicabilidade de uma norma por analogia se se antevir que daí resultará alguma consequência útil para a decisão do caso concreto. Caso contrário, tal não passará de um exercício estéril.

Somos, assim, conduzidos à análise dos pressupostos de que o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 faz depender a atribuição, ao agente (e, se aplicado por analogia, ao concessionário), da indemnização de clientela. O seu n.º 1 estabelece que, sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”

O sentido da indemnização de clientela é assim descrito por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO[1]: “O contrato de agência pode, pelo seu funcionamento, acarretar clientes para o principal, clientes esses que se manterão mesmo após o seu termo. O legislador entendeu, por isso, que cessando a agência, era justo compensar o agente pelo enriquecimento assim proporcionado à outra parte”.

Visa-se, portanto, atribuir ao agente uma compensação por um enriquecimento que a actividade por si desenvolvida durante a vigência do contrato proporciona ao principal após a cessação deste último. Para que o agente tenha direito a essa compensação, terão de verificar-se, cumulativamente, os pressupostos estabelecidos pelo citado artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86. O ónus da prova dos factos integrantes desses pressupostos recai sobre o agente que pretenda obter a indemnização de clientela, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

O primeiro pressuposto do direito a uma indemnização de clientela é o agente ter angariado novos clientes para o principal ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente.

O conteúdo mínimo da exigência de o agente ter angariado novos clientes para o principal é o de que tal angariação haja gerado um aumento do número de clientes. À luz da descrita finalidade da indemnização de clientela, não faria sentido que esta fosse devida se o saldo entre clientes angariados e clientes perdidos pelo agente fosse negativo ou neutro. Esse saldo tem de ser positivo.

Mais, além de positivo, esse saldo deverá ser significativo, embora a concretização desta exigência em termos de número de clientes angariados varie em função do tipo de mercado em que o agente actua. No caso dos autos, tendo em conta o reduzido valor unitário dos produtos comercializados pela autora e a natureza atomística (estabelecimentos de consumo imediato, nomeadamente hotéis, restaurantes, cafés e estabelecimentos do retalho alimentar tradicional situados nos concelhos de Moura, Serpa, Mértola e Barrancos) e algo volátil (atente-se na variação do seu número nos últimos cinco anos de vigência do contrato) da sua clientela, este pressuposto apenas poderia considerar-se preenchido se estivesse provado um aumento percentual substancial do número de clientes entre o momento do início da execução do contrato e o da cessação deste. Apenas nessa hipótese poderia falar-se, com propriedade, num enriquecimento da ré, posterior à cessação do contrato, gerado pela actividade de angariação de clientes levada a cabo pela autora enquanto aquele esteve em vigor.

Ficou provado que a autora desenvolvia e promovia contactos com potenciais clientes, fidelizava-os às marcas da ré e incentivava o crescimento dos volumes de compras dos produtos da ré por parte dos mesmos (n.º 40), conquistava novos pontos de venda, seja aquando da abertura de novos estabelecimentos, seja conquistando clientes à concorrência (n.º 43) e detectava as oportunidades comerciais geradas pelos eventos, angariava os clientes integrados nos mesmos e colaborava com os representantes da área comercial da ré, no processamento dos patrocínios das marcas desta (n.º 45). Contudo, isto não é suficiente para poder concluir-se que o saldo entre os clientes angariados e os clientes perdidos pela autora entre a data do início da execução do contrato e a da extinção deste seja, sequer, positivo.

Tenha-se em conta que, antes da celebração do contrato de concessão comercial com a autora, a ré já actuava, desde 1958, no mercado correspondente à área territorial posteriormente concedida àquela, através de outra empresa de distribuição. A ré estava presente nessa área, trabalhada durante 41 anos pela CERVIBEL – Agentes Reunidos de Cerveja e Vinhos, Lda., que distribuía os produtos daquela e, obviamente, aí tinha a sua clientela (n.º 11). A autora não começou do zero, não introduziu, na área que lhe foi concessionada, um produto aí desconhecido ou aí não comercializado. Sendo assim, para que pudesse concluir-se que a autora angariou novos clientes para a ré nos termos exigidos pelo artigo 33.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 178/86, teria de estar provado, além do número de clientes a quem a autora vendia produtos da ré na data da cessação do contrato, o número de clientes de produtos da ré com quem a autora iniciou a sua actividade de concessionária desta última. Só conhecendo estes dois números seria possível apurar-se se o saldo entre clientes existentes aquando do início da execução do contrato e clientes existentes na data da extinção deste é, ao menos, positivo. Ora, o número de clientes de produtos da ré com quem a autora iniciou a sua actividade de concessionária desta última nem sequer foi alegado e, seguramente, não integra o elenco dos factos provados. Consequentemente, não é possível concluir-se que a autora angariou novos clientes para a ré nos termos exigidos pelo artigo 33.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 178/86. Os factos que se apuraram sobre a evolução do número de clientes de produtos da ré que a autora teve nos últimos cinco anos de vigência do contrato demonstram, inclusivamente, uma inequívoca tendência de diminuição (n.º 17).

Em alternativa à angariação de novos clientes, a 2.ª parte da al. a) do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, prevê a hipótese de o agente ter aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente. Também para o preenchimento deste pressuposto do direito a uma indemnização de clientela inexistem factos provados nos autos, desde logo porque se desconhece o volume de negócios com que a autora iniciou a sua actividade de concessionária comercial da ré, que nem sequer foi alegado. Acrescente-se que os factos que a este propósito se apuraram também não favorecem a pretensão da autora, pois denunciam uma diminuição sensível, nos últimos cinco anos da vigência do contrato, do volume das vendas de produtos da ré (n.º 96).

Não se encontra, pois, preenchido qualquer dos pressupostos do direito a uma indemnização de clientela estabelecidos no artigo 33.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 178/86. Razão suficiente, como vimos, para concluir que, mesmo aplicando por analogia essa norma ao contrato de concessão comercial celebrado entre a ré e a autora, esta última não teria direito à referida indemnização. Não obstante e tendo em conta que os pressupostos estabelecidos nas alíneas a) e b) do referido artigo estão interligados, acrescentamos que, como decorrência daquilo que afirmámos a propósito da alínea a), é evidente que nunca o pressuposto estabelecido na alínea b), ou seja, que o principal venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente, poderia ficar preenchido. Não se tendo apurado o número de clientes e o volume de negócios que a ré tinha na área da concessão quando mudou o distribuidor nesta última, ou seja, quando a CERVIBEL foi substituída pela autora, inexiste fundamento para antever que a ré virá, após a cessação do contrato, a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pela autora. Mais, como anteriormente notámos, os números relativos ao volume das vendas de produtos da ré por parte da autora e do número de clientes desta que compravam esses produtos nos últimos cinco anos de vigência do contrato até apontam em sentido contrário.

Concluindo, a autora não tem direito a qualquer indemnização de clientela.

A autora invoca ainda, como fundamento da sua pretensão a receber da autora uma compensação no montante de € 740.410,37 pela actividade que desenvolveu enquanto o contrato de concessão comercial esteve em vigor, o instituto do enriquecimento sem causa, regulado nos artigos 473.º a 482.º do Código Civil. Na substância, este fundamento não se distingue daquele que acabámos de analisar. Em qualquer caso, a autora pretende ser compensada por ter angariado e fidelizado clientela com a qual, no seu entendimento, a ré lucra por efeito da cessação do contrato. Sendo assim, a refutação desta argumentação da autora está feita. Como vimos, não se provou a existência de qualquer enriquecimento da ré à custa da autora posteriormente à cessação do contrato. Na falta de prova de que a autora aumentou o número de clientes de produtos da ré na área abrangida pelo contrato de concessão comercial, da verificação de um aumento do volume de negócios com a clientela já existente e de que a actividade desenvolvida pela autora ao longo da vigência do contrato proporcionou um benefício patrimonial à ré após a extinção deste último, é manifesta a inexistência de fundamento factual para poder concluir-se que aquele enriquecimento ocorreu. Improcede, pois, também este fundamento da pretensão da autora de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 740.410,37.

Não tendo a autora direito a uma indemnização de clientela, ficam prejudicadas as questões da quantificação dessa indemnização e do início da contagem de juros sobre a mesma. Fica igualmente prejudicada a questão da verificação dos pressupostos da compensação entre a indemnização de clientela e a quantia que a autora foi condenada a pagar à ré, condenação essa que deverá manter-se.

3 – Se o prazo fixado pela ré para a produção de efeitos da denúncia do contrato foi mais curto que o exigível e, na hipótese afirmativa, quais são os efeitos jurídicos daí resultantes:

Esta questão deverá ser decomposta em três sub-questões:

3.1. Admissibilidade da denúncia;

3.2. Antecedência mínima da denúncia relativamente à data em que o denunciante pretende que a mesma produza o efeito extintivo do contrato;

3.3. Consequências jurídicas do incumprimento do prazo mínimo referido em 3.2.

3.1. Admissibilidade da denúncia:

Autora e ré celebraram o contrato de concessão comercial dos autos sem estipularem um prazo de duração para o mesmo. Estamos, pois, perante uma relação contratual duradoura por tempo indeterminado. E estamos perante uma relação-quadro, ao abrigo da qual foram subsequentemente celebrados múltiplos contratos de compra e venda, entre autora e ré, de produtos do comércio desta última, tendo em vista a revenda, pela primeira, desses mesmos produtos aos seus clientes. Como analisámos anteriormente, o proveito económico que a autora retirava do exercício desta actividade resultava da diferença, para mais, entre os preços de compra à ré (preços esses em cuja formação influíam os descontos, em factura e fora de factura, por esta concedidos) e de revenda aos seus clientes, deduzida dos custos que tinha de suportar para levar a cabo tal actividade. A diferença entre os preços de compra e de revenda constituía a margem bruta da autora. Da dedução, a essa margem bruta, dos custos que a autora tinha de suportar para exercer a actividade a que se obrigara, resultava a sua margem líquida, que era, assim, a sua verdadeira contrapartida financeira por aquela execução.

As relações contratuais duradouras não têm vocação para a perpetuidade. Por essa razão, naquelas que vigorarem por tempo indeterminado, qualquer das partes pode, em regra, extingui-las a todo o tempo, através de declaração dirigida à contraparte. As excepções a esta regra, decorrentes de norma legal expressa (é o que acontece nos regimes do contrato de arrendamento urbano e rural e do contrato de trabalho) ou impostas pela boa-fé (será, por exemplo, o caso de uma das partes de um contrato duradouro pretender extingui-lo unilateralmente e sem fundamento logo após a sua celebração[2]), não se aplicam ao contrato dos autos e, por isso, não nos interessam. 

O instrumento jurídico através do qual as partes de uma relação contratual duradoura sem prazo de vigência podem fazer cessar unilateral e imotivadamente esta última é a denúncia. Esta não se encontra genericamente prevista e unitariamente regulada pela lei, antes fazendo aparições pontuais, no Código Civil (como nos artigos 1099.º a 1104.º, 1148.º, n.º 2) e fora dele (como no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 178/86). Não obstante, ancorada nessas aparições pontuais na lei, a doutrina construiu um conceito geral de denúncia e enunciou alguns princípios relativos ao exercício do direito de extinguir uma relação contratual duradoura por essa via[3].

Um desses princípios é o da liberdade de denúncia dos contratos geradores de relações obrigacionais duradouras sem duração pré-definida, que comporta, como vimos, excepções. Em princípio, qualquer das partes tem o direito potestativo de extinguir unilateralmente uma relação contratual sem duração pré-definida mediante denúncia dirigida à contraparte. O artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, constitui um simples afloramento deste princípio[4].

A exposição anterior permite concluir que a admissibilidade de denúncia de um contrato de concessão comercial celebrado por tempo indeterminado não pressupõe a aplicação do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86 por analogia. O fundamento dessa admissibilidade é outro: desta norma e de outras que admitem a denúncia de contratos geradores de relações obrigacionais duradouras, bem como, inclusivamente, de princípios fundamentais da ordem jurídica como o da liberdade e o da boa-fé, é possível extrair o princípio da admissibilidade de denúncia dos contratos geradores de relações obrigacionais duradouras sem duração pré-definida e é deste princípio que decorre a faculdade de denúncia do contrato de concessão comercial celebrado por tempo indeterminado. “(…) ao consagrar essa faculdade para o contrato de agência de duração indeterminada, a LCA mais não fez do que acolher no seu seio um princípio geral subjacente à regulação de todas as relações duradouras. Daí que não se torne indispensável recorrer à aplicação analógica do disposto no art. 28.º da LCA para justificar a denunciabilidade dos contratos de concessão e de franquia concluídos por tempo indefinido.”[5] “(…) a admissibilidade de denúncia de um contrato celebrado por tempo indeterminado é um princípio geral do direito português, aplicável também ao contrato de concessão comercial em que não seja fixado prazo.”[6]

3.2. Antecedência mínima da denúncia relativamente à data em que o denunciante pretende que a mesma produza o efeito extintivo do contrato:

Decorre do princípio da boa-fé e da consequente proibição do abuso no exercício dos direitos (artigos 334.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil) que a denúncia não pode ser efectuada com efeito extintivo imediato, antes devendo sê-lo com uma antecedência que, ponderando os valores em causa no caso concreto, possa ser considerada razoável. Nas palavras de FERNANDO A. FERREIRA PINTO, “O dever de anúncio prévio constitui (…) um elemento natural do negócio de denúncia, que se faz decorrer das prescrições da boa fé: considera-se que, estando em causa uma declaração potestativa de extinção do vínculo, assente na vontade discricionária do exercente (e, portanto, não vinculada à verificação de um fundamento específico que torne inexigível a sua prossecução), a correcção e a lealdade nas relações intersubjectivas reclamam, normalmente, que não se ponha fim a uma relação duradoura de forma abrupta e intempestiva.” [7]

Para a denúncia do contrato de agência, o artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, estabelece prazos de pré-aviso crescentes em função da duração da relação contratual: um mês se o contrato durar há menos de um ano, dois meses se o contrato já tiver iniciado o segundo ano de vigência e três meses nos restantes casos. Não aplicámos esta norma ao contrato de concessão comercial celebrado entre autora e ré, por analogia, para concluir pela admissibilidade da denúncia, e continuaremos a não o fazer para a determinação do prazo mínimo de antecedência desta última relativamente ao momento da extinção da relação contratual, pelas razões adiante referidas.

O tribunal a quo fixou o referido prazo de pré-aviso em 6 meses, condenando a ré a pagar à autora uma indemnização correspondente à insuficiência do prazo de pré-aviso por esta fixado. Ambas as partes discordam do referido prazo. Segundo a autora, impunha-se um prazo de pré-aviso de um ano. Segundo a ré, os três meses e oito dias que considera (mal, como veremos) ter fixado para a produção do efeito extintivo da denúncia é suficiente.

A autora invoca, como fundamento da exigência de um prazo de pré-aviso de um ano, algumas razões claramente irrelevantes para esse efeito, como a sua competência e eficiência na execução do contrato, o bom relacionamento existente entre as partes, a atribuição de promoções e descontos pela ré e a fixação de objectivos por esta última. Invoca, ainda, o valor dos investimentos por si realizados com vista ao cumprimento do contrato e que a distribuição de produtos da ré constituía, em 2016, mais de 65% da sua actividade, atingindo o valor de € 1.410.797,88. Estes dois últimos argumentos merecem análise.

A exigência de uma dilação entre a comunicação da denúncia e a produção do efeito extintivo desta não tem por objectivo permitir ao concessionário a amortização dos investimentos que efectuou. Essa amortização deverá ter lugar ao longo do tempo de execução do contrato e, quanto maior tiver sido a duração deste, maior é a probabilidade de os referidos investimentos se encontrarem amortizados, sem prejuízo, naturalmente, de um ou outro bem ser, entretanto, substituído, assim dando origem a pontuais novos investimentos. É a execução do contrato por tempo suficiente e não a fixação de determinada dilação entre a denúncia e o efeito extintivo desta que proporciona a amortização e rentabilização dos investimentos efectuados pelo concessionário. Consequentemente, o montante dos investimentos realizados pela autora tem pouca relevância para a análise da questão de que agora nos ocupamos, sem prejuízo daquilo que, numa perspectiva diversa, a esse respeito referiremos em seguida. Acresce que o contrato de concessão celebrado entre autora e ré vigorou durante dezoito anos, pelo que é de presumir que a maior parte dos bens adquiridos pela primeira tendo em vista a execução do mesmo contrato se encontrava amortizada à data da sua cessação.

Já a circunstância de, em 2016, a distribuição de produtos da ré constituir, no total, 65,36% da actividade da autora, tem a maior relevância. Isto porque a verdadeira finalidade da exigência de uma dilação entre a comunicação da denúncia do contrato e o seu efeito extintivo, ou seja, de um pré-aviso, é permitir, à contraparte, preparar-se adequadamente para enfrentar as consequências dessa extinção. Sendo o autor da denúncia o concedente, o referido pré-aviso tem por fim possibilitar que o concessionário procure outra ou outras empresas interessadas em que ele distribua os seus produtos no mercado em condições que sejam compensadoras, por forma a minimizar ou, melhor ainda, a compensar integralmente a quebra de actividade económica que o fim da concessão lhe causa, ou, em alternativa, se reestruture, alienando equipamentos e/ou fazendo cessar os contratos que lhe proporcionavam a utilização destes últimos e despedindo trabalhadores até adquirir a dimensão adequada ao desempenho da actividade económica sobrante, ou mesmo, no limite, entre em liquidação, cessando a sua actividade empresarial. O concessionário não pode ter a expectativa de que a relação jurídica de concessão comercial se prolongue indefinidamente, antes devendo ter presente, à semelhança do concedente, que a contraparte poderá, a qualquer momento, denunciá-lo. Porém, o princípio da boa-fé impõe que ambas as partes fiquem garantidas contra uma denúncia que, estabelecendo um prazo para o seu efeito extintivo excessivamente curto, não lhes permita, em termos de normalidade, prepararem-se devidamente para enfrentarem a nova situação decorrente da extinção do contrato. Deve também considerar-se, em contraponto, que o dinamismo imposto à actividade comercial em ambiente de mercado e, logo, de concorrência, não se compagina com a exigência de prazos de pré-aviso excessivamente longos.

É neste contexto que a referida circunstância de, em 2016, a distribuição de produtos da ré constituir, no total, 65,36% da actividade da autora, mobilizando, necessariamente, vultuosos (tendo por referência a dimensão da autora) meios materiais e humanos, assume a maior relevância. Forçosamente, a extinção do contrato de concessão determinou uma quebra muito acentuada da actividade comercial desenvolvida pela autora e, consequentemente, um súbito subaproveitamento dos referidos meios materiais e humanos. Pelas razões acima expostas, a ré, querendo denunciar o contrato, tinha de o fazer com uma antecedência, relativamente ao efeito extintivo daquele, muito superior àquela com que o fez. Num prazo de três meses era, num quadro de normalidade, impossível, à autora, encontrar um ou mais fornecedores que, ocupando o lugar que era da ré, lhe proporcionassem um volume de negócios e, por essa via, de receitas que lhe permitissem manter a sua estrutura de custos, nomeadamente com pessoal. Esse mesmo prazo era igualmente insuficiente para a autora se redimensionar profundamente, o que, saliente-se, constitui uma opção difícil, quer de tomar, quer de executar.

A conclusão de que a dilação entre a comunicação da denúncia e a produção do seu efeito extintivo do contrato foi insuficiente é reforçada pela ponderação da circunstância de, em 08.06.2016, ou seja, pouco mais de sete meses antes da comunicação da denúncia, a ré ter renovado a concessão de crédito à autora para o período anual subsequente, no valor de € 325.000, e no valor de € 422.500 para a época alta, de 1 de Junho a 30 de Setembro. Perante tal comunicação e tendo em conta que o contrato de concessão vigorava desde 1999, inevitavelmente a ré gerou, na autora, a expectativa de que essa vigência se prolongasse, pelo menos, até ao final do referido período.

A ré denunciou o contrato, através de carta registada com aviso de recepção datada de 25.01.2017, presumivelmente recebida pela autora no dia 30.01.2017, que foi uma 2.ª Feira. A ré estabeleceu o dia 30.04.2017 para a produção do efeito extintivo do contrato. Ou seja, estamos perante um pré-aviso de apenas três meses.

É certo que, no dia 23.01.2017, se realizou uma reunião entre a autora e a ré na qual a segunda comunicou à primeira que tinha decidido seguir outro formato distributivo para a comercialização e distribuição dos seus produtos na área da concessão, o que teria como consequência a “cessação próxima” do contrato de concessão. Mais comunicou a ré que pretendia formalizar tal decisão através do envio de uma carta de denúncia do contrato, “a enviar pelos dias seguintes, e que iria contemplar um prazo de aviso prévio quanto à sua produção de efeitos”. Porém, esta comunicação, verbal, da intenção de denunciar o contrato de concessão, não constituiu, em si mesma, uma denúncia, desde logo devido à insuficiência do seu conteúdo. A ré comunicou a “cessação próxima” do contrato de concessão, sem especificar em que data. Limitou-se a informar a autora de que enviaria uma carta de denúncia “pelos dias seguintes” e que, aí, se fixaria “um prazo de aviso prévio quanto à sua produção de efeitos”. Dada a imprecisão do seu conteúdo, tal comunicação nunca poderia ser considerada uma denúncia.

Concluímos, assim, que a ré denunciou o contrato dos autos com três meses de antecedência, prazo este claramente insuficiente para a autora poder preparar-se devidamente para enfrentar os efeitos da extinção do contrato. Considerando as razões acima expostas, o princípio da boa fé impunha que a ré fixasse o efeito extintivo da denúncia no final do ano civil em curso, ou seja, 31.12.2017. Em condições de normalidade, a autora necessitaria desse tempo para tomar opções sobre o seu futuro e, fossem elas quais fossem, pô-las em prática. Encontrar produtores ou comerciantes posicionados a montante no circuito comercial que estivessem interessados em que a autora distribuísse os seus produtos de forma a compensar a quebra de 65,36% decorrente da denúncia do contrato pela autora constituía, em princípio, tarefa muito difícil e morosa. Se a opção fosse a reestruturação da empresa – opção essa que eventualmente seria tomada apenas se fosse mal sucedida a tentativa de implementação da solução anteriormente referida –, com a alienação de equipamentos, a cessação de contratos que lhe proporcionassem a utilização destes últimos e o despedimento de trabalhadores, três meses também seriam manifestamente insuficientes para a sua execução.

Decorre do exposto que a ré violou as exigências decorrentes do princípio da boa-fé ao denunciar o contrato de concessão comercial com apenas três meses de antecedência relativamente à data do pretendido efeito extintivo. A ré devia ter concedido um pré-aviso oito meses e um dia mais extenso que aquele que fixou. É este o período de pré-aviso em falta.

3.3. Consequências jurídicas do incumprimento do prazo mínimo referido em 3.2:

Ao denunciar o contrato de concessão comercial com uma antecedência oito meses e um dia inferior à exigível à luz das exigências da boa-fé, nos termos expostos em 3.2, a ré incorreu em responsabilidade contratual, tendo, em consequência, de indemnizar a autora dos prejuízos que essa conduta lhe causou. Não está em causa o efeito extintivo do contrato, que se produziu[8].

O princípio geral sobre o conteúdo da obrigação de indemnizar resulta dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do Código Civil. O primeiro estabelece que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. O segundo dispõe que, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. O artigo 29.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, segundo o qual quem denunciar o contrato de agência sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso, constitui uma concretização do referido princípio geral.

Porém, a autora não funda a sua pretensão indemnizatória por insuficiência da dilação entre a data da comunicação da denúncia e a da extinção do contrato no referido princípio geral, do qual, em conjugação com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, decorre, para o lesado, o ónus da prova dos danos que sofreu em consequência daquela insuficiência. Em vez disso, a autora sustenta a aplicação, por analogia, do disposto no artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, que estabelece, na parte que nos interessa, que, em vez da indemnização prevista no n.º 1, o agente poderá exigir uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta.

Coloca-se a questão da aplicabilidade do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, por analogia, ao contrato de concessão comercial. A ré sustenta que esta norma estabelece um regime excepcional relativamente ao princípio geral sobre o conteúdo da obrigação de indemnizar, decorrente dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, e, como norma excepcional que é, não é susceptível de aplicação analógica, por força do disposto no artigo 11.º do mesmo código. Com esta argumentação e notando que a autora não alegou nem provou quaisquer danos resultantes da insuficiência da dilação entre a data da comunicação da denúncia e a da extinção do contrato, a ré conclui que o pedido de indemnização que agora analisamos terá de improceder. 

Neste ponto, a ré não tem razão, pois o artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, não constitui uma norma excepcional. Não é qualquer desvio a uma regra que permite qualificar a norma que o estabelece como excepcional. Se assim fosse, não existiria a categoria da norma especial, prevista no artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.

Se há princípio geral generoso na admissão de desvios, é aquele que respeita ao conteúdo da obrigação de indemnizar. Daí que o próprio artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, comece precisamente por ressalvar o preceituado noutras disposições legais. Logo no Código Civil, encontramos numerosos desvios ao referido princípio geral: artigos 339.º, n.º 2, 442.º, n.ºs 2 e 4, 489.º, 493.º-A, 494.º, 496.º, n.º 4, 504.º, n.º 3, 508.º, 510.º, 570.º, 806.º, 810.º a 812.º, 899.º, 900.º, 909.º e 910.º, entre outros. Estas normas não podem ser qualificadas como excepcionais, mas sim como especiais, pois limitam-se a fixar particulares critérios indemnizatórios para certos tipos de danos. É este o enquadramento desse tipo de desvios ao princípio geral decorrente dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do Código Civil que resulta da lição de ANTUNES VARELA[9]. Também FERNANDO PESSOA JORGE[10], após discorrer acerca do critério geral da teoria da diferença, designa como “critérios especiais” os desvios ao primeiro que a lei prevê para hipóteses específicas.

O artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, não passa de mais uma norma que estabelece um critério especial de fixação do montante da indemnização, destinado a obviar às “dificuldades de prova com que o agente poderá deparar ou porque a indemnização, apurada nos termos do n.º 1, poderá não ser significativa”[11]. Não é uma norma excepcional, pelo que nada obsta à sua aplicação por analogia sempre que a similitude das situações o justifique.

A aplicabilidade, por via analógica, de normas do Decreto-Lei n.º 178/86 ao contrato de concessão comercial, não é automática, antes dependendo da similitude, em cada caso concreto, entre a situação típica do agente e a situação do concessionário. No caso dos autos, a circunstância de, em 2016, a distribuição de produtos da ré ter constituído, no total, 65,36% (ou seja, quase dois terços) da actividade da autora, conduz à conclusão de que se verificava uma forte dependência económica desta relativamente à primeira. A autora distribuía produtos de outras empresas, mas em volumes incomparavelmente menores relativamente aos da ré. Esta era, de longe, o principal fornecedor da autora, constituindo a distribuição dos seus produtos a base da actividade comercial por esta desenvolvida. Daí que a denúncia do contrato por parte da ré com um prazo de pré-aviso muito inferior àquele que lhe era exigível à luz do princípio da boa-fé tenha provocado inevitavelmente um fortíssimo abalo na actividade da autora, subitamente reduzida a cerca de um terço. Podemos, pois, concluir que a situação da autora não diferia substancialmente da de um agente que veja o seu contrato denunciado pelo principal sem respeito pelos prazos estabelecidos no artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86. Daí que tenha plena justificação a aplicação do n.º 2 deste artigo por analogia.

Como anteriormente referimos, o artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, estabelece, na parte que nos interessa, que, em vez da indemnização prevista no n.º 1, o agente poderá exigir uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta. A maior dificuldade que a aplicação por analogia desta norma ao concessionário decorre de, como já afirmámos repetidamente, este não auferir uma remuneração do concedente.

A autora sustenta que auferia uma remuneração da ré, constituída pelos descontos, em factura e fora de factura, que esta lhe concedia. Já refutámos detalhadamente esta tese. A ré não pagava qualquer remuneração à autora e a finalidade dos descontos que a primeira concedia à segunda era completamente diversa. Para o efeito previsto no artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, remuneração terá de ser o proveito económico que a execução do contrato proporcionava à autora. Como anteriormente referimos, esse proveito resultava da diferença, para mais, entre os preços da compra de produtos à ré e da revenda dos mesmos produtos aos seus clientes (margem bruta), deduzida dos custos que tinha de suportar para levar a cabo tal actividade (daí resultando a margem líquida). É a margem líquida da autora que deve ser equiparada à remuneração prevista naquela norma.

Da matéria de facto julgada provada, consta um único facto que poderá servir para o cálculo da indemnização em causa, a saber, o de que o resultado líquido total da autora na sua actividade comercial no ano de 2016 foi de € 11.079,77. Na sentença recorrida, foi com base neste valor que se calculou a média mensal do equivalente à remuneração da autora no ano anterior ao da denúncia do contrato, média essa que se cifra em € 923,31.

Em relação a este cálculo, a ré objecta que o mesmo se baseia no resultado líquido total da autora na sua actividade comercial no ano de 2016, quando deveria considerar unicamente o resultado líquido resultante da venda de produtos da ré no âmbito do contrato. Todavia, continua a ré, não foi possível apurar este último valor, mesmo com recurso a prova pericial. No relatório pericial, é referido que “Não foram disponibilizados elementos pela autora que permitam calcular, com fiabilidade, o lucro líquido relativo à venda de produtos da ré, nos exercícios de 2012 a 2016”. Sendo assim, conclui a ré, não tendo a autora fornecido tais elementos, nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios. Pretende, assim, a ré a sua absolvição do pedido que vimos analisando.

A ré tem razão ao afirmar que o cálculo da indemnização estabelecida no artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, deve basear-se, não no resultado líquido total da autora no ano de 2016, mas no resultado líquido obtido pela autora com a comercialização dos produtos da ré nesse ano. Apenas este último é equiparável, para o efeito estabelecido naquela norma, à remuneração paga pelo principal ao agente. Não faz sentido calcular uma indemnização a suportar pela ré incluindo, na base de cálculo, rendimento proveniente da parte da actividade comercial levada a cabo pela autora com produtos de outras entidades.

Confrontamo-nos, neste ponto, com o problema de ausência de prova do resultado líquido da autora que resultou da venda de produtos da ré no ano de 2016. Os peritos tentaram apurar esse valor, mas sem êxito, como resulta da página 19 do relatório pericial (fls. 5380). Aí consta que não foram disponibilizados elementos, pela autora, que permitam calcular, com fiabilidade, o resultado líquido relativo à venda de produtos da ré nos exercícios de 2012 a 2016. Porém, logo de seguida, os peritos revelam a causa da falta desses elementos, que é a contabilidade da autora não estar organizada de forma a serem elaborados resultados por centros de actividade/centros de custos. Não foi, pois, uma recusa da autora em fornecer elementos, mas sim a falta de um instrumento de gestão mais sofisticado, que determinou a falta de prova do facto em questão.

A solução a dar a este problema não pode ser a pura e simples não atribuição de qualquer indemnização à autora. Em termos de normalidade, é lícito concluir que uma parte do resultado líquido da autora no ano de 2016 foi proporcionado pela comercialização de produtos da ré e que essa parte equivale à percentagem da actividade da autora que a distribuição de produtos da ré representou nesse ano, que foi, como vimos, de 65,36%. A solução que melhor se harmoniza com a ratio do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, é, pois, proceder ao cálculo nele previsto tendo por base 65,36% do resultado líquido anual da autora em 2016, o que se traduz na quantia de € 7.241,74. Dividindo este valor por doze meses, obtemos o valor de € 603,48. Dividindo o mesmo valor por 365, obtemos o resultado líquido diário: € 19,84. O período de pré-aviso em falta é de oito meses e um dia, pelo que a indemnização devida pela ré se cifra em € 4.847,68. Acrescem juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto:

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela autora, condenando-se a ré a pagar, a esta última, uma indemnização, nos termos do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, pelos danos decorrentes da insuficiência de pré-aviso da denúncia do contrato, no montante de € 4.847,68, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento;

- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré, absolvendo-se esta última do pedido de pagamento de uma indemnização de clientela ou de quantia equivalente a título de enriquecimento sem causa, de pagamento de juros de mora sobre tal indemnização e de compensação entre a mesma indemnização e a quantia que a autora foi condenada a pagar-lhe.

As custas de cada um dos recursos serão suportadas por autora e ré em função do respectivo decaimento.

Notifique.

*

Évora, 11.02.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto



[1] Direito Comercial, 4.ª edição, páginas 790-791.

[2] Cfr., sobre esta problemática, FERNANDO A. FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, páginas 358 a 363.

[3] Cfr. MARIA HELENA BRITO, O Contrato de Concessão Comercial, 1990, p. 237.

[4] Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX, 3.ª edição, páginas 975 a 977.

[5] FERNANDO A. FERREIRA PINTO, obra citada, página 357.

[6] MARIA HELENA BRITO, Obra citada, p. 238.

[7] Obra citada, página 364.

[8] FERNANDO A. FERREIRA PINTO, obra citada, página 529.

[9] Das Obrigações em Geral, vol. 1, 5.ª edição, páginas 871 a 877.

[10] Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil (reimpressão), 1995, páginas 413 a 419.

[11] ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, 9.ª edição actualizada, p. 139.

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

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