Processo n.º 723/17.5T8BJA.E1
*
Sumário:
1 – A indemnização de clientela,
prevista no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, traduz-se na atribuição, ao
agente, de uma compensação por um enriquecimento que a actividade por si
desenvolvida durante a vigência do contrato proporciona ao principal após a
cessação deste último.
2 – A exigência, constante da 1.ª parte
da al. a) do n.º 1 daquele artigo, de o agente ter angariado novos clientes
para o principal, tem, como conteúdo mínimo, que tal actividade tenha gerado um
saldo positivo entre o número de clientes perdidos e o número de clientes
angariados.
3 – Qualquer das partes pode, em regra,
extinguir a todo o tempo, através de denúncia, uma relação contratual duradoura
estabelecida por tempo indeterminado, pelo que a admissibilidade de denúncia de
um contrato de concessão comercial celebrado por tempo indeterminado não
pressupõe a aplicação, por analogia, do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 178/86.
4 – A finalidade da exigência de uma
dilação entre a comunicação da denúncia do contrato e o efeito extintivo deste
é permitir, à contraparte, preparar-se adequadamente para enfrentar as consequências
dessa extinção.
5 – O artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86,
não constitui uma norma excepcional, antes estabelecendo um critério especial
de fixação do montante de uma indemnização, pelo que é susceptível de ser aplicado por
analogia.
*
CR
– Comércio e Distribuição de Bebidas, Lda., propôs a presente acção declarativa de condenação, com
processo comum, contra SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A..
Os pedidos são os seguintes:
1 – Condenação da ré a pagar à
autora uma indemnização de clientela de € 740.410,37, nos termos dos artigos
33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, e, a título subsidiário relativamente ao
pedido de indemnização de clientela, o pagamento de € 740.410,37, com
fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, a ser adoptado pelo
tribunal o juízo de equidade proposto na petição inicial;
2 – Condenação da ré a pagar à
autora, nos termos do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, a quantia
de € 532.701,19, a título de indemnização dos lucros cessantes e danos
emergentes decorrentes da insuficiência de pré-aviso de denúncia do contrato;
3 – Condenação da ré a pagar à
autora, nos termos do artigo 798.º do Código Civil e do artigo 32.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 178/86, uma indemnização de € 40.000 por danos directos e
indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais, à reputação, credibilidade e
idoneidade da autora, resultantes da violação do princípio da boa fé contratual
pela ré;
4 – Condenação da ré a pagar à
autora os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem sobre a quantia
reclamada no ponto 1, desde a data do recebimento do pedido de indemnização de
clientela apresentado pela autora, ou seja, desde 01.04.2017, até integral
pagamento;
5 – Condenação da ré a pagar à
autora os juros de mora que, à taxa legal, se vencerem sobre as quantias
reclamadas nos pontos 2 e 3, desde a citação até integral pagamento.
A ré contestou, pugnando pela
improcedência da acção. Em reconvenção, pediu a condenação da autora a
pagar-lhe a quantia de € 172.235,74, acrescida de juros vencidos e vincendos
até integral pagamento.
A autora replicou, concluindo no
sentido da improcedência da reconvenção.
A ré reduziu o pedido
reconvencional para o montante de € 35.130,31.
Foi proferido despacho saneador,
no qual, além do mais, foi admitida a reconvenção. Foram fixados o
objecto do litígio e os temas de prova.
Realizou-se
a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que, julgando a
acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente procedente:
-
Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 4.362,14, acrescida de juros de
mora vincendos até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização de
clientela;
-
Condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.554,50, acrescida de juros de
mora vincendos até efectivo e integral pagamento, pela insuficiência de
pré-aviso de denúncia do contrato;
-
Absolveu a ré do demais peticionado;
-
Condenou a autora a pagar à ré a quantia de € 35.130,31, acrescida de juros de mora vencidos e
vincendos até efectivo e integral pagamento.
Quer a autora, quer a ré,
interpuseram recurso da sentença.
As conclusões do recurso
interposto pela autora são as seguintes:
(…)
As conclusões do recurso
interposto pela ré são as seguintes:
(…)
Ambas as partes contra-alegaram,
pugnando pela improcedência do recurso interposto pela parte contrária.
Os recursos foram admitidos, com
subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
*
As
questões a resolver são as seguintes:
1 –
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2 – Se
é devida à autora uma indemnização de clientela e, na hipótese afirmativa, qual
deverá ser o seu montante;
3 – Se
o prazo fixado pela ré para a produção de efeitos da denúncia do contrato foi
mais curto que o exigível e, na hipótese afirmativa, quais são os efeitos
jurídicos daí resultantes.
*
Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade por quotas
que se dedica ao comércio grossista de bebidas.
2. A ré tem como objecto social a importação,
exportação, produção, incluindo a exploração de nascentes de águas, preparação
e fabrico e comercialização, por grosso ou a retalho, de vinhos e bebidas
espirituosas, de malte, cerveja, refrigerantes, águas minerais e de mesa e seus
derivados, águas artificialmente mineralizadas ou de qualquer modo preparadas e
de outros produtos alimentares, bem como das correspondentes matérias-primas e
bens associados, nomeadamente compra e venda de vidro e objectos de vidro,
prestação de serviços de consultoria e estudos de mercado em áreas conexas,
aquisição, venda e qualquer outra forma de exploração de marcas registadas,
patentes e direitos conexos e gestão da carteira própria de títulos.
3. Os produtos produzidos e/ou
comercializados pela ré são os seguintes: Sagres Branca, Sagres Preta, Sagres
Radler, Sagres 0,0% Radler, Sagres Bohémia, Sagres Sem Alcool Branca, Imperial
Branca, J. Smith’s, Guinness, Kilkenny, Desesperados, Affligem, Heineken,
Bulmer/Strongbow, Old Mout, Bandida do Pomar, Vivere Branco, Luso Lisa, Luso
com Gás, Luso com Gás Limão Cruzeiro, Luso de Fruta, Royal Club, e CO2.
4. A partir de 8 de Março de 1999 as
partes acordaram que a autora assumisse a distribuição dos produtos da ré,
então com a denominação “CENTRALCER-Central de Cervejas, S.A.”, nos concelhos
de Moura, Serpa, Mértola e Barrancos, aos estabelecimentos de consumo imediato,
nomeadamente hotéis, restaurantes e cafés (o canal de distribuição chamado
“Canal HORECA”) e aos estabelecimentos do retalho alimentar tradicional.
5. A autora assumiu obrigações de compra
efectiva dos produtos em causa, bem como uma obrigação específica de envidar os
seus melhores esforços para venda dos mesmos, na área citada.
6. O contrato de distribuição não
incluía a totalidade das marcas comercializadas pela ré.
7. A ré mantinha a disponibilidade de
venda directa aos chamados clientes nacionais (aqueles que no momento da sua
implementação se perspectiva virem a ter dois ou mais estabelecimentos
inseridos numa mesma cadeia ou rede e implantados em uma ou mais áreas do
território nacional, designadamente, hotéis, lojas de fast food, hipermercados,
supermercados e cash and carrys, independentemente de possuírem, ou não,
centralização das suas compras) e clientes especiais (aqueles cujo
abastecimento de bebidas é efectuado através do sistema de duotank/beerdrive e,
bem assim, os que desenvolvem actividades ou promovem eventos de natureza
social e/ou de reconhecida notoriedade e projecção, que torna vantajosa a
associação aos mesmos dos produtos da R. por razões de estratégia comercial –
idoneidade e divulgação das marcas junto de um mercado específico – e não de
rentabilidade das vendas, como é o caso das companhias de transporte aéreo e da
realização de exposições, feiras ou congressos, entre outras).
8. A autora podia distribuir outros
produtos que não os da ré.
9. No âmbito do negócio acordado entre
as partes, a autora entregou à ré uma garantia bancária de 27.000.000$00 (vinte
sete milhões de escudos).
10. As partes não assinaram qualquer
contrato escrito que regulamentasse a relação comercial em causa nos autos.
11. A área geográfica em que a autora
actuava foi trabalhada desde 1958 pela CERVIBEL – Agentes Reunidos de Cerveja e
Vinhos, Lda., que distribuía os produtos da ré.
12. A autora efectuava directamente a
distribuição das cervejas, águas, refrigerantes, vinhos e sidra da ré não
recorrendo a sub-agentes nem a sub-distribuidores.
13. A ré enviou à autora a carta
registada com aviso de receção, datada de 14 de Novembro de 2003, com
referência DADE/0298/2003, assunto “Contrato de Distribuição – Alterações ao
Pacto social” em que além do mais se pode ler: “(…) de acordo com o previsto
nos Contratos escritos, outorgados com alguns Distribuidores, com aplicação
idêntica para aqueles com quem não está formalizado por essa via, “O Contrato
de Distribuição, nem qualquer direito de obrigação nele contemplado, poderá ser
no todo ou em parte, transferido, cedido, delegado, trespassado, ou transmitido
por qualquer outra forma, incluindo associação pelo Distribuidor, sem o consentimento
prévio da Sociedade Central de Cervejas”.
14. A clientela da autora era ordenada
por “Rotas”, sendo que a cada Rota era atribuído um número a que correspondia o
nome do vendedor da autora que efectuava as visitas comerciais aos pontos de
venda da “Rota” e o dia da semana destas mesmas visitas.
15. Os mapas descritivos das “Rotas” da
clientela eram elaborados pela autora e emitidos através do sistema SALESUP,
instalado no equipamento informático da Autora.
16. Estes mapas indicavam os dados de
cada cliente integrado na “Rota”, nomeadamente: código de cliente, nome
completo, denominação do ponto de venda, endereço - incluído o código postal
completo, número de contribuinte, telefone e frequência da visita do vendedor.
17. Em 2016 o número de clientes da
autora de produto da ré era 583.
18. A autora aderiu ao “Modelo de
Excelência da Rede de Distribuição” cuja apresentação lhe foi remetida pela ré
através do documento intitulado “Modelo de Excelência da Rede de Distribuição”.
19. A ré promovia a implementação do seu
modelo de excelência dos distribuidores da sua rede, não só individualmente
junto de cada distribuidor, como, ainda em reuniões com eles.
20. A autora comprava à ré os produtos
objecto do contrato nas condições de fornecimento e aos preços da tabela que a ré
lhe remetia, caucionando o valor do respectivo vasilhame.
21. A ré atribuía à autora descontos
sobre os preços dos produtos, descontos esses que eram expressos nas facturas
emitidas pela ré.
22. A ré atribuía também à autora,
verbas expressas em notas de crédito emitidas pela ré, e, em 2012, através de
notas de débito emitidas pela autora à ré.
23. Os descontos e promoções efectuados
pela ré, quer em factura quer offinvoice,
destinam-se exclusivamente a serem aplicados no mercado, isto é, nos concretos
pontos de venda, não sendo destinados a remunerar o distribuidor.
24. Os produtos adquiridos à ré pela autora
eram posteriormente revendidos por esta, a bares, cafés, discotecas,
restaurantes, pastelarias, snacks, cervejarias, hotéis, cantinas, casas de
pasto, tabernas, estalagens, pizzarias, pensões, bares das associações
recreativas e desportivas, comissões de festas, lares, padarias, lojas de pão
quente, quiosques, mercearias, mini-mercados, bares de praia, bares de eventos,
bem como assim a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho.
25. A ré solicitava a colaboração da autora
de diversas formas, como a promoção da venda de novos produtos, informações
sobre operadores concorrentes, adiantamento de donativos em produtos ou em
dinheiro, adiantamento do rappel aos clientes, etc..
26. A autora acedia às solicitações da ré.
27. A ré implementou um sistema pelo
qual os seus distribuidores lhe enviavam por meios eletrónicos, e em tempo
real, informações sobre as suas actividades comerciais, nomeadamente dados e
consumo dos clientes pontos de venda.
28. Os softwares que foram implementados
para a constituição e transmissão de ficheiros das empresas dos distribuidores
para a ré, são, nomeadamente: “Navigator”, software para definir os objetivos
da empresa e equipamentos comerciais; “Data Warehouse”, software de Business
Intelligence – análise de dados de várias fontes; “SalesUp”, software de gestão
para a distribuição, produção e logística, com faturação certificada.
29. Tais ferramentas têm como propósito
apoiar o desenvolvimento do negócio e a parceria estabelecida entre as partes
com o propósito de incrementar as vendas de produtos da ré.
30. Por e-mail de 10 de Janeiro de 2005,
a ré dirigiu-se aos seus distribuidores, e, nomeadamente, à autora, nestes
termos:
“Caros
colegas Distribuidores (integrados em CRM e em preparação de integração) e
Pré-Vendas
Vamos
proceder em conjunto com a Bettersoft à atualização da Tabela de segmentação
existente no vosso software MGI da Bettersoft. (…) Assim, vão receber um
ficheiro executável proveniente da Bettersoft na 4.ª feira dia 12 de Janeiro de
2005, o qual deverá ser executado segundo as instruções enviadas pelos técnicos
da Bettersoft. (…)”;
31. A ré solicitava à autora a
segmentação dos seus clientes em quatro segmentos (A, B, C, D) correspondentes
aos consumos de produtos das marcas da ré, expressos em valores como segue: A –
Mais de € 10.000; B – Entre € 9.999 e € 5.000; C – Entre € 4.999 e € 2.000; D –
Menos de € 2.000.
32. A ré solicitava o envio de dados
sobre consumos de determinados produtos e referências.
33. A ré solicitava o envio de dados
relativos aos consumos de determinados clientes da autora.
34. Por e-mail de 4 de janeiro de 2014
enviado à autora, a ré solicitou o envio de informações sobre a sua empresa,
nomeadamente nestes termos: “uma listagem
que contenha o número, nome de todos os vossos vendedores e armazéns, assim
como o GVM responsável pela zona. Peço especial favor de me enviarem o quanto
antes pois estamos a tentar criar uma função que facilite a entrada dos pontos
de venda e dependemos dessas listagens”.
35. A autora instalou nos seus
equipamentos informáticos os softwares da empresa Bettertech e transmitia à ré
os dados por esta solicitados.
36. A adesão da autora a estas ferramentas
foi voluntária.
37. A ré procedia à avaliação da autora
no âmbito do denominado projecto 3E, de implementação voluntária.
38. Essa avaliação decorria do acordo
das partes com informação voluntariamente cedida pela autora.
39. A ré enviou à autora a carta datada
de 11 de Junho de 2003, referência DADE/176/2003, sobre o processamento das
“Avaliações no Âmbito do Sistema de Incentivos a Distribuidores referentes ao
Exercício de 2002”, em que além do mais se pode ler:
“(…)
Para a preparação desta Avaliação por vós em conjunto com o vosso Contabilista
enviamos, na disquete em anexo, o ficheiro que deverá ser entregue à Equipa
Avaliadora no dia da sua estadia convosco.
Deverão
igualmente encontrar-se disponibilizados para entrega à Equipa Avaliadora os
seguintes documentos no dia da Avaliação:
1.
Cópia do Modelo 22 e respetivos anexos (A, O, L e P) e Declaração Anual do ano
2002.
2.
Balancete de Encerramento (analítico) referente a 2002.
3.
Mapa de Amortizações e Reintegrações referentes a 2002.
4.
Cópia do Quadro do Pessoal referente a 2002.
5.
Nome do Responsável Financeiro/Contabilidade (com telefone e telemóvel).
Relembro
que nos dias indicados para a Avaliação é necessário o acompanhamento
permanente de pelo menos um Sócio-Gerente da Sociedade, bem como a
disponibilidade do Responsável Financeiro/Contabilidade e do Técnico de
Informática se tal for necessário, nomeadamente para o esclarecimento de
dúvidas que se venham eventualmente a colocar.”.
40. A autora desenvolvia e promovia
contactos com potenciais clientes, fidelizava-os às marcas da ré e incentivava
o crescimento dos volumes de compras dos produtos da ré por parte dos mesmos.
41. A autora fomentava junto dos pontos
de venda a opção de vender produtos de pressão, nomeadamente cerveja, refrigerantes,
sidra e vinho.
42. A autora informava a ré dos dados
dos pontos de venda que tinha angariado para os produtos de pressão e
solicitava a instalação do respectivo material extractor.
43. A autora conquistava novos pontos de
venda, seja aquando da abertura de novos estabelecimentos, seja conquistando
clientes à concorrência.
44. Quando o novo cliente pretendia
vender produtos de pressão, nomeadamente cerveja de barril, a autora preenchia
a “Ficha de Pedido” onde anotava os dados do cliente ponto de venda, a
identificação e contacto do cliente, o equipamento extrator solicitado e a
previsão de consumo.
45. A autora detectava as oportunidades
comerciais geradas pelos eventos, angariava os clientes integrados nos mesmos e
colaborava com os representantes da área comercial da ré, no processamento dos
patrocínios das marcas desta.
46. Colaborando com a ré, a autora
apoiava as instituições e os clientes integrados nos eventos culturais,
festivos, associativos e desportivos, de forma a promover a venda dos produtos
da ré junto deste tipo de clientela.
47. No ano de 2012, a autora manuseou,
transportou e entregou 112.493,73 litros de produtos das marcas da ré nos
eventos realizados na área do contrato.
48. No ano de 2013, a autora manuseou,
transportou e entregou 102.805 litros de produtos das marcas da ré nos eventos
realizados na área do contrato.
49. No ano de 2014, a autora manuseou,
transportou e entregou 72.162 litros de produtos das marcas da ré em eventos
realizados na área do contrato.
50. No ano de 2015, a autora manuseou,
transportou e entregou 48.333,12 litros de produtos das marcas da ré em eventos
realizados na área do contrato.
51. No ano de 2016, a autora vendeu
75.936 litros de produtos das marcas da ré em eventos realizados na área do
contrato.
52. No âmbito da colaboração que
prestava à ré, a autora transportava e entregava nos pontos de venda de bebidas
instalados para os eventos festivos e desportivos, não só bebidas, mas também o
material de apoio, como guarda-sóis, mesas, cadeiras, e, ainda, copos,
toalhetes, etc..
53. Após cada evento, a autora ia
recolher o material de apoio, que transportava novamente para o seu armazém, e,
também, o vasilhame retornável.
54. A autora procedia ao controlo do
vasilhame, que era contado por tipo de embalagem.
55. Nos anos 2002/2004, a autora
comprava à ré a cerveja da marca Heineken, que revendia aos clientes da área do
contrato.
56. A partir de Janeiro de 2005 foi
retirada à ré a distribuição da cerveja da marca Heineken pelo que esta deixou
de a poder fornecer à autora.
57. A partir de 2008, a ré voltou a
comercializar a cerveja da marca Heineken.
58. Nessa altura a autora não aceitou o
formato para a comercialização desse produto que lhe foi proposto pela ré.
59. A autora adquiriu um armazém com o
valor patrimonial de 135.167,81 euros.
60. Os produtos da ré eram armazenados
no armazém, onde ocupavam 800 m2.
61. A área descoberta, com acesso para
pesados e parque de estacionamento é de 1200 m2.
62. A autora gastou 12.428 euros em
obras de beneficiação no armazém.
63. A autora gastou 9.528 euros em
estruturas metálicas, portões e montagem platibanda e 1.171,20 euros numa
escada com patamar.
64. A autora gastou 2.322 euros em painéis
de carga.
65. A autora investiu numa frota de
viaturas para a pré-venda e de viaturas de transporte de mercadorias, para a
distribuição dos produtos aos clientes-pontos de venda.
66. A autora investiu, desde o início da
actividade objecto do contrato, em equipamento de manuseamento de mercadorias e
adquiriu um empilhador elétrico por € 25.080,00.
67. A autora investiu numa estrutura
administrativa informatizada e em serviços de informática.
68. A autora contratou e formou uma
equipa de colaboradores.
69. A autora investia em publicidade,
que ostentava o nome da cerveja Sagres.
70. Para exercer a actividade objecto do
contrato, as viaturas da autora percorriam muitos milhares de quilómetros por
mês.
71. No âmbito da actividade que a autora
desenvolvia junto dos pontos de venda em prol dos produtos da ré, os seus
colaboradores transportavam e colocavam nos pontos de venda, o material
publicitário da ré.
72. A autora gozava de uma boa imagem
comercial e de um grande prestígio na sua região.
73. A autora desenvolveu a sua atividade
comercial com dinamismo, dando provas de disponibilidade e simpatia para com os
seus clientes.
74. A autora e representantes da ré
mantinham boas relações.
75. A ré convidava a autora para
reuniões e diversos eventos e reuniões que realizava.
76. A ré depositava confiança na autora.
77. A autora enviou à ré a carta
registada com aviso de recepção, com data de 25 de Fevereiro de 2014, em que
além do mais se pode ler:
“(…)
A margem de comercialização que V. Ex.as nos facultam é insuficiente para
termos uma distribuição ativa e eficaz dos Vosso produtos, na área onde somos
distribuidores oficiais exclusivos, e fazer face aos custos que diariamente
suportamos.
Dificilmente
suportamos os custos de distribuição que, na nossa área, são elevadíssimos
devido às distâncias a percorrer para a abastecer os Clientes porta a porta.
Como V. Ex.as sabem, o nosso território não é cidade e os clientes estão
dispersos, muitas vezes isolados em pequenas aldeias cujos acessos além de
distantes têm péssimas estradas.
A
insuficiência da margem de comercialização ganha ainda mais relevância quando
V. Ex.as permitem a venda dos mesmos produtos, nomeadamente cerveja Sagres,
água de Luso e refrigerante Joi, a preços mais baixos por outros operadores no
mercado, na área exclusiva que nos atribuíram o que nos tem originado uma perda
continuada de competitividade.
Somos
diariamente confrontados com os nossos Clientes que os questionam como é
possível a Central de Cervejas proporcionar preços a estes operadores de modo a
permitir que os mesmos vendam ao consumidor final mais barato do que o
distribuidor oficial vende ao retalho? (…)”.
78. A ré aplicava à autora, para revenda
grossista aos retalhistas da área do contrato, preços mais elevados que os que
os supermercados locais revendiam ao público.
79. Nos anos de 2014/2015, por razões
técnicas, a autora não conseguia transmitir à ré, por meios eletrónicos, todos
os dados que esta solicitava, pelo que enviava à ré, em suporte papel, a
informação que não seguia pela via eletrónica.
80. A 18.01.2017 a ré pediu a presença
da gerência da autora para reunião a realizar no dia 23.01.2017, tendo como
tema a relação contratual entre as partes.
81. No dia 23.01.2017 realizou-se uma
reunião entre LQ e DS, por parte da ré, e CR e VR, por parte da autora.
82. Nessa reunião a ré comunicou à autora
que tinha decidido seguir outro formato distributivo para a comercialização e
distribuição dos seus produtos na área afecta à autora, o que teria como
consequência a cessação próxima da relação contratual e comercial que nesta
matéria vinha vigorando entre as partes.
83. Foi, ainda, comunicado à autora que
a ré pretendia formalizar esta decisão através de carta de denúncia contratual,
unilateral por parte da ré, a enviar pelos dias seguintes, e que iria
contemplar um prazo de aviso prévio quanto à sua produção de efeitos.
84. Por carta registada com aviso de
recepção, datada de 25 de Janeiro de 2017, a administração da ré SCC-SOCIEDADE
CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A. declarou a denúncia do contrato que
mantinha com a autora CR - COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS, LDA., com efeito
da mesma no dia 30 de Abril de 2017.
85. A autora e a ré em conjunto
inventariaram e transferiram para aquela vasilhame, barris, tanquetas e tubos
de CO2.
86. Durante as visitas aos clientes para
proceder a essa operação representantes da ré entregaram em mão a cada cliente
uma comunicação em que além do mais se pode ler:
“A
SCC-SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A. (SCC) vem comunicar que, com
efeitos a 30 de Abril de 2017, a distribuição oficial dos nossos produtos na sua
área deixa de ser efectuada por CR – COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS, LDA.
Assim,
a partir do próximo dia 01 de Abril, a comercialização e distribuição oficial
dos produtos SCC passa a ser efectuada pela N – Unipessoal, Lda., empresa
pertencente ao universo empresarial da SCC e que exerce a sua actividade no
mercado de bebidas em várias áreas do País, incluindo grande parte do distrito
de Beja.
(…)
Com
esta alteração, a SCC está convicta que continua a fazer todos os esforços para
ir ao encontro das vossas melhores expectativas, consciente que os Clientes são
a nossa maior riqueza e que a qualidade das nossas marcas e serviço são a
garantia da sua fidelidade.
Recordamos
que a SCC está igualmente ao seu inteiro dispor através da Linha de Apoio ao
Cliente (…)
Neste
momento em que cessamos a nossa relação comercial com CR, a SCC aproveita a
oportunidade para publicamente lhe manifestar o particular agradecimento pela
colaboração prestada ao longo destes anos.
(…)
LP
(Director
Canal On Trade)
12
de Abril de 2017 ”.
87. A N – Unipessoal, Lda., desde 1 de
Maio de 2017, vende e entrega a clientes da área do contrato, os produtos que
foram objecto do mesmo.
88. Durante a segunda quinzena de Abril
de 2017 os pontos de venda da região em que a autora operava foram visitados
através da N – Unipessoal, Lda. para recolha de dados e abertura de fichas de
clientes.
89. Enquanto perdurou a relação
comercial a autora distribuiu produtos das seguintes marcas: Refrige, Parmalat,
Menorquina, Adega de Borba, Água Castello, Doceleia, Sr. Bacalhau, Miguel &
Miguel, Fastio, AB Mauri, Campilho e Porminho.
90. É a ré que procede directamente à
instalação de equipamentos de extracção de cerveja em barris e à sua manutenção,
preventiva e correctiva.
91. As máquinas de extracção necessárias
para a venda de barril são propriedade da ré, que as cede aos pontos de venda
através de contratos de comodato.
92. O esforço promocional relacionado
com o barril, descontos e mecânicas é suportado directamente pela ré.
93. A conta corrente existente entre as
partes apresenta um saldo a favor da ré no valor de € 35.130,31.
94. O resultado líquido total da autora
na sua actividade comercial nos exercícios de 2012 a 2016 foi de: € 2.555,38,
em 2012; € 763,51 em 2013; € -114.537,29 em 2014; € 9.712,05 em 2015; €
11.079,77 em 2016.
95. As vendas em canal HORECA
representaram: em 2012 49,6% das vendas totais da autora; em 2013 46,7% das
vendas totais da autora; em 2014 46,16% das vendas totais da autora; em 2015
46,05% das vendas totais da autora; em 2016 51,65% das vendas totais da autora.
96. A autora efectuou vendas dos
produtos da ré no valor de: € 2.283,991,02 em 2012; € 2.031.111,91 em 2013; €
1.527.690,57 em 2014; € 1.442.611,08 em 2015; € 1.410.797,88 em 2016.
97. Pelo menos até 31.10.2017 a autora
registou vendas de produtos da ré, respeitantes a produtos que estavam em
inventário a 30.04.2017.
98. Por email enviado para a ré no dia 1
de Maio de 2017 a autora reclamou à ré o pagamento da quantia de € 740.410,37 a
título de indemnização de clientela.
A sentença recorrida julgou não provados
os seguintes factos:
a. A soma dos descontos e créditos
constituíam a contrapartida financeira concedida pela ré à autora pela
actividade exercida por esta em execução do contrato.
b. Em 2014/2015 a ré deixou de creditar
à autora os apoios mensais habituais.
c. A ré decidia sobre as condições
comerciais que pretendia que fossem aplicadas pela autora aos clientes-pontos
de venda.
d. A autora aplicava aos seus clientes
as condições comerciais fixadas pela ré.
e. A partir de 2008 a ré recusou
fornecer à autora a cerveja Heineken.
f. A distribuição dos produtos da ré
SCC-Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A. significava, em 2016, mais de
65% da atividade da autora.
g. A autora investia em marketing.
h. A denúncia do contrato pela ré
levantou junto dos ex-clientes, dos ex-colaboradores e dos bancos suspeições
quanto à seriedade, idoneidade e eficácia comercial e empresarial da autora e
dos seus responsáveis.
i. O total das compensações por
despedimento do pessoal da autora é de € 93.938,74.
*
1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto:
Comecemos pelo recurso interposto pela
autora.
(…)
Passemos ao recurso interposto pela ré.
(…)
Concluindo este ponto:
- O n.º 98 da matéria de facto provada passa a
ter a seguinte redacção: “Por email enviado para a ré no dia 1 de Maio
de 2017, a autora reclamou, a esta última, o pagamento da quantia de €
740.410,37 a título de indemnização de clientela; na mesma comunicação, a autora
declarou à ré a extinção do débito da sua conta corrente, por compensação, nos
termos e para os efeitos prescritos nos artigos 847.º e 848.º do Código Civil.”
- É aditado à matéria de facto provada o
n.º 99, com a seguinte redacção: “Por carta registada com aviso de recepção,
datada de 23 de Maio de 2016 e depositada nos CTT em 8 de Junho de 2016, que
enviou à autora, a ré renovou a concessão de crédito para o período anual
subsequente, no valor de € 325.000, e no valor de € 422.500 para a época alta,
de 1 de Junho a 30 de Setembro.”
- O n.º 65 da matéria de facto
provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu € 94.520,38 numa
frota de viaturas para a pré-venda e de viaturas de transporte de mercadorias,
para a distribuição dos produtos aos clientes-pontos de venda.”
- O n.º 66 da matéria de facto
provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu, desde o início da
actividade objecto do contrato, em equipamento de manuseamento de mercadorias,
que custou € 14.265,62, e adquiriu um empilhador elétrico por € 25.080,00.”
- O n.º 67 da matéria de facto
provada passa a ter a seguinte redacção: “A autora investiu o valor de €
44.125,17 numa estrutura administrativa informatizada e em serviços de
informática.”
- É aditado à matéria de facto provada o
n.º 100, com a seguinte redacção: “Em 2016, a distribuição de produtos
da ré constituía, no total, 65,36% da actividade da autora.”
- A alínea f) dos factos não provados é
suprimida.
- É aditado à matéria de facto provada o
n.º 101, com a seguinte redacção: “A autora tinha liberdade total na
definição da sua política de preços.”
- O n.º 17 da matéria de facto
provada passa a ter a seguinte redacção: “Em 2016, o número de clientes da
autora de produto da ré era 583; a evolução do número de clientes activos da
autora no canal HORECA e de retalho alimentar de produtos da ré entre os anos
de 2012 e de 2016 foi o seguinte: 2012 – 557; 2013 – 546; 2014 – 506; 2015 –
416; 2016 – 448.”
2 – Se é devida à autora uma
indemnização de clientela e, na hipótese afirmativa, qual deverá ser o seu
montante:
A autora e a ré celebraram, em
08.03.1999, um contrato de concessão comercial. Este contrato extinguiu-se, por
denúncia da ré, em 30.04.2017. Está em causa saber se, por efeito desta
extinção, a autora tem direito a uma indemnização de clientela, que esta última
quantifica em €
740.410,37.
O contrato de concessão comercial é
juridicamente inominado e atípico. Não obstante, constitui um instrumento de
cooperação entre empresas com larga aplicação prática no sector da distribuição
de bens, afirmando-se, por essa razão, que se trata de um contrato socialmente
típico.
A regulamentação jurídica de cada
contrato de concessão comercial resulta, antes de mais, do seu próprio clausulado,
salvo na medida em que este contrarie normas legais imperativas, à semelhança
daquilo que acontece com a generalidade dos contratos. Porque a lei não dedica
um regime específico ao contrato de concessão comercial, nas áreas que não
sejam cobertas pelo clausulado de cada contrato ter-se-á de recorrer às normas
vigentes para os contratos e para os negócios jurídicos em geral. Na medida em
que se verifiquem os respectivos pressupostos, serão também aplicáveis por
analogia as normas próprias de tipos contratuais com os quais cada singular
contrato de concessão comercial apresente maior proximidade.
A analogia é feita, habitualmente, com
normas específicas do contrato de agência, constantes do Decreto-Lei n.º
178/86, de 03.07, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13.04, o que
encontra justificação na circunstância de os contratos de concessão comercial e
de agência serem contratos de distribuição e, em muitos casos, a intensidade da
integração do concessionário na rede de distribuição do concedente e/ou a
dependência económica do primeiro relativamente ao segundo não diferirem
significativamente daquelas que são típicas do contrato de agência.
Na sentença recorrida, foi aplicado o
disposto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 por analogia. No seu recurso,
a ré sustenta que tal analogia não se verifica no caso dos autos.
A questão da aplicabilidade daquela
norma ao caso dos autos por analogia apenas tem interesse se se concluir que
dessa aplicação resultaria o direito, invocado pela autora, a uma indemnização
de clientela. Se se puder concluir que, ainda que se aplicasse analogicamente a
referida norma ao caso dos autos, inexistiria o direito a uma indemnização de
clientela por parte da autora, será escusado entrar na análise daquela questão.
Só faz sentido equacionar a aplicabilidade de uma norma por analogia se se
antevir que daí resultará alguma consequência útil para a decisão do caso
concreto. Caso contrário, tal não passará de um exercício estéril.
Somos, assim, conduzidos à análise dos
pressupostos de que o artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 faz depender a
atribuição, ao agente (e, se aplicado por analogia, ao concessionário), da
indemnização de clientela. O seu n.º 1 estabelece que, sem prejuízo de qualquer
outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o
agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de
clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos
seguintes:
a) O agente tenha angariado novos
clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios
com a clientela já existente;
b) A outra parte venha a beneficiar
consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo
agente;
c) O agente deixe de receber qualquer
retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do
contrato, com os clientes referidos na alínea a).”
O sentido da indemnização de clientela é
assim descrito por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO[1]: “O contrato de agência
pode, pelo seu funcionamento, acarretar clientes para o principal, clientes
esses que se manterão mesmo após o seu termo. O legislador entendeu, por isso,
que cessando a agência, era justo compensar o agente pelo enriquecimento assim
proporcionado à outra parte”.
Visa-se, portanto, atribuir ao agente uma
compensação por um enriquecimento que a actividade por si desenvolvida durante
a vigência do contrato proporciona ao principal após a cessação deste último.
Para que o agente tenha direito a essa compensação, terão de verificar-se, cumulativamente,
os pressupostos estabelecidos pelo citado artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 178/86. O ónus da prova dos factos integrantes desses pressupostos recai
sobre o agente que pretenda obter a indemnização de clientela, nos termos do
artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
O primeiro pressuposto do direito a uma
indemnização de clientela é o agente ter angariado novos clientes para o
principal ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já
existente.
O conteúdo mínimo da exigência de o
agente ter angariado novos clientes para o principal é o de que tal angariação haja
gerado um aumento do número de clientes. À luz da descrita finalidade da
indemnização de clientela, não faria sentido que esta fosse devida se o saldo
entre clientes angariados e clientes perdidos pelo agente fosse negativo ou neutro.
Esse saldo tem de ser positivo.
Mais, além de positivo, esse saldo
deverá ser significativo, embora a concretização desta exigência em termos de
número de clientes angariados varie em função do tipo de mercado em que o
agente actua. No caso dos autos, tendo em conta o reduzido valor unitário dos produtos
comercializados pela autora e a natureza atomística (estabelecimentos de
consumo imediato, nomeadamente hotéis, restaurantes, cafés e estabelecimentos
do retalho alimentar tradicional situados nos concelhos de Moura, Serpa,
Mértola e Barrancos) e algo volátil (atente-se na variação do seu número nos
últimos cinco anos de vigência do contrato) da sua clientela, este pressuposto
apenas poderia considerar-se preenchido se estivesse provado um aumento
percentual substancial do número de clientes entre o momento do início da
execução do contrato e o da cessação deste. Apenas nessa hipótese poderia
falar-se, com propriedade, num enriquecimento da ré, posterior à cessação do
contrato, gerado pela actividade de angariação de clientes levada a cabo pela
autora enquanto aquele esteve em vigor.
Ficou provado que a autora desenvolvia e
promovia contactos com potenciais clientes, fidelizava-os às marcas da ré e
incentivava o crescimento dos volumes de compras dos produtos da ré por parte
dos mesmos (n.º 40), conquistava novos pontos de venda, seja aquando da
abertura de novos estabelecimentos, seja conquistando clientes à concorrência
(n.º 43) e detectava as oportunidades comerciais geradas pelos eventos,
angariava os clientes integrados nos mesmos e colaborava com os representantes
da área comercial da ré, no processamento dos patrocínios das marcas desta (n.º
45). Contudo, isto não é suficiente para poder concluir-se que o saldo entre os
clientes angariados e os clientes perdidos pela autora entre a data do início
da execução do contrato e a da extinção deste seja, sequer, positivo.
Tenha-se em conta que, antes da
celebração do contrato de concessão comercial com a autora, a ré já actuava,
desde 1958, no mercado correspondente à área territorial posteriormente
concedida àquela, através de outra empresa de distribuição. A ré estava
presente nessa área, trabalhada durante 41 anos pela CERVIBEL – Agentes
Reunidos de Cerveja e Vinhos, Lda., que distribuía os produtos daquela e,
obviamente, aí tinha a sua clientela (n.º 11). A autora não começou do zero,
não introduziu, na área que lhe foi concessionada, um produto aí desconhecido
ou aí não comercializado. Sendo assim, para que pudesse concluir-se que a
autora angariou novos clientes para a ré nos termos exigidos pelo artigo 33.º,
n.º 1, al. a), 1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 178/86, teria de estar provado,
além do número de clientes a quem a autora vendia produtos da ré na data da
cessação do contrato, o número de clientes de produtos da ré com quem a autora
iniciou a sua actividade de concessionária desta última. Só conhecendo estes
dois números seria possível apurar-se se o saldo entre clientes existentes
aquando do início da execução do contrato e clientes existentes na data da
extinção deste é, ao menos, positivo. Ora, o número de clientes de produtos da
ré com quem a autora iniciou a sua actividade de concessionária desta última
nem sequer foi alegado e, seguramente, não integra o elenco dos factos
provados. Consequentemente, não é possível concluir-se que a autora angariou
novos clientes para a ré nos termos exigidos pelo artigo 33.º, n.º 1, al. a),
1.ª parte, do Decreto-Lei n.º 178/86. Os factos que se apuraram sobre a
evolução do número de clientes de produtos da ré que a autora teve nos últimos
cinco anos de vigência do contrato demonstram, inclusivamente, uma inequívoca
tendência de diminuição (n.º 17).
Em alternativa à angariação de novos
clientes, a 2.ª parte da al. a) do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º
178/86, prevê a hipótese de o agente ter aumentado substancialmente o volume de
negócios com a clientela já existente. Também para o preenchimento deste pressuposto
do direito a uma indemnização de clientela inexistem factos provados nos autos,
desde logo porque se desconhece o volume de negócios com que a autora iniciou a
sua actividade de concessionária comercial da ré, que nem sequer foi alegado. Acrescente-se
que os factos que a este propósito se apuraram também não favorecem a pretensão
da autora, pois denunciam uma diminuição sensível, nos últimos cinco anos da
vigência do contrato, do volume das vendas de produtos da ré (n.º 96).
Não se encontra, pois, preenchido
qualquer dos pressupostos do direito a uma indemnização de clientela
estabelecidos no artigo 33.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 178/86. Razão
suficiente, como vimos, para concluir que, mesmo aplicando por analogia essa
norma ao contrato de concessão comercial celebrado entre a ré e a autora, esta
última não teria direito à referida indemnização. Não obstante e tendo em conta
que os pressupostos estabelecidos nas alíneas a) e b) do referido artigo estão
interligados, acrescentamos que, como decorrência daquilo que afirmámos a
propósito da alínea a), é evidente que nunca o pressuposto estabelecido na
alínea b), ou seja, que o principal venha a beneficiar consideravelmente, após
a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente, poderia ficar
preenchido. Não se tendo apurado o número de clientes e o volume de negócios
que a ré tinha na área da concessão quando mudou o distribuidor nesta última,
ou seja, quando a CERVIBEL foi substituída pela autora, inexiste fundamento
para antever que a ré virá, após a cessação do contrato, a beneficiar
consideravelmente da actividade desenvolvida pela autora. Mais, como
anteriormente notámos, os números relativos ao volume das vendas de produtos da
ré por parte da autora e do número de clientes desta que compravam esses produtos
nos últimos cinco anos de vigência do contrato até apontam em sentido contrário.
Concluindo, a autora não tem direito a
qualquer indemnização de clientela.
A autora invoca ainda, como fundamento
da sua pretensão a receber da autora uma compensação no montante de € 740.410,37 pela
actividade que desenvolveu enquanto o contrato de concessão comercial esteve em
vigor, o instituto do enriquecimento sem causa, regulado nos artigos 473.º a
482.º do Código Civil. Na substância, este fundamento não se distingue daquele
que acabámos de analisar. Em qualquer caso, a autora pretende ser compensada por
ter angariado e fidelizado clientela com a qual, no seu entendimento, a ré
lucra por efeito da cessação do contrato. Sendo assim, a refutação desta
argumentação da autora está feita. Como vimos, não se provou a existência de
qualquer enriquecimento da ré à custa da autora posteriormente à cessação do
contrato. Na falta de prova de que a autora aumentou o número de clientes de
produtos da ré na área abrangida pelo contrato de concessão comercial, da
verificação de um aumento do volume de negócios com a clientela já existente e
de que a actividade desenvolvida pela autora ao longo da vigência do contrato
proporcionou um benefício patrimonial à ré após a extinção deste último, é
manifesta a inexistência de fundamento factual para poder concluir-se que
aquele enriquecimento ocorreu. Improcede, pois, também este fundamento da
pretensão da autora de condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 740.410,37.
Não tendo a autora direito a uma
indemnização de clientela, ficam prejudicadas as questões da quantificação dessa
indemnização e do início da contagem de juros sobre a mesma. Fica igualmente
prejudicada a questão da verificação dos pressupostos da compensação entre a indemnização
de clientela e a quantia que a autora foi condenada a pagar à ré, condenação
essa que deverá manter-se.
3 – Se o prazo fixado pela ré para a
produção de efeitos da denúncia do contrato foi mais curto que o exigível e, na
hipótese afirmativa, quais são os efeitos jurídicos daí resultantes:
Esta questão deverá ser decomposta em
três sub-questões:
3.1. Admissibilidade da denúncia;
3.2. Antecedência mínima da denúncia
relativamente à data em que o denunciante pretende que a mesma produza o efeito
extintivo do contrato;
3.3. Consequências jurídicas do
incumprimento do prazo mínimo referido em 3.2.
3.1. Admissibilidade da denúncia:
Autora e ré celebraram o contrato de
concessão comercial dos autos sem estipularem um prazo de duração para o mesmo.
Estamos, pois, perante uma relação contratual duradoura por tempo
indeterminado. E estamos perante uma relação-quadro, ao abrigo da qual foram
subsequentemente celebrados múltiplos contratos de compra e venda, entre autora
e ré, de produtos do comércio desta última, tendo em vista a revenda, pela
primeira, desses mesmos produtos aos seus clientes. Como analisámos
anteriormente, o proveito económico que a autora retirava do exercício desta
actividade resultava da diferença, para mais, entre os preços de compra à ré
(preços esses em cuja formação influíam os descontos, em factura e fora de
factura, por esta concedidos) e de revenda aos seus clientes, deduzida dos
custos que tinha de suportar para levar a cabo tal actividade. A diferença
entre os preços de compra e de revenda constituía a margem bruta da autora. Da
dedução, a essa margem bruta, dos custos que a autora tinha de suportar para exercer
a actividade a que se obrigara, resultava a sua margem líquida, que era, assim,
a sua verdadeira contrapartida financeira por aquela execução.
As relações contratuais duradouras não
têm vocação para a perpetuidade. Por essa razão, naquelas que vigorarem por
tempo indeterminado, qualquer das partes pode, em regra, extingui-las a todo o tempo,
através de declaração dirigida à contraparte. As excepções a esta regra,
decorrentes de norma legal expressa (é o que acontece nos regimes do contrato
de arrendamento urbano e rural e do contrato de trabalho) ou impostas pela
boa-fé (será, por exemplo, o caso de uma das partes de um contrato duradouro
pretender extingui-lo unilateralmente e sem fundamento logo após a sua
celebração[2]), não se aplicam ao
contrato dos autos e, por isso, não nos interessam.
O instrumento jurídico através do qual
as partes de uma relação contratual duradoura sem prazo de vigência podem fazer
cessar unilateral e imotivadamente esta última é a denúncia. Esta não se
encontra genericamente prevista e unitariamente regulada pela lei, antes
fazendo aparições pontuais, no Código Civil (como nos artigos 1099.º a 1104.º,
1148.º, n.º 2) e fora dele (como no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 178/86). Não
obstante, ancorada nessas aparições pontuais na lei, a doutrina construiu um
conceito geral de denúncia e enunciou alguns princípios relativos ao exercício
do direito de extinguir uma relação contratual duradoura por essa via[3].
Um desses princípios é o da liberdade de
denúncia dos contratos geradores de relações obrigacionais duradouras sem
duração pré-definida, que comporta, como vimos, excepções. Em princípio,
qualquer das partes tem o direito potestativo de extinguir unilateralmente uma
relação contratual sem duração pré-definida mediante denúncia dirigida à
contraparte. O artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, constitui um
simples afloramento deste princípio[4].
A exposição anterior permite concluir
que a admissibilidade de denúncia de um contrato de concessão comercial
celebrado por tempo indeterminado não pressupõe a aplicação do disposto no
artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86 por analogia. O fundamento dessa
admissibilidade é outro: desta norma e de outras que admitem a denúncia de
contratos geradores de relações obrigacionais duradouras, bem como,
inclusivamente, de princípios fundamentais da ordem jurídica como o da
liberdade e o da boa-fé, é possível extrair o princípio da admissibilidade de
denúncia dos contratos geradores de relações obrigacionais duradouras sem
duração pré-definida e é deste princípio que decorre a faculdade de denúncia do
contrato de concessão comercial celebrado por tempo indeterminado. “(…) ao
consagrar essa faculdade para o contrato de agência de duração indeterminada, a
LCA mais não fez do que acolher no seu seio um princípio geral subjacente à regulação de todas as relações
duradouras. Daí que não se torne indispensável recorrer à aplicação analógica
do disposto no art. 28.º da LCA para justificar a denunciabilidade dos
contratos de concessão e de franquia concluídos por tempo indefinido.”[5] “(…) a admissibilidade de
denúncia de um contrato celebrado por tempo indeterminado é um princípio geral
do direito português, aplicável também ao contrato de concessão comercial em
que não seja fixado prazo.”[6]
3.2. Antecedência mínima da denúncia
relativamente à data em que o denunciante pretende que a mesma produza o efeito
extintivo do contrato:
Decorre do princípio da boa-fé e da
consequente proibição do abuso no exercício dos direitos (artigos 334.º e
762.º, n.º 2, do Código Civil) que a denúncia não pode ser efectuada com efeito
extintivo imediato, antes devendo sê-lo com uma antecedência que, ponderando os
valores em causa no caso concreto, possa ser considerada razoável. Nas palavras
de FERNANDO A. FERREIRA PINTO, “O dever de anúncio prévio constitui (…) um elemento natural do negócio de denúncia,
que se faz decorrer das prescrições da boa
fé: considera-se que, estando em causa uma declaração potestativa de extinção do vínculo, assente na vontade discricionária do exercente (e, portanto, não vinculada à
verificação de um fundamento específico que torne inexigível a sua prossecução), a correcção e a lealdade nas
relações intersubjectivas reclamam, normalmente, que não se ponha fim a uma
relação duradoura de forma abrupta e intempestiva.” [7]
Para a denúncia do contrato de agência,
o artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, estabelece prazos de pré-aviso
crescentes em função da duração da relação contratual: um mês se o contrato
durar há menos de um ano, dois meses se o contrato já tiver iniciado o segundo
ano de vigência e três meses nos restantes casos. Não aplicámos esta norma ao
contrato de concessão comercial celebrado entre autora e ré, por analogia, para
concluir pela admissibilidade da denúncia, e continuaremos a não o fazer para a
determinação do prazo mínimo de antecedência desta última relativamente ao
momento da extinção da relação contratual, pelas razões adiante referidas.
O tribunal a quo fixou o referido prazo de pré-aviso em 6 meses, condenando a
ré a pagar à autora uma indemnização correspondente à insuficiência do prazo de
pré-aviso por esta fixado. Ambas as partes discordam do referido prazo. Segundo
a autora, impunha-se um prazo de pré-aviso de um ano. Segundo a ré, os três
meses e oito dias que considera (mal, como veremos) ter fixado para a produção
do efeito extintivo da denúncia é suficiente.
A autora invoca, como fundamento da
exigência de um prazo de pré-aviso de um ano, algumas razões claramente
irrelevantes para esse efeito, como a sua competência e eficiência na execução
do contrato, o bom relacionamento existente entre as partes, a atribuição de
promoções e descontos pela ré e a fixação de objectivos por esta última.
Invoca, ainda, o valor dos investimentos por si realizados com vista ao
cumprimento do contrato e que a distribuição de produtos da ré constituía, em
2016, mais de 65% da sua actividade, atingindo o valor de € 1.410.797,88. Estes
dois últimos argumentos merecem análise.
A exigência de uma dilação entre a comunicação
da denúncia e a produção do efeito extintivo desta não tem por objectivo
permitir ao concessionário a amortização dos investimentos que efectuou. Essa
amortização deverá ter lugar ao longo do tempo de execução do contrato e,
quanto maior tiver sido a duração deste, maior é a probabilidade de os
referidos investimentos se encontrarem amortizados, sem prejuízo, naturalmente,
de um ou outro bem ser, entretanto, substituído, assim dando origem a pontuais
novos investimentos. É a execução do contrato por tempo suficiente e não a
fixação de determinada dilação entre a denúncia e o efeito extintivo desta que
proporciona a amortização e rentabilização dos investimentos efectuados pelo
concessionário. Consequentemente, o montante dos investimentos realizados pela
autora tem pouca relevância para a análise da questão de que agora nos ocupamos,
sem prejuízo daquilo que, numa perspectiva diversa, a esse respeito referiremos
em seguida. Acresce que o contrato de concessão celebrado entre autora e ré vigorou
durante dezoito anos, pelo que é de presumir que a maior parte dos bens
adquiridos pela primeira tendo em vista a execução do mesmo contrato se
encontrava amortizada à data da sua cessação.
Já a circunstância de, em 2016, a
distribuição de produtos da ré constituir, no total, 65,36% da actividade da
autora, tem a maior relevância. Isto porque a verdadeira finalidade da exigência
de uma dilação entre a comunicação da denúncia do contrato e o seu efeito
extintivo, ou seja, de um pré-aviso, é permitir, à contraparte, preparar-se adequadamente
para enfrentar as consequências dessa extinção. Sendo o autor da denúncia o
concedente, o referido pré-aviso tem por fim possibilitar que o concessionário
procure outra ou outras empresas interessadas em que ele distribua os seus
produtos no mercado em condições que sejam compensadoras, por forma a minimizar
ou, melhor ainda, a compensar integralmente a quebra de actividade económica
que o fim da concessão lhe causa, ou, em alternativa, se reestruture, alienando
equipamentos e/ou fazendo cessar os contratos que lhe proporcionavam a
utilização destes últimos e despedindo trabalhadores até adquirir a dimensão
adequada ao desempenho da actividade económica sobrante, ou mesmo, no limite,
entre em liquidação, cessando a sua actividade empresarial. O concessionário
não pode ter a expectativa de que a relação jurídica de concessão comercial se
prolongue indefinidamente, antes devendo ter presente, à semelhança do
concedente, que a contraparte poderá, a qualquer momento, denunciá-lo. Porém, o
princípio da boa-fé impõe que ambas as partes fiquem garantidas contra uma
denúncia que, estabelecendo um prazo para o seu efeito extintivo excessivamente
curto, não lhes permita, em termos de normalidade, prepararem-se devidamente
para enfrentarem a nova situação decorrente da extinção do contrato. Deve
também considerar-se, em contraponto, que o dinamismo imposto à actividade
comercial em ambiente de mercado e, logo, de concorrência, não se compagina com
a exigência de prazos de pré-aviso excessivamente longos.
É neste contexto que a referida circunstância
de, em 2016, a distribuição de produtos da ré constituir, no total, 65,36% da
actividade da autora, mobilizando, necessariamente, vultuosos (tendo por
referência a dimensão da autora) meios materiais e humanos, assume a maior
relevância. Forçosamente, a extinção do contrato de concessão determinou uma
quebra muito acentuada da actividade comercial desenvolvida pela autora e,
consequentemente, um súbito subaproveitamento dos referidos meios materiais e
humanos. Pelas razões acima expostas, a ré, querendo denunciar o contrato,
tinha de o fazer com uma antecedência, relativamente ao efeito extintivo
daquele, muito superior àquela com que o fez. Num prazo de três meses era, num
quadro de normalidade, impossível, à autora, encontrar um ou mais fornecedores
que, ocupando o lugar que era da ré, lhe proporcionassem um volume de negócios
e, por essa via, de receitas que lhe permitissem manter a sua estrutura de
custos, nomeadamente com pessoal. Esse mesmo prazo era igualmente insuficiente
para a autora se redimensionar profundamente, o que, saliente-se, constitui uma
opção difícil, quer de tomar, quer de executar.
A conclusão de que a dilação entre a comunicação
da denúncia e a produção do seu efeito extintivo do contrato foi insuficiente é
reforçada pela ponderação da circunstância de, em 08.06.2016, ou seja, pouco
mais de sete meses antes da comunicação da denúncia, a ré ter renovado a
concessão de crédito à autora para o período anual subsequente, no valor de €
325.000, e no valor de € 422.500 para a época alta, de 1 de Junho a 30 de
Setembro. Perante tal comunicação e tendo em conta que o contrato de concessão
vigorava desde 1999, inevitavelmente a ré gerou, na autora, a expectativa de
que essa vigência se prolongasse, pelo menos, até ao final do referido período.
A ré denunciou o contrato, através de
carta registada com aviso de recepção datada de 25.01.2017, presumivelmente
recebida pela autora no dia 30.01.2017, que foi uma 2.ª Feira. A ré estabeleceu
o dia 30.04.2017 para a produção do efeito extintivo do contrato. Ou seja,
estamos perante um pré-aviso de apenas três meses.
É certo que, no dia 23.01.2017, se
realizou uma reunião entre a autora e a ré na qual a segunda comunicou à
primeira que tinha decidido seguir outro formato distributivo para a
comercialização e distribuição dos seus produtos na área da concessão, o que
teria como consequência a “cessação próxima” do contrato de concessão. Mais
comunicou a ré que pretendia formalizar tal decisão através do envio de uma
carta de denúncia do contrato, “a enviar pelos dias seguintes, e que iria
contemplar um prazo de aviso prévio quanto à sua produção de efeitos”. Porém,
esta comunicação, verbal, da intenção de denunciar o contrato de concessão, não
constituiu, em si mesma, uma denúncia, desde logo devido à insuficiência do seu
conteúdo. A ré comunicou a “cessação próxima” do contrato de concessão, sem
especificar em que data. Limitou-se a informar a autora de que enviaria uma
carta de denúncia “pelos dias seguintes” e que, aí, se fixaria “um prazo de
aviso prévio quanto à sua produção de efeitos”. Dada a imprecisão do seu
conteúdo, tal comunicação nunca poderia ser considerada uma denúncia.
Concluímos, assim, que a ré denunciou o
contrato dos autos com três meses de antecedência, prazo este claramente
insuficiente para a autora poder preparar-se devidamente para enfrentar os
efeitos da extinção do contrato. Considerando as razões acima expostas, o
princípio da boa fé impunha que a ré fixasse o efeito extintivo da denúncia no
final do ano civil em curso, ou seja, 31.12.2017. Em condições de normalidade,
a autora necessitaria desse tempo para tomar opções sobre o seu futuro e,
fossem elas quais fossem, pô-las em prática. Encontrar produtores ou
comerciantes posicionados a montante no circuito comercial que estivessem
interessados em que a autora distribuísse os seus produtos de forma a compensar
a quebra de 65,36% decorrente da denúncia do contrato pela autora constituía,
em princípio, tarefa muito difícil e morosa. Se a opção fosse a reestruturação
da empresa – opção essa que eventualmente seria tomada apenas se fosse mal
sucedida a tentativa de implementação da solução anteriormente referida –, com
a alienação de equipamentos, a cessação de contratos que lhe proporcionassem a
utilização destes últimos e o despedimento de trabalhadores, três meses também
seriam manifestamente insuficientes para a sua execução.
Decorre do exposto que a ré violou as
exigências decorrentes do princípio da boa-fé ao denunciar o contrato de
concessão comercial com apenas três meses de antecedência relativamente à data
do pretendido efeito extintivo. A ré devia ter concedido um pré-aviso oito
meses e um dia mais extenso que aquele que fixou. É este o período de pré-aviso
em falta.
3.3. Consequências jurídicas do incumprimento
do prazo mínimo referido em 3.2:
Ao denunciar o contrato de concessão
comercial com uma antecedência oito meses e um dia inferior à exigível à luz
das exigências da boa-fé, nos termos expostos em 3.2, a ré incorreu em
responsabilidade contratual, tendo, em consequência, de indemnizar a autora dos
prejuízos que essa conduta lhe causou. Não está em causa o efeito extintivo do
contrato, que se produziu[8].
O princípio geral sobre o conteúdo da
obrigação de indemnizar resulta dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do Código
Civil. O primeiro estabelece que quem estiver obrigado a reparar um dano deve
reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que
obriga à reparação. O segundo dispõe que, sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a
indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação
patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo
tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. O artigo 29.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 178/86, segundo o qual quem denunciar o contrato de
agência sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a
indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso,
constitui uma concretização do referido princípio geral.
Porém, a autora não funda a sua pretensão
indemnizatória por insuficiência da dilação entre a data da comunicação da
denúncia e a da extinção do contrato no referido princípio geral, do qual, em
conjugação com o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, decorre,
para o lesado, o ónus da prova dos danos que sofreu em consequência daquela
insuficiência. Em vez disso, a autora sustenta a aplicação, por analogia, do
disposto no artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, que estabelece, na
parte que nos interessa, que, em vez da indemnização prevista no n.º 1, o
agente poderá exigir uma quantia calculada com base na remuneração média mensal
auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta.
Coloca-se a questão da aplicabilidade do
artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, por analogia, ao contrato de
concessão comercial. A ré sustenta que esta norma estabelece um regime
excepcional relativamente ao princípio
geral sobre o conteúdo da obrigação de indemnizar, decorrente dos artigos 562.º
e seguintes do Código Civil, e, como norma excepcional que é, não é susceptível
de aplicação analógica, por força do disposto no artigo 11.º do mesmo código.
Com esta argumentação e notando que a autora não alegou nem provou quaisquer
danos resultantes da insuficiência da dilação entre a data da comunicação da
denúncia e a da extinção do contrato, a ré conclui que o pedido de indemnização
que agora analisamos terá de improceder.
Neste ponto, a ré não tem razão, pois o
artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 178/86, não constitui uma norma excepcional. Não é qualquer desvio a uma
regra que permite qualificar a norma que o estabelece como excepcional. Se
assim fosse, não existiria a categoria da norma especial, prevista no artigo
7.º, n.º 3, do Código Civil.
Se há princípio geral generoso na admissão
de desvios, é aquele que respeita ao conteúdo
da obrigação de indemnizar. Daí que o próprio artigo 566.º, n.º 2, do Código
Civil, comece precisamente por ressalvar o preceituado noutras disposições legais.
Logo no Código Civil, encontramos numerosos desvios ao referido princípio
geral: artigos 339.º, n.º 2, 442.º, n.ºs 2 e 4, 489.º, 493.º-A, 494.º, 496.º,
n.º 4, 504.º, n.º 3, 508.º, 510.º, 570.º, 806.º, 810.º a 812.º, 899.º, 900.º,
909.º e 910.º, entre outros. Estas normas não podem ser qualificadas como
excepcionais, mas sim como especiais, pois limitam-se a fixar particulares
critérios indemnizatórios para certos tipos de danos. É este o enquadramento desse
tipo de desvios ao princípio geral decorrente dos artigos 562.º e 566.º, n.º 2,
do Código Civil que resulta da lição de ANTUNES VARELA[9]. Também FERNANDO PESSOA
JORGE[10], após discorrer acerca do
critério geral da teoria da diferença, designa como “critérios especiais” os
desvios ao primeiro que a lei prevê para hipóteses específicas.
O artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, não passa de
mais uma norma que estabelece um critério especial de fixação do montante da
indemnização, destinado a obviar às “dificuldades de prova com que o agente
poderá deparar ou porque a indemnização, apurada nos termos do n.º 1, poderá
não ser significativa”[11]. Não é uma norma
excepcional, pelo que nada
obsta à sua aplicação por analogia sempre que a similitude das situações o
justifique.
A aplicabilidade, por via analógica, de normas do Decreto-Lei n.º 178/86 ao
contrato de concessão comercial, não é automática, antes dependendo da
similitude, em cada caso concreto, entre a situação típica do agente e a
situação do concessionário. No caso dos autos, a circunstância de, em 2016, a distribuição de produtos da ré ter
constituído, no total, 65,36% (ou seja, quase dois terços) da actividade da
autora, conduz à conclusão de que se verificava uma forte dependência económica
desta relativamente à primeira. A autora distribuía produtos de outras
empresas, mas em volumes incomparavelmente menores relativamente aos da ré. Esta
era, de longe, o principal fornecedor da autora, constituindo a distribuição
dos seus produtos a base da actividade comercial por esta desenvolvida. Daí que
a denúncia do contrato por parte da ré com um prazo de pré-aviso muito inferior
àquele que lhe era exigível à luz do princípio da boa-fé tenha provocado inevitavelmente
um fortíssimo abalo na actividade da autora, subitamente reduzida a cerca de um
terço. Podemos, pois, concluir que a situação da autora não diferia
substancialmente da de um agente que veja o seu contrato denunciado pelo
principal sem respeito pelos prazos estabelecidos no artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86. Daí que tenha
plena justificação a aplicação do n.º 2 deste artigo por analogia.
Como anteriormente referimos, o artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
178/86, estabelece, na parte que nos interessa, que, em vez da indemnização
prevista no n.º 1, o agente poderá exigir uma quantia calculada com base na
remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada
pelo tempo em falta. A maior dificuldade que a aplicação por analogia desta
norma ao concessionário decorre de, como já afirmámos repetidamente, este não auferir
uma remuneração do concedente.
A autora sustenta que auferia uma
remuneração da ré, constituída pelos descontos, em factura e fora de factura,
que esta lhe concedia. Já refutámos detalhadamente esta tese. A ré não pagava
qualquer remuneração à autora e a finalidade dos descontos que a primeira
concedia à segunda era completamente diversa. Para o efeito previsto no artigo
29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, remuneração terá de ser o proveito
económico que a execução do contrato proporcionava à autora. Como anteriormente
referimos, esse proveito resultava da
diferença, para mais, entre os preços da compra de produtos à ré e da revenda dos
mesmos produtos aos seus clientes (margem bruta), deduzida dos custos que tinha
de suportar para levar a cabo tal actividade (daí resultando a margem líquida).
É a margem líquida da autora que deve ser equiparada à remuneração prevista
naquela norma.
Da matéria de facto julgada provada, consta
um único facto que poderá servir para o cálculo da indemnização em causa, a
saber, o de que o resultado líquido total da autora na sua actividade comercial
no ano de 2016 foi de € 11.079,77. Na sentença recorrida, foi com base neste
valor que se calculou a média mensal do equivalente à remuneração da autora no
ano anterior ao da denúncia do contrato, média essa que se cifra em € 923,31.
Em relação a este cálculo, a ré objecta
que o mesmo se baseia no resultado líquido total da autora na sua actividade
comercial no ano de 2016, quando deveria considerar unicamente o resultado
líquido resultante da venda de produtos da ré no âmbito do contrato. Todavia,
continua a ré, não foi possível apurar este último valor, mesmo com recurso a
prova pericial. No relatório pericial, é referido que “Não foram disponibilizados elementos pela autora
que permitam calcular, com fiabilidade, o lucro líquido relativo à venda de
produtos da ré, nos exercícios de 2012 a 2016”. Sendo assim, conclui a ré, não
tendo a autora fornecido tais elementos, nos termos do artigo 417.º do Código
de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos
probatórios. Pretende, assim, a ré a sua absolvição do pedido que vimos
analisando.
A ré tem razão ao afirmar que o cálculo da indemnização estabelecida no artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
178/86, deve basear-se, não no
resultado líquido total da autora no ano de 2016, mas no resultado líquido
obtido pela autora com a comercialização dos produtos da ré nesse ano. Apenas
este último é equiparável, para o efeito estabelecido naquela norma, à remuneração
paga pelo principal ao agente. Não faz sentido calcular uma indemnização a
suportar pela ré incluindo, na base de cálculo, rendimento proveniente da parte
da actividade comercial levada a cabo pela autora com produtos de outras
entidades.
Confrontamo-nos, neste ponto, com o
problema de ausência de prova do resultado líquido da autora que resultou da
venda de produtos da ré no ano de 2016. Os peritos tentaram apurar esse valor,
mas sem êxito, como resulta da página 19 do relatório pericial (fls. 5380). Aí
consta que não
foram disponibilizados elementos, pela autora, que permitam calcular, com
fiabilidade, o resultado líquido relativo à venda de produtos da ré nos
exercícios de 2012 a 2016. Porém, logo de seguida, os peritos revelam a causa
da falta desses elementos, que é a contabilidade da autora não estar organizada
de forma a serem elaborados resultados por centros de actividade/centros de
custos. Não foi, pois, uma recusa da autora em fornecer elementos, mas sim a
falta de um instrumento de gestão mais sofisticado, que determinou a falta de
prova do facto em questão.
A solução a dar a este problema não pode ser a pura e simples não
atribuição de qualquer indemnização à autora. Em termos de normalidade, é
lícito concluir que uma parte do resultado líquido da autora no ano de 2016 foi
proporcionado pela comercialização de produtos da ré e que essa parte equivale
à percentagem da actividade da autora que a distribuição de produtos da ré representou nesse ano, que
foi, como vimos, de 65,36%. A solução que melhor se harmoniza com a ratio do artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, é, pois, proceder ao cálculo
nele previsto tendo por base 65,36% do resultado líquido anual da autora em
2016, o que se traduz na quantia de € 7.241,74. Dividindo este valor por doze
meses, obtemos o valor de € 603,48. Dividindo o mesmo valor por 365, obtemos o
resultado líquido diário: € 19,84. O período de pré-aviso em falta é de oito
meses e um dia, pelo que a indemnização devida pela ré se cifra em € 4.847,68.
Acrescem juros de mora contados desde a citação até integral
pagamento, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto:
- Julgar parcialmente
procedente o recurso interposto pela autora, condenando-se a ré a pagar, a esta
última, uma indemnização, nos termos do artigo 29.º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07, pelos danos decorrentes da
insuficiência de pré-aviso da denúncia do contrato, no montante de € 4.847,68, acrescido de juros de mora, à
taxa supletiva legal, contados desde a citação até
integral pagamento;
- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré,
absolvendo-se esta última do pedido de pagamento de uma indemnização de
clientela ou de quantia equivalente a título de enriquecimento sem causa, de
pagamento de juros de mora sobre tal indemnização e de compensação entre a
mesma indemnização e a quantia que a autora foi condenada a pagar-lhe.
As custas de cada um dos recursos serão suportadas por autora e ré em
função do respectivo decaimento.
Notifique.
*
Évora, 11.02.2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto
[1] Direito Comercial, 4.ª edição, páginas 790-791.
[2] Cfr., sobre esta problemática,
FERNANDO A. FERREIRA PINTO, Contratos de
Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do
vínculo, páginas 358 a 363.
[3]
Cfr. MARIA HELENA BRITO, O Contrato de
Concessão Comercial, 1990, p. 237.
[4] Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX, 3.ª
edição, páginas 975 a 977.
[5]
FERNANDO A. FERREIRA PINTO, obra citada, página 357.
[6] MARIA
HELENA BRITO, Obra citada, p. 238.
[7]
Obra
citada, página
364.
[8] FERNANDO A. FERREIRA PINTO, obra citada, página 529.
[9] Das Obrigações em Geral, vol. 1, 5.ª edição, páginas 871 a 877.
[10] Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil (reimpressão),
1995, páginas 413 a 419.
[11] ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, 9.ª edição
actualizada, p. 139.