quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Acórdão da Relação de Évora de 14.07.2021

Processo n.º 52878/20.5YIPRT.E1

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Sumário:

1 – O contrato de mediação imobiliária encontra-se sujeito à forma escrita e deve conter as especificações previstas no n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, sob pena de nulidade, a qual, porém, não pode ser invocada pela empresa de mediação.

2 – O n.º 1 do artigo 364.º do Código Civil veda, à empresa de mediação, provar o conteúdo de um contrato de mediação imobiliária, tendo em vista a condenação do cliente no pagamento de uma remuneração que considera ser-lhe devida por efeito desse contrato, através de declarações de parte do seu legal representante e de testemunhas.

3 – Invocando a autora, empresa de mediação imobiliária, como causa de pedir, que, em consequência da sua intervenção, o cliente celebrou um contrato-promessa de compra e venda e, por isso, lhe deve uma remuneração, está vedado, ao tribunal, conhecer da questão da hipotética celebração do contrato prometido e condenar o cliente no pagamento com fundamento na celebração deste último.

4 – Só se o contrato de mediação imobiliária o previr é que será devida uma remuneração à empresa de mediação aquando da celebração de contrato-promessa que tenha por objecto o negócio visado pelo exercício da mediação.

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IU, Lda., apresentou requerimento de injunção contra PF, com vista à cobrança da quantia de € 10.493,84, correspondendo € 10.147,50 à dívida de capital, € 142,34 a juros de mora e € 102 à taxa de justiça paga. Invocou a seguinte causa de pedir: celebrou um contrato de mediação imobiliária com o requerido, tendo em vista a venda de um imóvel a este pertencente, no qual acordaram uma comissão de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor do negócio; em 23.11.2018, foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, do qual consta a intervenção da requerente, tendo, assim, esta prestado o serviço contratado; nessa data, o requerido recebeu a quantia de € 16.000 a título de sinal e não lhe pagou a comissão devida, não obstante ter sido para o efeito interpelado, primeiro por carta e depois através de notificação judicial avulsa.

O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, por um lado, que, sendo verdade que um angariador da requerente teve intervenção na celebração de um contrato-promessa de compra e venda do seu apartamento, o contrato prometido nunca se realizou, pelo que não é devedor de qualquer comissão, e, por outro, que o contrato de mediação imobiliária que eventualmente tenha celebrado com a requerente não foi reduzido a escrito, o que determina a sua nulidade.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.

A requerente interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Entendeu o tribunal recorrido, nos autos supra identificados, julgar improcedente a acção e o pedido formulado pela requerente (aqui recorrente) e julgar procedente a excepção de nulidade invocada pela requerida. Contudo, fê-lo, em nossa opinião e salvo melhor entendimento, com violação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e em desconformidade com as normas, regras e princípios que enformam o nosso ordenamento jurídico.

2. O presente recurso sobre a sentença proferida quanto à matéria de facto funda-se no entendimento da recorrente de que o tribunal a quo fez uma incorrecta reapreciação da prova produzida no processo, dando como não provados factos que, em rigor, resultaram suficientemente provados.

3. A recorrente defende a tese de que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito aquando da angariação do imóvel, por volta do verão de 2018, onde foi acordado que o valor da remuneração seria de 5% mais IVA sobre o valor da venda.

4. Foi encontrado comprador para o imóvel da recorrida, através de anúncio publicado na internet e gerido pela recorrente. Levando esta a cabo diversos serviços de forma a encontrar comprador…o que aconteceu!!! Cumpriu escrupulosamente a sua parte do contrato!

5. Comprador esse que surge através da recorrente que após visita ao imóvel, mostrou interesse no mesmo, tendo sido celebrado contrato promessa de compra venda em 23.11.2018.

6. Nesse contrato está bem patente na sua clausula oitava que há intervenção imobiliária, nomeadamente da IU, Lda., aqui recorrente.

7. A escritura pública veio a concretizar-se em 20.07.2020 conforme certidão de registo predial junta aos autos, não sendo verdade que o negócio não se viria a concretizar.

8. Não obstante o tribunal deu como não provado os termos do negócio nem tão pouco deu como provado quando deveria ter sido efectuado o pagamento. (com a conclusão do negócio final).

9. A fundamentação da decisão acerca da matéria de facto encontra-se plasmada a fls. 4 e 6 da sentença ora recorrida, nos termos da qual a Mma. Juiz a quo considera pouco credíveis as declarações do representante legal da recorrente.

10. Na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto dada como não provada, a sentença recorrida refere que resultaram da ausência de prova e afirmando que toda a prova documental junta foi “inócua ou inútil”.

11. É relativamente a esta decisão acerca da matéria de facto dada como não provada, que a recorrente se insurge, pois, salvo melhor opinião, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou prova bastante e suficiente para que aqueles factos tivessem sido dados como provados.

12. Desde logo, a Mma. Juiz a quo, na sentença, refere que a testemunha DC não mereceu credibilidade quando o seu depoimento em tudo é coincidente quer com o da testemunha NP quer com o da testemunha JN.

13. Da prova produzida, destacam-se os seguintes depoimentos, como mais relevantes para a decisão da matéria de facto: Testemunha: DC ouvido no dia 12.01.2021 [das 14:37:23 as 14:56:55 (00:00:01a00:19:32)] ficheiro 20210112143200 _ 3628000 _ 287793 acta com a ref.ª::91628125;

14. Testemunha NP ouvida no dia 12.02.2021 [das14:57:26 a 15:11:14) ficheiro 20210112145725 _ 3628000 _ 2871793 – acta com a ref.ª: :91628125;

15. Testemunha JN ouvido no dia 12.02.2021 [das15:20:47 a 15:36:22) ficheiro 201011 _ 2152046 3628000 _2871791 – acta com a ref.ª: :91628125;

16. Ora, não obstante a factualidade alegada e as questões levantadas pela recorrente, a decisão proferida, incompreensivelmente, faz tábua rasa das questões que lhe foram colocadas e submetidas à sua apreciação.

17. No caso dos autos, constata-se que estamos perante uma mera e simples adesão aos fundamentos alegados pela requerida no que respeita à invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária sem que tenha sido realizado um verdadeiro julgamento da matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa e a justa composição do litígio.

18. Pois, se é verdade que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção, isso não o dispensa de discriminar os factos que considera provados e os que considera não provados, de analisar criticamente as provas, indicar as ilações tiradas de factos instrumentais e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e deve ainda interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo desta forma pela decisão final.

19. Aliás, no que concerne aos factos não provados, o que se verifica é uma total falta de fundamentação de facto, porquanto o tribunal recorrido não explicita as razões que o levaram a não considerar como provado os termos do negócio, não consubstanciam um reconhecimento do direito da recorrente, quando deveria atenta a invocação da dita nulidade, verificar a situação abusiva e ilegítima por parte da recorrida e verificar a situação de abuso de direito e de incumprimento contratual.

20. Vedando-se à recorrente a possibilidade de compreender e controlar a razão pela qual o tribunal recorrido chegou à decisão recorrida, qual o raciocínio lógico que seguiu e os argumentos em que se baseou para decidir como decidiu.

21. De facto, não resulta daquela decisão, quais os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem se vê que tenha sido compatibilizada toda a matéria de facto adquirida e constante dos autos.

22. Na verdade, o tribunal recorrido não emite qualquer juízo ou explana qualquer razão de facto para justificar o motivo pelo qual não considerou verificada a clara manifestação de abuso de direito, e o incumprimento contratual por parte da recorrida que nunca negou as acções de promoção e divulgação levadas a cabo pela recorrente.

23. Aliás, esta questão abusiva e ilegítima nem sequer foi ponderada pelo tribunal, sendo de conhecimento oficioso.

24. Assim, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, a prova efectivamente produzida, a matéria de facto provada, bem como uma correcta interpretação e aplicação do direito impunham como sua decorrência lógica que se tivesse dado como provado, e não como não provado, que: “o contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.” e que “as partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda”.

25. Isto porque, embora, e, no que diz respeito ao reconhecimento do direito do credor, sempre seria possível concluir da sua existência através das regras da lógica e da experiência.

26. "Ante os factos submetidos à sua apreciação, o tribunal recorrido de foram singela e simplista, sem fazer uma conjugação da prova efectivamente produzida nos autos, analisando-a criticamente, sem expor o processo lógico e racional que seguiu, decidiu que nada seria devido a recorrente por não ter junto qualquer documento que ateste as condições do negócio.

27. No que concerne à fundamentação da matéria de facto, mormente, no que se refere aos factos não provados, não é possível à recorrente aferir se o tribunal a quo aquilatou, sequer, da possibilidade de ter havido um reconhecimento tácito do direito da recorrente.

28. O que é manifestamente insuficiente para convencer a recorrente da bondade da decisão.

29. Entende a recorrente que é ilegítimo a recorrida vir invocar a nulidade de um contrato de mediação com base em alegadamente não se recordar de assinar quando em toda a relação contratual se comportou como se esse contrato existisse, beneficiando dos serviços da recorrente.

30. Violou o tribunal recorrido a interpretação e aplicação que fez dos artigos 334.º, 406.º e 798.º todos do Código Civil e 607.º, n.º 4, 615.º, b) e c) do CPC e artigo 19, nº 1 da lei 15/2013.

O recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - Esteve bem o tribunal a quo ao decidir como decidiu, julgando a acção totalmente improcedente.

II - Importa salientar ser o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aquele que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena.

III - Como aliás é totalmente pacífico no seio das decisões jurisprudenciais, uma eventual alteração da matéria de facto só deverá ocorrer se existirem elementos que a imponham muito claramente, não bastando que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes, conforme ressalta do n.º 1 do art.º 662 do C.P.C., ao condicionar a modificação da decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância à existência de elementos que, por si só, imponham decisão diversa da recorrida.

IV - Os fragmentos dos depoimentos mencionados pela apelante, não poderão suportar a alteração da matéria de facto dada como não provada, para provada, e colocada em crise, por manifestamente insuficientes.

V - A apelante não carreia para o processo outras e melhores provas capazes de infirmar a factualidade dada como provada pelo tribunal a quo, obstando pois à formação de nova convicção em substituição da espelhada na decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, impondo-se assim a manutenção dos factos dados como provados e não provados.

VI - O contrato de mediação é nulo desde o seu início, por não ter sido respeitada a forma escrita, e não tendo sido acordado qualquer dos elementos essenciais de tal contrato, nomeadamente a retribuição da mediação, a exclusividade ou não, entre outros.

VII - Teremos igualmente de concluir que a pretensão da requerida não tem igualmente provimento porquanto a mesma baseou o seu pedido no disposto no supra citado artº 19º, nº 1 da lei 15/2013, segunda parte, não demonstrando que assim tenha sido acordado.

VIII - No caso dos autos, não ficou provado que tal regime tivesse sido acordado.

IX - Concordamos integralmente com a fundamentação da M.ª Juiz quanto à matéria de direito, na qual declarou a nulidade do contrato celebrado de mediação imobiliária celebrado entre as partes e, consequentemente, absolveu o recorrido da totalidade do peticionado, bem como impossibilidade de fixação de qualquer valor a título de restituição ao abrigo do disposto no Art.º 289.º do C.C.

X - Termos em que se requer que a presente apelação seja julgada improcedente, por não provada, e consequentemente, seja confirmada a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

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As questões a resolver são as seguintes:

1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2 – Direito da recorrente à remuneração peticionada.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A autora dedica-se à prestação de serviços de mediação imobiliária.

2. No âmbito da sua actividade, a autora celebrou com o réu um contrato de mediação com vista à venda do seu imóvel.

3. A 23 de Novembro de 2018 foi celebrado contrato-promessa de compra e venda no qual é referida a intervenção da autora.

4. Aquando da celebração do contrato-promessa o réu recebeu a quantia pecuniária de € 16.000,00 (dezasseis mil euros).

5. A autora emitiu factura a 04 de Março de 2020 no montante de € 10.147,50 (dez mil cento e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos) com IVA incluído, a qual remeteu ao réu.

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

a) O contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.

b) As partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.

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1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

O tribunal a quo julgou não provado que:

a) O contrato de mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o valor do negócio.

b) As partes acordaram que a remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.

A recorrente pretende que estes factos sejam julgados provados em sede de recurso. Para sustentar tal pretensão, invoca as declarações de parte do seu legal representante, DC, e os depoimentos das testemunhas NP e JN.

Estamos perante factos respeitantes ao conteúdo do contrato de mediação imobiliária celebrado entre recorrente e recorrido, referido no n.º 2 da matéria de facto provada, com cuja prova a primeira pretende obter a condenação do segundo na realização de uma prestação que, no seu entendimento e pressupondo a validade do contrato, resulta deste último. Coloca-se a questão da admissibilidade legal de prova desses factos por meio de declarações de parte e de testemunhas.

O n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, estabelece que o contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito. O n.º 2 especifica o conteúdo obrigatório do contrato, integrando esse conteúdo a identificação do negócio visado pelo exercício da mediação [al. b)] e as condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável [al. c)]. O n.º 5 dispõe que o incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Estamos, portanto, perante um contrato que, por determinação legal, tem de ser, no mínimo, celebrado através de documento particular (sobre o conceito de documento particular, cfr. o artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil). A observância da forma escrita constitui condição de validade do contrato, tratando-se, portanto, de uma formalidade ad substantiam.

O artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. Daqui resulta a inadmissibilidade legal da prova do conteúdo de contrato de mediação imobiliária, para o efeito de obter o seu cumprimento, através de declarações de parte ou de testemunhas.

Sendo assim, a prova dos factos em questão nunca poderia ser feita através de declarações de parte ou de testemunhas, como a recorrente pretende. Razão suficiente para não se poder alterar a decisão do tribunal a quo sobre os mesmos factos.

Sem embargo daquilo que acabamos de concluir, observaremos ainda que a prova de qualquer dos dois factos em questão é inútil.

Como veremos no ponto seguinte, tendo em conta a delimitação da causa de pedir feita pela recorrente, determinante do âmbito do poder de cognição do tribunal (artigos 5.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), inexiste fundamento para, nesta acção, condenar o recorrido a pagar qualquer remuneração à recorrente. Daí que seja indiferente o valor eventualmente acordado para essa remuneração.

Como também veremos no ponto seguinte, o facto referido em b) é desfavorável à recorrente, pois, pedindo esta o pagamento de uma comissão por efeito da mera celebração de um contrato-promessa de compra e venda, o facto de a remuneração ser devida à recorrente apenas com a celebração do contrato de compra e venda determina a improcedência daquele pedido. Além disso, é inútil a prova da estipulação desse regime de remuneração no contrato de mediação imobiliária porquanto é esse o regime supletivo estabelecido no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013.

2 – Direito da recorrente à remuneração peticionada:

Importa delimitar com rigor a causa de pedir, porquanto a recorrente afirma, nas suas alegações, que submeteu à apreciação do tribunal a quo o facto de o recorrido ter celebrado o contrato de compra e venda do seu imóvel com os clientes por si angariados.

Esta afirmação não corresponde à verdade. Como referimos no relatório deste acórdão, a causa de pedir invocada pela recorrente foi a celebração de um contrato de mediação imobiliária com o recorrido tendo em vista a venda de um imóvel a este pertencente, no qual foi estipulada uma comissão de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor do negócio, e a posterior celebração de um contrato-promessa de compra e venda do referido imóvel entre o recorrido e terceiro, com menção da intervenção da recorrente, concluindo esta que, com a celebração deste último contrato, prestou o serviço contratado. A recorrente não alegou a celebração do contrato prometido, nem invocou que o direito ao recebimento da comissão dela resultou. Tudo isto resulta claramente do requerimento de injunção.

Foi em face da causa de pedir assim configurada pela recorrente que o recorrido exerceu o seu direito ao contraditório, invocando, na oposição que deduziu, além do mais, que a recorrente não adquiriu o direito à comissão com a simples celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Foi também com base na causa de pedir invocada pela recorrente que o tribunal a quo decidiu o mérito da causa. Nomeadamente, a celebração do contrato de compra e venda do imóvel do recorrido não consta, nem dos factos provados, nem dos não provados. Nem podia o tribunal a quo deixar de assim proceder. Se tivesse extravasado do objecto do processo tal como este foi definido pela recorrente através da alegação dos factos que integram a causa de pedir, o tribunal a quo teria violado o disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, e, consequentemente, a sentença recorrida seria nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do mesmo código.

Portanto, a acção terá de ser decidida em função dos contornos que a recorrente lhe fixou através da alegação dos factos integrantes da causa de pedir. O princípio do dispositivo, que se mantém no CPC de 2013, impõe que o tribunal respeite a definição do litígio que é feita pelas partes. Tendo a recorrente invocado determinada causa de pedir, não podia o tribunal a quo decidir a causa em primeira instância, nem pode o tribunal ad quem decidir o recurso, com base em causa de pedir diversa.

Concluindo, está em causa saber se, por efeito da celebração do contrato-promessa de compra e venda referido nos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, a recorrente adquiriu o direito de receber a remuneração que reclama do recorrido.

O artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, estabelece que a remuneração da empresa de mediação imobiliária é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração àquela empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

Decorre desta norma que, em regra, a remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. Aquela empresa apenas terá direito a uma remuneração aquando da celebração de contrato-promessa que tenha por objecto o negócio visado pelo exercício da mediação se tal tiver sido estipulado no contrato de mediação imobiliária.

No caso dos autos, não está provado que tenha sido estipulado no contrato de mediação imobiliária que a recorrente tinha direito a uma remuneração aquando da celebração do contrato-promessa pelo recorrido. Daí que, independentemente das questões da nulidade do contrato de mediação imobiliária por inobservância da forma legalmente prescrita e de a invocação dessa nulidade pelo recorrido poder consubstanciar um abuso do direito, se imponha a conclusão de que, por via da aplicação do regime legal supletivo segundo o qual a remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o recorrido não poderá ser condenado, nesta acção, a pagar à recorrente a remuneração que esta peticiona, fundada na mera celebração do contrato-promessa de compra e venda.

Resulta do exposto que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

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Évora, 14 de Julho de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

1.º adjunto

2.º adjunto 

 

Acórdão da Relação de Évora de 11.01.2024

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