quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Acórdão da Relação de Évora de 25.01.2018

Processo n.º 762/16.3T8LSB.E1                                                     

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Sumário:

1 – No âmbito de uma relação contratual de mediação imobiliária em regime de não exclusividade e ressalvando a hipótese prevista na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, a empresa mediadora só adquire o direito à remuneração por efeito da conclusão e perfeição do negócio que a concreta actividade de mediação que desenvolveu teve em vista.

2 – Nessas circunstâncias, se a empresa mediadora angariar um interessado para a compra de determinada fracção autónoma, mas esse negócio não chegar a ser celebrado, não terá direito à remuneração, ainda que o mesmo interessado venha, posteriormente, a comprar uma outra fracção autónoma do mesmo edifício, à mesma pessoa, através de outra empresa mediadora, e que esta última fracção também fosse objecto do contrato de mediação celebrado pela primeira empresa mediadora.

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Relatório

A, Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra Banco, S.A., pedindo a condenação deste último a pagar-lhe a quantia de € 6.150, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

O réu contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador.

Realizou-se a audiência final.

Foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido.

A autora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu a presente acção improcedente.

2) A recorrente não se conformando com o teor da sentença recorrida apresenta pois as seguintes alegações de recurso, impugnando de facto e de direito.

3) Considerou a recorrente que o Tribunal a quo mal andou, ao julgar provados os factos nºs 26 e 27 da decisão impugnada, e, ainda, deu como não provado o facto nº 30.

4) A recorrente na impugnação da matéria de facto realizou a reapreciação da prova gravada, quanto às declarações prestadas por NV, JD e AC, cujas transcrições se encontram na secção II do capítulo da impugnação da matéria de facto e cujo teor se dá por transcrito.

5) Assim, em sequência, entende a recorrente que relativamente à matéria de facto impugnada, os factos provados 26.º e 27.º da sentença recorrida, devem ser dados como não provados, porquanto:

- Resultou da produção de prova, contrariamente à posição sufragada pelo Tribunal a quo, que a empresa ACR, Lda., através do Sr. FO, contactou os interessados NV e JD, e não estes a contactar aquela.

- Resultou que tal contacto ocorreu após os interessados supra mencionados pretenderem desistir do negócio e reaverem o seu sinal, por a fracção N demorar a ser vendida aos mesmos.

- Resultou que o recorrido Banco, S.A. tinha acesso aos contactos dos interessados NV e JD, desde logo porque os mesmos já tinham financiamento aprovado para aquisição da fracção N.

- Resultou que entre a empresa HG e o Banco, S.A. foi acordado, por escrito, em Outubro de 2014, que aquela iria passar a gerir e vender os imóveis pertencentes a esta.

- Resultou que a HG no âmbito de um protocolo de cooperação contratou a empresa ACR, Lda., representada por FO, para mediar as vendas dos imóveis que constituem escopo nos autos.

6) Logo, entendeu-se, salvo melhor opinião, que, em função do princípio de um bom pai de família, que foi o Banco, S.A. quem cedeu à empresa ACR, Lda., os contactos dos interessados para lhes informar da disponibilidade da fracção X.

7) Consequentemente, entende ainda a recorrente que os factos provados n.ºs 26.º e 27.º devem ser dados como não provados porque os citados NV e JD não contactaram a empresa ACR, Lda., para aquisição da fracção X, antes foram os mesmos contactados pela mencionada empresa para proceder à compra de outro imóvel distinto do previamente acordado com o Banco, S.A. e mediado pela A.

Venerandos Juízes,

8) Relativamente ao facto não provado n.º 30, constante da decisão impugnada, considera a recorrente, que

9) Em face da impugnação aduzida quanto aos factos provados nºs 26 e 27, cujo teor dá por reproduzido, é entendimento da recorrente que o Banco, S.A., contrariamente, ao entendimento proferido pelo Tribunal a quo, agiu com o intuito preclaro de defraudar e enganar e lesar os interesses da A em prol de outra entidade com quem operava.

10) Agindo a sociedade recorrida, no entender da recorrente, em total e manifesto abuso de direito em relação a esta, desde logo, por violar a boa fé e a lealdade negocial assumida.

Ora, Venerandos Julgadores,

11) Da prova produzida e impugnada, preclaro se torna que foi a recorrente quem angariou, agiu, e praticou os actos considerados nas alegações de recurso junto dos clientes NV e JD, para aquisição dos apartamentos que constituem o objecto do contrato de mediação em apreço nos autos.

12) Ou seja, cumpriu à recorrente mediar o negócio, aproximar os interessados com vista à aquisição pelos mesmos daquilo que era, afinal, o objecto da mediação junto do cliente, e tudo promoveu para que o mesmo se efectivasse.

13) Factos a que a recorrente não era alheia, até porque o financiamento foi desde logo aprovado para os interessados adquirirem a fracção N.

14) E só por culpa da recorrida o negócio não se efectivou por motivos de legalização do imóvel.

15) Motivo pelo qual o facto não provado nº 30 deve ser dado como provado.

16) A recorrente veio ainda impugnar a matéria de direito, constante da sentença recorrida, entendendo que o Tribunal a quo violou o disposto no art. 19º nº 1 da Lei nº 15/2013 de 8.2.

Porquanto,

17) Por contrato escrito celebrado entre as partes litigantes (doc. Nº 1 junto com a PI), a recorrente obrigou-se perante a recorrida a diligenciar no sentido de angariar clientes para aquisição das fracções Z, R, M, X, AD, N e T, no prédio em escopo nos presentes autos.

Sendo que,

18) Como resultou provado nos factos 7º, 8º 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 22º, 23º, 24º, foi a actuação decisiva da recorrente que aproximou a recorrida dos interessados na aquisição dos imóveis que constituíam o objecto do contrato de mediação imobiliário acordado entre as partes e ainda naqueles que foram alvo da impugnação à matéria de facto.

19) Com efeito, foi devido ao esforço da mediadora/recorrente que desenvolveu as provadas actividades no sentido de angariar um interessado(s) para a celebração do negócio, que o negócio visado pelo contrato de mediação se veio a concretizar, não pela fracção N mas antes pela fracção X (que também constituía o objecto do acordo de mediação) e, com efeito, este negócio foi celebrado com um terceiro angariado pela mediadora (NV e JD), sendo que o foi de tal modo que se pode afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da actividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa.

20) Tem sido entendimento generalizado na jurisprudência que o mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o cliente se o negócio visado vier a ser concluído e desde que a celebração deste tenha sido o corolário ou a consequência da sua actividade – exigindo-se um nexo causal entre a sua actuação (no âmbito da mediação) e a outorga do contrato visado (competindo ao mediador a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação desse mesmo nexo causal).

21) Neste sentido Ac. TRC de 17.12.2014, proc. 242/11.3TBNZR.C1, Catarina Gonçalves; Ac. RL de 07.04.2003, Roque Nogueira; Acórdão do STJ, de 12-12-2013 (Granja da Fonseca).

22) É entendimento da recorrente que, o Tribunal a quo, violou o disposto no art. 19º nº 1 da LEI nº 15/2013 de 8.2, atento o que supra se demonstrou.

23) Logo é entendimento da recorrente, que a mesma, salvo o devido respeito, tem direito à remuneração peticionada nos presentes autos porque foi devido aos esforços por esta encetados entre os interessados e o cliente Banco, S.A. que o negócio de compra da fracção autónoma designada pela letra X veio a ocorrer (A tal não será alheio o facto de o sinal constituído pelos interessados aquando da reserva da fracção N, no montante de € 2500, acabou por servir para amortizar o preço da fracção X).

Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exa., deve o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência:

A) Ser alterada a matéria de facto impugnada, em conformidade com os argumentos expendidos nas presentes alegações e conclusões de recurso;

B) Ser declarado verificado o direito da recorrente à remuneração pela sua actividade de mediação imobiliária em conformidade com a causa de pedir e tema da prova;

C) Ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que condene a R no pedido da recorrente;

Com o que se fará a tão costumada Justiça.

O recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

Da impugnação da matéria de facto:

1) O Tribunal a quo julgou (bem) provados os seguintes factos, ora impugnados pela Recorrente:

«26. A Fracção X foi vendida mediante a intervenção da empresa ACR, Lda..

27. Com a qual os compradores respectivos contactaram, como interessados, para aquisição da referida Fracção X.»

2) Vem a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quanto a estes pontos, por entender que «os factos provados n.º 26º e 27º devem ser dados como não provados porque os citados NV e JD não contactaram a empresa ACR, Lda., para a aquisição da fracção X, antes foram os mesmos contactados pela mencionada empresa para proceder à compra de outro imóvel distinto do previamente acordado com o Banco, S.A. e mediado pela A».

3) Porém, nenhum elemento de prova carreado para os presentes autos permite afirmar que foi a ACR, Lda. a efectuar o primeiro contacto com os compradores.

4) Ainda que assim não fosse, e se desse como provado que a ACR, Lda. contactou os compradores em primeiro lugar, esse facto não contraria os factos constantes dos pontos da matéria de facto ora em causa.

5) Ficou provado que a A, Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. não teve qualquer intervenção na compra e venda da fração X – interveio apenas na tentativa malograda de vender a fracção N –, tendo sido a ACR, Lda. a mediar a venda desta fracção, conforme pode retirar-se dos depoimentos prestados, nomeadamente pela testemunha NG e pela testemunha NV, na audiência final.

6) Os próprios compradores confirmam a autonomia dos negócios, assim como a vontade de, por um lado, desistir da compra da fracção N, e, por outro lado, comprar a fracção X, como é o caso da testemunha JD.

7) Não havendo, portanto, qualquer fundamento para que seja alterada a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.

8) Vem ainda a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto na parte em que se dá como não provado o seguinte:

«30. O referido em 24 e 26 ocorreu com o intuito de enganar ou defraudar e lesar os interesses da Autora».

9) Porém, não resultou sequer provado que tivesse sido o Banco, S.A. a fornecer os contactos dos compradores à ACR, Lda. e menos ainda que o tenha feito com o intuito de enganar ou defraudar e lesar os interesses da autora, ora recorrente.

10) Em suma, não há quaisquer alterações a fazer, devendo manter-se a decisão sobre a matéria de facto, nos precisos termos da sentença recorrida.

Da fundamentação de direito:

11) O Tribunal a quo andou bem ao julgar improcedente a presente acção, ancorando a sua decisão no entendimento de que «parece inequívoco que a Autora mediou a alienação da fracção N, que não se veio a consumar (antes os interessados tendo comprado a fracção X), motivo pelo qual, por tal via e tendo presentes os termos do contrato celebrado entre as partes, não será, naturalmente, devida qualquer remuneração, visto que o negócio mediado não se concretizou (sendo certo que o contrato de mediação celebrado entre as partes previa um regime de exclusividade por apenas 30 dias, já há muito decorridos aquando da celebração do contrato de compra e venda da fracção X)».

12) Ficou provado que, por um lado, a A, Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. interveio exclusivamente na tentativa malograda de venda da fracção N, e que, por outro lado, a ACR, Lda. foi a única mediadora imobiliária com intervenção na venda da fracção X.

13) Nos termos do disposto nas cláusulas 5.1 e 5.3 do Contrato de Mediação Imobiliária, junto com a petição inicial como Doc. n.º 1, o direito a honorários por parte da Autora, ora recorrente, dependia da efectiva venda da fracção em causa, dispondo especificamente o referido ponto 5.3 que «os honorários da mediadora serão devidos após a concretização do negócio, ou seja, após a celebração das Escrituras Públicas de Compra e Venda».

14) Ao que acresce que a recorrente não tinha, nos termos desse contrato, exclusividade na mediação da venda, decorridos que fossem 30 dias de vigência do contrato. Ora, o referido contrato de mediação imobiliária é datado de 9 de Junho de 2014 e a intervenção da recorrente na venda da Fracção N iniciou-se, conforme a própria alega na petição inicial, só em Setembro de 2014, esgotado, pois, que estava, amplamente, o referido período de exclusividade.

15) Afirma a recorrente que tem «direito à remuneração peticionada porque foi devido aos esforços por esta encetados entre os interessados e o cliente Banco, S.A. que o negócio de compra da fracção autónoma designada pela letra X ocorreu», invocando em sustento da sua posição um Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de dezembro de 2014, processo n.º 242/11.3TBNZR.C1, relatora: Catarina Gonçalves.

16) No entanto, esta jurisprudência não será de aplicar ao caso sub judice, porquanto pressupõe que se está a falar da realização do mesmo negócio, ou, no mínimo, de negócio com o mesmo objecto. E em momento algum a A, Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. contribuiu para o negócio que incidiu sobre a fracção X, tendo sido essa negociação, e respectiva venda, inteiramente levada a cabo pela ACR, Lda..

17) Conclui-se que a decisão recorrida não viola o disposto no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, por não se verificarem os pressupostos da sua previsão. Razão pela qual deve ser mantida a decisão recorrida.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

O recurso foi admitido.

Objecto do recurso

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

As questões a resolver são as seguintes:

- Impugnação da matéria de facto;

- Se é devida remuneração à recorrente.

                                            Factualidade apurada

Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A autora é uma empresa que se dedica à actividade de mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI nº 9879.

2. A autora celebrou com o réu, no dia 09/06/2014, um acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, que consta de fls. 14 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Acordo este pelo qual a autora se obrigou com o réu a diligenciar no sentido de angariar e negociar com potenciais interessados para a compra das fracções autónomas - M, N, R, T, X, Z -, sitas em (…), Condomínio (…), Bls. 1, 2 e 3, freguesia e concelho de (…), descrito na CRP de (…) pelo n.º (…), pelos preços ali convencionados.

4. O citado acordo foi feito pelo prazo de 12 meses, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo rescisão de uma das partes mediante o pré-aviso escrito de dez dias, antes do prazo terminar.

5. Nos termos do referido acordo, após a venda de cada fracção indicada em 3, cumpria ao réu, a título de honorários, pagar à autora as quantias indicadas na cláusula 5.

6. Nos termos da cláusula 8.3 do mencionado acordo, cumpria às partes contratantes não utilizar a informação obtida no desenvolvimento dos serviços acordados, em benefício próprio ou de terceiros, e a qualquer título não abrangido pelo acordo.

7. No decorrer do mês de Setembro de 2014, a autora obteve dois interessados na aquisição da fracção N, pelo preço considerado no acordo de mediação imobiliária.

8. Os interessados na aquisição da citada fracção “N” foram NV e JD.

9. A autora comunicou ao réu, no dia 30/09/2014, por e-mail, que havia obtido tais interessados para a aquisição do citado imóvel.

10. Bem como a autora ia comunicando com o réu o desenrolar dos actos desenvolvidos junto dos interessados, através dos representantes do réu nos seus balcões de atendimento junto do concelho de (…).

11. A autora, no dia 01/10/2014, outorgou, com os citados interessados na aquisição do imóvel, documento no qual estes procediam à reserva da citada fracção “N”, mediante a entrega de sinal de reserva no valor de € 2.500.

12. Tendo o interessado JD, no dia 01/10/2014, procedido ao depósito da quantia de € 2.500 para reserva da acima identificada fracção autónoma.

13. Os interessados na aquisição da fracção “N” subscreveram, no dia 23/12/2014, um acordo epigrafado de “contrato-promessa de compra e venda”, em que o réu Banco, S.A., figurava como promitente vendedor e os interessados como promitentes-compradores, relativo à fracção N, que consta de fls. 24 e ss. e que aqui se dá por reproduzido.

14. Os interessados já haviam solicitado crédito hipotecário ao réu para aquisição do imóvel em apreço.

15. Crédito este que, em Novembro de 2014, foi aprovado a favor dos interessados para a aquisição da citada fracção.

16. Acontece que o réu, de imediato, não podia proceder à venda aos interessados da citada fracção N por problemas com o licenciamento camarário.

17. No dia 26/01/2015, o colaborador da autora, NG, remeteu a JX, colaborador do réu, o mail que consta de fls. 30 e que aqui se dá por reproduzido, onde entre o mais se refere: “Envio-lhe mais uma vez e-mail, por forma a questioná-lo em relação ao ponto de situação, licenças, visitas? (…) Como deve calcular, como mediadores, temos o dever de prestar os devidos esclarecimentos aos nossos clientes, esses que constantemente nos contactam, questionam e pedem-nos informações, às quais infelizmente não podemos responder, muito por falta do nosso parceiro de negócio (Banco, S.A.), que nem responde aos emails enviados (…)”.

18. Em resposta, o citado JX procedeu à comunicação que consta de fls. 32 e que aqui se dá por reproduzida, onde entre o mais se refere: “(…) 1. As anomalias identificadas dentro dos apartamentos estão corrigidas. 2 Temos todos os elementos solicitados pela CM (…), excepto a certificação dos elevadores. 3. A administração do condomínio não deu autorização para a realização dos trabalhos de construção civil e nos três elevadores pela Schindler, necessários à certificação dos mesmos. 4. Aguardamos autorização da administração do condomínio, processo este que estamos a tentar desbloquear e sem o qual, impossibilita a obtenção de licenças de utilização. 5. Após autorização da administração do condomínio, informá-lo-ei para que os clientes possam visitar os apartamentos (…)”.

19. A interessada Noélia Vaz, no dia 26/01/2015, remeteu para o Banco, S.A., na pessoa de CK, a comunicação constante de fls. 31, onde entre o mais refere que: “(…) Mas quem é a administração do condomínio? O problema que vemos aqui é dinheiro para certificar os elevadores… Primeiro era a licença de habitação, agora é os elevadores…(…)”.

20. Tendo a sobredita CK respondido a NV através do mail que consta de fls. 31 e que aqui se dá por reproduzido, onde entre o mais se refere que: “(…) Os contratos deverão ser acompanhados da cópia do talão de depósito referente ao sinal. (…)”.

21. Em 02/03/2015 a interessada NV remete a NG a comunicação constante de fls. 33, que aqui se dá por reproduzida, e onde, entre o mais, se refere que “Já há novidades no que concerne à licença/casa…? Continuamos à espera! Mais informo que estou a ficar com alguns problemas (…) Fui contactada pela Conforama que precisam de entregar a sala, pois apenas guardam as coisas por 60 dias e já lá vão 90! O mesmo se passa com os electrodomésticos… (….) Pois nós comprámos tudo em Dezembro, sendo que o crédito foi aprovado no início de Novembro. Ninguém nos informou destes problemas todos, daí comprámos tudo! (…) Se o crédito estava aprovado à partida não havia problemas, seria só marcar a escritura (…)”.

22. JD, NV e o réu concretizaram, em 18/09/2015, o negócio de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao segundo andar – bloco dois – apartamento 22, com direito ao uso exclusivo de uma boxe, designada pelo nº G09, do prédio descrito na CRP de (…) sob o nº (…), pelo preço de € 105.000.

23. Tendo o réu - Banco, S.A. - mutuado aos compradores e mutuários JD e NV a quantia de € 78.750, destinado à aquisição do imóvel constante no ponto antecedente.

24. O réu e os interessados acima identificados alteraram a intenção de adquirir a fracção N que constituía o ensejo acordado dos interessados, passando a adquirir ao réu a fracção X.

25. O réu foi interpelado pela autora, em 23/11/2015, para proceder ao pagamento da comissão à autora, no prazo de 8 dias.

26. A fracção X foi vendida mediante a intervenção da empresa ACR, Lda..

27. Com a qual os compradores respectivos contactaram, como interessados, para aquisição da referida Fracção X.

28. Com efeito, em Outubro de 2014, o Banco, S.A. contratou os serviços da empresa HG para lhe dar apoio na gestão do seu património imobiliário.

29. A HG promoveu a intervenção da mediadora imobiliária acima referida para operar, nessa qualidade, na eventual alienação das fracções integradas no mesmo edifício.

A sentença recorrida julgou não provado o seguinte facto:

30. O referido em 24 e 26 ocorreu com o intuito de enganar ou defraudar e lesar os interesses da autora.

Fundamentação

1

A recorrente afirma que o tribunal recorrido cometeu um erro de julgamento ao, por um lado, julgar provados os factos n.ºs 26 e 27 e, por outro, julgar não provado o facto n.º 30. No seu entendimento, os factos n.ºs 26 e 27 deviam ter sido julgados não provados e o facto n.º 30 devia ter sido julgado provado, pretendendo a alteração da decisão sobre a matéria de facto em conformidade. Para sustentar esta tomada de posição, a recorrente invoca os depoimentos das testemunhas NV, JD e AC.

O artigo 662.º, n.º 1, do CPC, estabelece que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Escreve, a propósito, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, que “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, p. 274). Prossegue o mesmo Autor: “sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de normas imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1.ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto do recurso” (p. 279-280). À objecção de que a Relação, por apenas ter ao seu dispor, além do conteúdo material dos autos, a gravação das provas prestadas oralmente, assim ficando impedida de percepcionar a totalidade dos elementos de comunicação não verbais que possam ter sido relevantes para a formação da convicção do juiz da primeira instância, responde o Autor que vimos citando que tais circunstâncias “deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. (…) se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão” (p. 287-288).

Analisemos, à luz destas regras, a pretensão da recorrente.

A sentença recorrida julgou provado que a fracção X foi vendida mediante a intervenção da empresa A Chave da Retoma, Lda. (facto n.º 26). Ora, a argumentação exposta pela recorrente, sintetizada nos n.ºs 5 a 7 das suas conclusões, em nada contende com este facto, antes visando a questão de saber quem efectuou o primeiro contacto, decidida no n.º 27 da sentença recorrida. Mais, no n.º 7 das suas conclusões, a recorrente admite expressamente que foi a ACR, Lda. quem interveio na compra e venda da fracção X. No que concerne à prova, resulta dos depoimentos das testemunhas NV, JD, AC e PP, não contrariados por qualquer outro meio de prova, que, efectivamente, foi a ACR, Lda. quem interveio na compra e venda da fracção X. Concluímos, pois, que a sentença recorrida decidiu a matéria do n.º 26 em conformidade com a prova produzida, inexistindo erro de julgamento.

Por outro lado, a sentença recorrida julgou provado que foram os compradores, NV e JD, quem contactou a ACR, Lda. para a aquisição da fracção X (n.º 27). Neste ponto, a recorrente tem razão, pois inexistiu prova desse facto. NG e SM nada sabiam sobre esta matéria. NV não foi precisa, pois referiu a existência de contactos, mas não quem teve a iniciativa dos mesmos. JD afirmou que, após desistirem da compra da fracção N, lhes surgiu um contacto e a oportunidade de adquirirem a fracção X. Instado a precisar esta afirmação, JD respondeu “o contacto chegou-nos, não sei dizer”, acrescentando que, provavelmente, terá sido o Sr. FO, da ACR, Lda. e que nem sequer se recordava se foi ele próprio ou NV a receber tal contacto. AC nada disse com interesse para a decisão do facto em questão. PP afirmou que foram os compradores a abordar a ACR, Lda., mas sem conhecimento directo de tal facto. Perante este conjunto de depoimentos testemunhais e na falta de outros meios de prova, inexistia, como referimos, fundamento para julgar provado o que consta do n.º 27. Verificou-se, pois, erro de julgamento quanto a este concreto ponto da matéria de facto, pelo que o conteúdo do n.º 27 dos factos provados passará a constar da matéria de facto não provada, tal como a recorrente pretende.

Finalmente, inexiste fundamento para julgar provado o conteúdo do n.º 30 da sentença recorrida, ou seja, que o recorrido e os compradores, NV e JD, deixaram de efectuar a compra e venda da fracção N e efectuaram a compra e venda da fracção X, mediante a intervenção da ACR, Lda., com o intuito de enganar ou de defraudar e lesar os interesses da recorrente. Aquilo que resulta da prova testemunhal é precisamente o contrário, ou seja, que as razões que levaram NV e JD a desistirem da compra da fracção N e, posteriormente, a comprarem a fracção X, são perfeitamente compreensíveis. Assim, NG, SM, NV e JD convergiram na afirmação de que se verificou uma demora anormal entre o momento da reserva da fracção N e aquele em que a venda podia ser efectuada e de que tal demora causou grande descontentamento aos dois últimos, que constantemente reclamavam e pediam explicações. Nestas circunstâncias, o facto de NV e JD – que, saliente-se, fizeram a reserva por um prazo de apenas 30 dias, como resulta do documento de fls. 21 – terem desistido da aquisição da fracção N ao fim de cerca de 9 meses de espera surge como natural e foi convincentemente justificado pelos próprios nos depoimentos que prestaram. No que toca ao surgimento do interesse de NV e de JD pela aquisição da fracção X, também os depoimentos por estes prestados são absolutamente convincentes e afastam a ideia de que tenha havido uma “troca” de fracções com o intuito de prejudicar a recorrente. Com efeito, ambos foram claros no sentido de que a hipótese de compra da fracção X apenas surgiu depois de terem desistido da compra da fracção N e na sequência de desistência por parte da pessoa que havia reservado a primeira. NV foi ainda muito clara sobre a razão por que ela e JD decidiram comprar a fracção X, à qual nunca haviam tido acesso, por estar reservada para outrem: gostaram muito dela; inclusivamente, acharam-na melhor que a N. Não quiseram enganar ou defraudar a recorrente. O recorrido, por seu turno, limitou-se a vender a fracção que os compradores escolheram. Perante isto, é evidente a falta de fundamento para julgar provado o conteúdo do n.º 30 da sentença recorrida, não merecendo esta última censura nesse aspecto.

Concluindo: A única alteração a introduzir na decisão sobre a matéria de facto consiste em o conteúdo do n.º 27 passar a constar da matéria de facto não provada.

Assim, a matéria de facto relevante para a decisão da causa fica fixada nos seguintes termos:

Factos provados:

1. A autora é uma empresa que se dedica à actividade de mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI nº 9879.

2. A autora celebrou com o réu, no dia 09/06/2014, um acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, que consta de fls. 14 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Acordo este pelo qual a autora se obrigou com o réu a diligenciar no sentido de angariar e negociar com potenciais interessados para a compra das fracções autónomas - M, N, R, T, X, Z -, sitas em (…), Condomínio (…), Bls. 1, 2 e 3, freguesia e concelho de (…), descrito na CRP de (…) pelo n.º (…), pelos preços ali convencionados.

4. O citado acordo foi feito pelo prazo de 12 meses, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo rescisão de uma das partes mediante o pré-aviso escrito de dez dias, antes do prazo terminar.

5. Nos termos do referido acordo, após a venda de cada fracção indicada em 3, cumpria ao réu, a título de honorários, pagar à autora as quantias indicadas na cláusula 5.

6. Nos termos da cláusula 8.3 do mencionado acordo, cumpria às partes contratantes não utilizar a informação obtida no desenvolvimento dos serviços acordados, em benefício próprio ou de terceiros, e a qualquer título não abrangido pelo acordo.

7. No decorrer do mês de Setembro de 2014, a autora obteve dois interessados na aquisição da fracção N, pelo preço considerado no acordo de mediação imobiliária.

8. Os interessados na aquisição da citada fracção “N” foram NV e JD.

9. A autora comunicou ao réu, no dia 30/09/2014, por e-mail, que havia obtido tais interessados para a aquisição do citado imóvel.

10. Bem como a autora ia comunicando com o réu o desenrolar dos actos desenvolvidos junto dos interessados, através dos representantes do réu nos seus balcões de atendimento junto do concelho de (…).

11. A autora, no dia 01/10/2014, outorgou, com os citados interessados na aquisição do imóvel, documento no qual estes procediam à reserva da citada fracção “N”, mediante a entrega de sinal de reserva no valor de € 2.500.

12. Tendo o interessado JD, no dia 01/10/2014, procedido ao depósito da quantia de € 2.500 para reserva da acima identificada fracção autónoma.

13. Os interessados na aquisição da fracção “N” subscreveram, no dia 23/12/2014, um acordo epigrafado de “contrato-promessa de compra e venda”, em que o réu Banco, S.A., figurava como promitente vendedor e os interessados como promitentes-compradores, relativo à fracção N, que consta de fls. 24 e ss. e que aqui se dá por reproduzido.

14. Os interessados já haviam solicitado crédito hipotecário ao réu para aquisição do imóvel em apreço.

15. Crédito este que, em Novembro de 2014, foi aprovado a favor dos interessados para a aquisição da citada fracção.

16. Acontece que o réu, de imediato, não podia proceder à venda aos interessados da citada fracção N por problemas com o licenciamento camarário.

17. No dia 26/01/2015, o colaborador da autora, NG, remeteu a JX, colaborador do réu, o mail que consta de fls. 30 e que aqui se dá por reproduzido, onde entre o mais se refere: “Envio-lhe mais uma vez e-mail, por forma a questioná-lo em relação ao ponto de situação, licenças, visitas? (…) Como deve calcular, como mediadores, temos o dever de prestar os devidos esclarecimentos aos nossos clientes, esses que constantemente nos contactam, questionam e pedem-nos informações, às quais infelizmente não podemos responder, muito por falta do nosso parceiro de negócio (Banco, S.A.), que nem responde aos emails enviados (…)”.

18. Em resposta, o citado JX procedeu à comunicação que consta de fls. 32 e que aqui se dá por reproduzida, onde entre o mais se refere: “(…) 1. As anomalias identificadas dentro dos apartamentos estão corrigidas. 2 Temos todos os elementos solicitados pela CM (…), excepto a certificação dos elevadores. 3. A administração do condomínio não deu autorização para a realização dos trabalhos de construção civil e nos três elevadores pela Schindler, necessários à certificação dos mesmos. 4. Aguardamos autorização da administração do condomínio, processo este que estamos a tentar desbloquear e sem o qual, impossibilita a obtenção de licenças de utilização. 5. Após autorização da administração do condomínio, informá-lo-ei para que os clientes possam visitar os apartamentos (…)”.

19. A interessada NV, no dia 26/01/2015, remeteu para o Banco, S.A., na pessoa de CK, a comunicação constante de fls. 31, onde entre o mais refere que: “(…) Mas quem é a administração do condomínio? O problema que vemos aqui é dinheiro para certificar os elevadores… Primeiro era a licença de habitação, agora é os elevadores…(…)”.

20. Tendo a sobredita CK respondido a NV através do mail que consta de fls. 31 e que aqui se dá por reproduzido, onde entre o mais se refere que: “(…) Os contratos deverão ser acompanhados da cópia do talão de depósito referente ao sinal. (…)”.

21. Em 02/03/2015 a interessada NV remete a NG a comunicação constante de fls. 33, que aqui se dá por reproduzida, e onde, entre o mais, se refere que “Já há novidades no que concerne à licença/casa…? Continuamos à espera! Mais informo que estou a ficar com alguns problemas (…) Fui contactada pela Conforama que precisam de entregar a sala, pois apenas guardam as coisas por 60 dias e já lá vão 90! O mesmo se passa com os electrodomésticos… (….) Pois nós comprámos tudo em Dezembro, sendo que o crédito foi aprovado no início de Novembro. Ninguém nos informou destes problemas todos, daí comprámos tudo! (…) Se o crédito estava aprovado à partida não havia problemas, seria só marcar a escritura (…)”.

22. JD, NV e o réu concretizaram, em 18/09/2015, o negócio de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao segundo andar – bloco dois – apartamento 22, com direito ao uso exclusivo de uma boxe, designada pelo nº G09, do prédio descrito na CRP de (…) sob o n.º (…), pelo preço de € 105.000.

23. Tendo o réu Banco, S.A. mutuado aos compradores e mutuários JD e NV a quantia de € 78.750, destinado à aquisição do imóvel constante no ponto antecedente.

24. O réu e os interessados acima identificados alteraram a intenção de adquirir a fracção N que constituía o ensejo acordado dos interessados, passando a adquirir ao réu a fracção X.

25. O réu foi interpelado pela autora, em 23/11/2015, para proceder ao pagamento da comissão à autora, no prazo de 8 dias.

26. A fracção X foi vendida mediante a intervenção da empresa ACR, Lda..

27. Com efeito, em Outubro de 2014, o Banco, S.A. contratou os serviços da empresa HG para lhe dar apoio na gestão do seu património imobiliário.

28. A HG promoveu a intervenção da mediadora imobiliária acima referida para operar, nessa qualidade, na eventual alienação das fracções integradas no mesmo edifício.

Factos não provados:

A) JD e NV contactaram a sociedade ACR, Lda., como interessados, para aquisição da fracção X.

B) O referido em 24 e 26 ocorreu com o intuito de enganar ou defraudar e lesar os interesses da autora.

2

Comecemos por um breve enquadramento jurídico da situação dos autos.

O exercício da actividade de mediação imobiliária está actualmente regulado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

O artigo 2.º, n.º 1, desta lei, estabelece que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que a actividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes acções: a) Prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.

O artigo 19.º, n.º 1, da mesma lei, estabelece que a remuneração da empresa de mediação imobiliária é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação; porém, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. O n.º 2 estatui que é igualmente devida, à empresa de mediação imobiliária, a remuneração acordada, nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

No caso dos autos, está provado que a recorrente, no exercício da actividade que constitui o seu objecto, celebrou, com o recorrido, no dia 09.06.2014, um contrato de mediação imobiliária mediante o qual se obrigou a diligenciar no sentido de angariar e negociar com potenciais interessados a compra das fracções autónomas M, N, R, T, X, Z sitas em (…), Condomínio (…), Bls. 1, 2 e 3, freguesia e concelho de (…), descrito na CRP de (…) pelo n.º (…), por determinados preços. Foi estipulado, nomeadamente, que o prazo de vigência do contrato era de 12 meses, com renovação automática por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo rescisão de uma das partes mediante pré-aviso escrito de dez dias antes do prazo terminar; que, durante os primeiros 30 dias de vigência do contrato, a recorrente era contratada em regime de exclusividade (6.1. do contrato de mediação); que, findo esse período inicial de 30 dias, a recorrente era contratada em regime de não exclusividade (6.1. do contrato de mediação); e que, após a venda de cada uma das referidas fracções, cumpria ao recorrido pagar à autora, a título de honorários, as quantias indicadas na cláusula 5.

Em Setembro de 2014, a recorrente angariou dois interessados na aquisição da fracção N, NV e JD, facto que comunicou ao recorrido. Posteriormente, a recorrente foi comunicando ao recorrido o desenrolar dos actos desenvolvidos junto de NV e JD. No dia 01.10.2014, a recorrente outorgou, com NV e JD, um documento mediante o qual estes procederam à reserva da fracção N, mediante a entrega de sinal de reserva no valor de € 2.500, tendo o interessado JD procedido ao depósito desse valor. Em Novembro de 2014, o recorrido aprovou a concessão de crédito a NV e JD para a aquisição da fracção N. No dia 23.12.2014, NV e JD subscreveram um documento epigrafado de “contrato-promessa de compra e venda”, relativo à fracção N, no qual o recorrido figurava como promitente-vendedor e aqueles como promitentes-compradores.

Portanto, a recorrente praticou diversos actos de execução do contrato de mediação, tendo em vista a celebração de um contrato de compra e venda da fracção N entre o recorrido e os referidos interessados. Porém, esse contrato de compra e venda não chegou a ser celebrado, pelo que, nos termos do n.º 1 do citado artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, a recorrente não tem direito à remuneração estipulada. Note-se que NV e JD foram angariados como interessados na compra da fracção N fora do período de exclusividade do contrato de mediação, pelo que está excluída, sem necessidade de outras indagações, a aplicabilidade do n.º 2 do mesmo artigo.

A isto, a recorrente contrapõe que foi ela quem angariou NV e JD, aproximando-os do recorrido “na aquisição dos imóveis que constituíam o objecto do contrato de mediação imobiliária”, que esses interessados, embora não comprando a fracção N, acabaram por comprar a fracção X e que esta última também era objecto do contrato de mediação imobiliária que o recorrido consigo celebrou. Na tese da recorrente, é indiferente que NV e JD tenham acabado por comprar a fracção X e não a N, dada a descrita conjugação de circunstâncias, que permitem “afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da actividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa”.

Porém, a recorrente não tem razão.

Note-se, em primeiro lugar, que a recorrente angariou NV e JD apenas com vista à compra e venda da fracção N e não, como vem sustentar nas suas alegações de recurso, “dos imóveis que constituíam o objecto do contrato de mediação imobiliária”. Foi a fracção N que NV e JD reservaram perante a recorrente, foi para esse fim que eles entregaram a quantia de € 2.500 e nunca o relacionamento comercial entre eles teve por objecto outra fracção.

NV e JD acabaram por não comprar a fracção N. É quanto basta para concluir, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, que a recorrente não tem direito a qualquer remuneração. É certo que a recorrente acaba por não obter qualquer compensação pela actividade de mediação que desenvolveu com vista à venda da fracção N a NV e JD, mas, atento o regime de não exclusividade então vigente, isso é um risco próprio do seu ramo de negócio, face ao disposto na lei.

Não releva que, posteriormente, NV e JD tenham comprado a fracção X ao recorrido. Nunca a recorrente desenvolveu qualquer actividade com vista à venda desta fracção a NV e JD, inexistindo fundamento para afirmar que estes compraram a mesma fracção graças à actividade por aquela desenvolvida. Ao contrário do que a recorrente sustenta nas suas alegações de recurso, não se provou a existência de um nexo de causalidade entre a actividade de mediação por si desenvolvida e a aquisição da fracção X por NV e JD, pela simples razão de que a referida actividade não teve por objecto a venda realizada, mas uma outra, que não se concretizou. Tanto quanto se provou, a celebração do contrato de compra e venda da fracção X resultou exclusivamente da actividade de mediação levada a cabo por uma empresa de mediação imobiliária diversa da recorrente.

Note-se, por último, que, se se tivesse provado que o recorrido e os compradores, NV e JD, deixaram de efectuar a compra e venda da fracção N e efectuaram a compra e venda da fracção X com o intuito de enganar ou de defraudar e lesar os interesses da recorrente, poderia, eventualmente, equacionar-se uma solução jurídica diversa da exposta com fundamento no disposto nos artigos 334.º ou 762.º, n.º 2, do Código Civil. Porém, tal prova não foi feita, pelo que a questão não se coloca.

Em conclusão, o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.  

Decisão

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

*

Évora, 25 de Janeiro de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.ª adjunta

2.º adjunto

 

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

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