Processo n.º 52878/20.5YIPRT.E1
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Sumário:
1 – O contrato de mediação imobiliária
encontra-se sujeito à forma escrita e deve conter as especificações previstas
no n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08.02, sob pena de nulidade, a
qual, porém, não pode ser invocada pela empresa de mediação.
2 – O n.º 1 do artigo 364.º do Código
Civil veda, à empresa de mediação, provar o conteúdo de um contrato de mediação
imobiliária, tendo em vista a condenação do cliente no pagamento de uma
remuneração que considera ser-lhe devida por efeito desse contrato, através de
declarações de parte do seu legal representante e de testemunhas.
3 – Invocando a autora, empresa de
mediação imobiliária, como causa de pedir, que, em consequência da sua
intervenção, o cliente celebrou um contrato-promessa de compra e venda e, por
isso, lhe deve uma remuneração, está vedado, ao tribunal, conhecer da questão
da hipotética celebração do contrato prometido e condenar o cliente no
pagamento com fundamento na celebração deste último.
4 – Só se o contrato de mediação
imobiliária o previr é que será devida uma remuneração à empresa de mediação
aquando da celebração de contrato-promessa que tenha por objecto o negócio
visado pelo exercício da mediação.
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IU,
Lda., apresentou requerimento de injunção contra PF, com vista à cobrança da quantia de € 10.493,84,
correspondendo € 10.147,50 à dívida de capital, € 142,34 a juros de mora e €
102 à taxa de justiça paga. Invocou a seguinte causa de pedir: celebrou um
contrato de mediação imobiliária com o requerido, tendo em vista a venda de um
imóvel a este pertencente, no qual acordaram uma comissão de 5%, acrescida de
IVA, sobre o valor do negócio; em 23.11.2018, foi celebrado contrato-promessa
de compra e venda, do qual consta a intervenção da requerente, tendo, assim, esta
prestado o serviço contratado; nessa data, o requerido recebeu a quantia de €
16.000 a título de sinal e não lhe pagou a comissão devida, não obstante ter
sido para o efeito interpelado, primeiro por carta e depois através de
notificação judicial avulsa.
O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, por
um lado, que, sendo verdade que um angariador da requerente teve intervenção na
celebração de um contrato-promessa de compra e venda do seu apartamento, o
contrato prometido nunca se realizou, pelo que não é devedor de qualquer
comissão, e, por outro, que o contrato de mediação imobiliária que
eventualmente tenha celebrado com a requerente não foi reduzido a escrito, o
que determina a sua nulidade.
Realizou-se a audiência final, na sequência da qual
foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente.
A requerente interpôs recurso de apelação da sentença,
tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Entendeu o tribunal recorrido, nos autos supra
identificados, julgar improcedente a acção e o pedido formulado pela requerente
(aqui recorrente) e julgar procedente a excepção de nulidade invocada pela
requerida. Contudo, fê-lo, em nossa opinião e salvo melhor entendimento, com
violação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e em
desconformidade com as normas, regras e princípios que enformam o nosso
ordenamento jurídico.
2. O presente recurso sobre a sentença proferida
quanto à matéria de facto funda-se no entendimento da recorrente de que o
tribunal a quo fez uma incorrecta
reapreciação da prova produzida no processo, dando como não provados factos
que, em rigor, resultaram suficientemente provados.
3. A recorrente defende a tese de que foi celebrado um
contrato de mediação imobiliária reduzido a escrito aquando da angariação do
imóvel, por volta do verão de 2018, onde foi acordado que o valor da remuneração
seria de 5% mais IVA sobre o valor da venda.
4. Foi encontrado comprador para o imóvel da
recorrida, através de anúncio publicado na internet e gerido pela recorrente.
Levando esta a cabo diversos serviços de forma a encontrar comprador…o que aconteceu!!!
Cumpriu escrupulosamente a sua parte do contrato!
5. Comprador esse que surge através da recorrente que
após visita ao imóvel, mostrou interesse no mesmo, tendo sido celebrado
contrato promessa de compra venda em 23.11.2018.
6. Nesse contrato está bem patente na sua clausula
oitava que há intervenção imobiliária, nomeadamente da IU, Lda., aqui recorrente.
7. A escritura pública veio a concretizar-se em
20.07.2020 conforme certidão de registo predial junta aos autos, não sendo
verdade que o negócio não se viria a concretizar.
8. Não obstante o tribunal deu como não provado os
termos do negócio nem tão pouco deu como provado quando deveria ter sido
efectuado o pagamento. (com a conclusão do negócio final).
9. A fundamentação da decisão acerca da matéria de
facto encontra-se plasmada a fls. 4 e 6 da sentença ora recorrida, nos termos
da qual a Mma. Juiz a quo considera
pouco credíveis as declarações do representante legal da recorrente.
10. Na fundamentação da decisão quanto à matéria de
facto dada como não provada, a sentença recorrida refere que resultaram da
ausência de prova e afirmando que toda a prova documental junta foi “inócua ou
inútil”.
11. É relativamente a esta decisão acerca da matéria de
facto dada como não provada, que a recorrente se insurge, pois, salvo melhor
opinião, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou
prova bastante e suficiente para que aqueles factos tivessem sido dados como
provados.
12. Desde logo, a Mma. Juiz a quo, na sentença, refere que a testemunha DC não mereceu
credibilidade quando o seu depoimento em tudo é coincidente quer com o da
testemunha NP quer com o da testemunha JN.
13. Da prova produzida, destacam-se os seguintes
depoimentos, como mais relevantes para a decisão da matéria de facto: Testemunha:
DC ouvido no dia 12.01.2021 [das 14:37:23 as 14:56:55 (00:00:01a00:19:32)]
ficheiro 20210112143200 _ 3628000 _ 287793 acta com a ref.ª::91628125;
14. Testemunha NP ouvida no dia 12.02.2021 [das14:57:26
a 15:11:14) ficheiro 20210112145725 _ 3628000 _ 2871793 – acta com a ref.ª:
:91628125;
15. Testemunha JN ouvido no dia 12.02.2021 [das15:20:47
a 15:36:22) ficheiro 201011 _ 2152046 3628000 _2871791 – acta com a ref.ª:
:91628125;
16. Ora, não obstante a factualidade alegada e as
questões levantadas pela recorrente, a decisão proferida, incompreensivelmente,
faz tábua rasa das questões que lhe foram colocadas e submetidas à sua
apreciação.
17. No caso dos autos, constata-se que estamos perante
uma mera e simples adesão aos fundamentos alegados pela requerida no que respeita
à invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária sem que tenha sido
realizado um verdadeiro julgamento da matéria de facto com interesse para a boa
decisão da causa e a justa composição do litígio.
18. Pois, se é verdade que o juiz aprecia livremente
as provas segundo a sua prudente convicção, isso não o dispensa de discriminar
os factos que considera provados e os que considera não provados, de analisar criticamente
as provas, indicar as ilações tiradas de factos instrumentais e especificar os
demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e deve ainda interpretar
e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo desta forma pela
decisão final.
19. Aliás, no que concerne aos factos não provados, o
que se verifica é uma total falta de fundamentação de facto, porquanto o tribunal
recorrido não explicita as razões que o levaram a não considerar como provado os
termos do negócio, não consubstanciam um reconhecimento do direito da recorrente,
quando deveria atenta a invocação da dita nulidade, verificar a situação
abusiva e ilegítima por parte da recorrida e verificar a situação de abuso de
direito e de incumprimento contratual.
20. Vedando-se à recorrente a possibilidade de
compreender e controlar a razão pela qual o tribunal recorrido chegou à decisão
recorrida, qual o raciocínio lógico que seguiu e os argumentos em que se baseou
para decidir como decidiu.
21. De facto, não resulta daquela decisão, quais os
demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem se vê que
tenha sido compatibilizada toda a matéria de facto adquirida e constante dos autos.
22. Na verdade, o tribunal recorrido não emite
qualquer juízo ou explana qualquer razão de facto para justificar o motivo pelo
qual não considerou verificada a clara manifestação de abuso de direito, e o
incumprimento contratual por parte da recorrida que nunca negou as acções de
promoção e divulgação levadas a cabo pela recorrente.
23. Aliás, esta questão abusiva e ilegítima nem sequer
foi ponderada pelo tribunal, sendo de conhecimento oficioso.
24. Assim, e salvo o devido respeito por entendimento diverso,
a prova efectivamente produzida, a matéria de facto provada, bem como uma correcta
interpretação e aplicação do direito impunham como sua decorrência lógica que
se tivesse dado como provado, e não como não provado, que: “o contrato de
mediação celebrado entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido
de IVA sobre o valor do negócio.” e que “as partes acordaram que a
remuneração seria devida com a celebração do contrato de compra e venda”.
25. Isto porque, embora, e, no que diz respeito ao
reconhecimento do direito do credor, sempre seria possível concluir da sua
existência através das regras da lógica e da experiência.
26. "Ante os factos submetidos à sua apreciação,
o tribunal recorrido de foram singela e simplista, sem fazer uma conjugação da
prova efectivamente produzida nos autos, analisando-a criticamente, sem expor o
processo lógico e racional que seguiu, decidiu que nada seria devido a recorrente
por não ter junto qualquer documento que ateste as condições do negócio.
27. No que concerne à fundamentação da matéria de
facto, mormente, no que se refere aos factos não provados, não é possível à recorrente
aferir se o tribunal a quo aquilatou,
sequer, da possibilidade de ter havido um reconhecimento tácito do direito da
recorrente.
28. O que é manifestamente insuficiente para convencer
a recorrente da bondade da decisão.
29. Entende a recorrente que é ilegítimo a recorrida
vir invocar a nulidade de um contrato de mediação com base em alegadamente não se
recordar de assinar quando em toda a relação contratual se comportou como se
esse contrato existisse, beneficiando dos serviços da recorrente.
30. Violou o tribunal recorrido a interpretação e
aplicação que fez dos artigos 334.º, 406.º e 798.º todos do Código Civil e
607.º, n.º 4, 615.º, b) e c) do CPC e artigo 19, nº 1 da lei 15/2013.
O recorrido apresentou contra-alegações, tendo
formulado as seguintes conclusões:
I - Esteve bem o tribunal a quo ao decidir como decidiu, julgando a acção totalmente improcedente.
II - Importa salientar ser o princípio da livre
convicção do julgador, estatuído no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aquele que
vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na
valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em
que a tal prova não seja atribuída força probatória plena.
III - Como aliás é totalmente pacífico no seio das
decisões jurisprudenciais, uma eventual alteração da matéria de facto só deverá
ocorrer se existirem elementos que a imponham muito claramente, não bastando
que a apreciação da prova disponível sugira respostas diferentes, conforme
ressalta do n.º 1 do art.º 662 do C.P.C., ao condicionar a modificação da
decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância à existência de
elementos que, por si só, imponham decisão diversa da recorrida.
IV - Os fragmentos dos depoimentos mencionados pela
apelante, não poderão suportar a alteração da matéria de facto dada como não
provada, para provada, e colocada em crise, por manifestamente insuficientes.
V - A apelante não carreia para o processo outras e
melhores provas capazes de infirmar a factualidade dada como provada pelo tribunal
a quo, obstando pois à formação de
nova convicção em substituição da espelhada na decisão do tribunal de 1.ª
instância sobre a matéria de facto, impondo-se assim a manutenção dos factos
dados como provados e não provados.
VI - O contrato de mediação é nulo desde o seu início,
por não ter sido respeitada a forma escrita, e não tendo sido acordado qualquer
dos elementos essenciais de tal contrato, nomeadamente a retribuição da
mediação, a exclusividade ou não, entre outros.
VII - Teremos igualmente de concluir que a pretensão
da requerida não tem igualmente provimento porquanto a mesma baseou o seu
pedido no disposto no supra citado artº 19º, nº 1 da lei 15/2013, segunda
parte, não demonstrando que assim tenha sido acordado.
VIII - No caso dos autos, não ficou provado que tal
regime tivesse sido acordado.
IX - Concordamos integralmente com a fundamentação da
M.ª Juiz quanto à matéria de direito, na qual declarou a nulidade do contrato
celebrado de mediação imobiliária celebrado entre as partes e,
consequentemente, absolveu o recorrido da totalidade do peticionado, bem como
impossibilidade de fixação de qualquer valor a título de restituição ao abrigo
do disposto no Art.º 289.º do C.C.
X - Termos em que se requer que a presente apelação
seja julgada improcedente, por não provada, e consequentemente, seja confirmada
a decisão proferida pelo tribunal a quo
com todos os efeitos legais.
O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos
e efeito meramente devolutivo.
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As questões a resolver são as seguintes:
1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2 – Direito da recorrente à remuneração peticionada.
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Na sentença recorrida, foram julgados
provados os seguintes factos:
1. A autora dedica-se à prestação de
serviços de mediação imobiliária.
2. No âmbito da sua actividade, a autora
celebrou com o réu um contrato de mediação com vista à venda do seu imóvel.
3. A 23 de Novembro de 2018 foi
celebrado contrato-promessa de compra e venda no qual é referida a intervenção
da autora.
4. Aquando da celebração do
contrato-promessa o réu recebeu a quantia pecuniária de € 16.000,00 (dezasseis
mil euros).
5. A autora emitiu factura a 04 de Março
de 2020 no montante de € 10.147,50 (dez mil cento e quarenta e sete euros e
cinquenta cêntimos) com IVA incluído, a qual remeteu ao réu.
A sentença recorrida julgou não provados
os seguintes factos:
a) O contrato de mediação celebrado
entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o
valor do negócio.
b) As partes acordaram que a remuneração
seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.
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1 – Impugnação da decisão sobre a
matéria de facto:
O tribunal a quo julgou não provado que:
a) O contrato de mediação celebrado
entre autora e réu fixou o valor de comissão de 5% acrescido de IVA sobre o
valor do negócio.
b) As partes acordaram que a remuneração
seria devida com a celebração do contrato de compra e venda.
A recorrente pretende que estes factos
sejam julgados provados em sede de recurso. Para sustentar tal pretensão,
invoca as declarações de parte do seu legal representante, DC, e os depoimentos
das testemunhas NP e JN.
Estamos perante factos respeitantes ao
conteúdo do contrato de mediação imobiliária celebrado entre recorrente e
recorrido, referido no n.º 2 da matéria de facto provada, com cuja prova a
primeira pretende obter a condenação do segundo na realização de uma prestação
que, no seu entendimento e pressupondo a validade do contrato, resulta deste
último. Coloca-se a questão da admissibilidade legal de prova desses factos por
meio de declarações de parte e de testemunhas.
O n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º
15/2013, de 08.02, estabelece que o contrato de mediação imobiliária é
obrigatoriamente reduzido a escrito. O n.º 2 especifica o conteúdo obrigatório
do contrato, integrando esse conteúdo a identificação do negócio visado pelo
exercício da mediação [al. b)] e as condições de remuneração da empresa, em
termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da
taxa de IVA aplicável [al. c)]. O n.º 5 dispõe que o incumprimento do disposto
nos n.ºs 1, 2 e 4 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser
invocada pela empresa de mediação.
Estamos, portanto, perante um contrato
que, por determinação legal, tem de ser, no mínimo, celebrado através de
documento particular (sobre o conceito de documento particular, cfr. o artigo
363.º, n.º 2, do Código Civil). A observância da forma escrita constitui
condição de validade do contrato, tratando-se, portanto, de uma formalidade ad substantiam.
O artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil,
estabelece que quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento
autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro
meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
Daqui resulta a inadmissibilidade legal da prova do conteúdo de contrato de
mediação imobiliária, para o efeito de obter o seu cumprimento, através de
declarações de parte ou de testemunhas.
Sendo assim, a prova dos factos em
questão nunca poderia ser feita através de declarações de parte ou de
testemunhas, como a recorrente pretende. Razão suficiente para não se poder
alterar a decisão do tribunal a quo
sobre os mesmos factos.
Sem embargo daquilo que acabamos de
concluir, observaremos ainda que a prova de qualquer dos dois factos em questão
é inútil.
Como veremos no ponto seguinte, tendo em
conta a delimitação da causa de pedir feita pela recorrente, determinante do
âmbito do poder de cognição do tribunal (artigos 5.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2,
2.ª parte, do CPC), inexiste fundamento para, nesta acção, condenar o recorrido
a pagar qualquer remuneração à recorrente. Daí que seja indiferente o valor eventualmente
acordado para essa remuneração.
Como também veremos no ponto seguinte, o
facto referido em b) é desfavorável à recorrente, pois, pedindo esta o
pagamento de uma comissão por efeito da mera celebração de um contrato-promessa
de compra e venda, o facto de a remuneração ser devida à recorrente apenas com
a celebração do contrato de compra e venda determina a improcedência daquele
pedido. Além disso, é inútil a prova da estipulação desse regime de remuneração
no contrato de mediação imobiliária porquanto é esse o regime supletivo
estabelecido no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013.
2 – Direito da recorrente à remuneração
peticionada:
Importa delimitar com rigor a causa de
pedir, porquanto a recorrente afirma, nas suas alegações, que submeteu à
apreciação do tribunal a quo o facto
de o recorrido ter celebrado o contrato de compra e venda do seu imóvel com os
clientes por si angariados.
Esta afirmação não corresponde à
verdade. Como referimos no relatório deste acórdão, a causa de pedir invocada
pela recorrente foi a celebração de um contrato de mediação imobiliária com o
recorrido tendo em vista a venda de um imóvel a este pertencente, no qual foi
estipulada uma comissão de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor do negócio, e a
posterior celebração de um contrato-promessa de compra e venda do referido
imóvel entre o recorrido e terceiro, com menção da intervenção da recorrente,
concluindo esta que, com a celebração deste último contrato, prestou o serviço
contratado. A recorrente não alegou a celebração do contrato prometido, nem
invocou que o direito ao recebimento da comissão dela resultou. Tudo isto
resulta claramente do requerimento de injunção.
Foi em face da causa de pedir assim configurada
pela recorrente que o recorrido exerceu o seu direito ao contraditório,
invocando, na oposição que deduziu, além do mais, que a recorrente não adquiriu
o direito à comissão com a simples celebração do contrato-promessa de compra e
venda.
Foi também com base na causa de pedir
invocada pela recorrente que o tribunal a
quo decidiu o mérito da causa. Nomeadamente, a celebração do contrato de
compra e venda do imóvel do recorrido não consta, nem dos factos provados, nem
dos não provados. Nem podia o tribunal a
quo deixar de assim proceder. Se tivesse extravasado do objecto do processo
tal como este foi definido pela recorrente através da alegação dos factos que
integram a causa de pedir, o tribunal a
quo teria violado o disposto no artigo 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, e,
consequentemente, a sentença recorrida seria nula nos termos do artigo 615.º,
n.º 1, al. d), 2.ª parte, do mesmo código.
Portanto, a acção terá de ser decidida
em função dos contornos que a recorrente lhe fixou através da alegação dos
factos integrantes da causa de pedir. O princípio do dispositivo, que se mantém
no CPC de 2013, impõe que o tribunal respeite a definição do litígio que é
feita pelas partes. Tendo a recorrente invocado determinada causa de pedir, não
podia o tribunal a quo decidir a
causa em primeira instância, nem pode o tribunal ad quem decidir o recurso, com base em causa de pedir diversa.
Concluindo, está em causa saber se, por
efeito da celebração do contrato-promessa de compra e venda referido nos n.ºs 3
e 4 da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, a recorrente
adquiriu o direito de receber a remuneração que reclama do recorrido.
O artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º
15/2013, estabelece que a remuneração da empresa de mediação imobiliária é
devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação
ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação
imobiliária estiver prevista uma remuneração àquela empresa nessa fase, é a
mesma devida logo que tal celebração ocorra.
Decorre desta norma que, em regra, a
remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com a conclusão e
perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. Aquela empresa apenas
terá direito a uma remuneração aquando da celebração de contrato-promessa que
tenha por objecto o negócio visado pelo exercício da mediação se tal tiver sido
estipulado no contrato de mediação imobiliária.
No caso dos autos, não está provado que
tenha sido estipulado no contrato de mediação imobiliária que a recorrente
tinha direito a uma remuneração aquando da celebração do contrato-promessa pelo
recorrido. Daí que, independentemente das questões da nulidade do contrato de
mediação imobiliária por inobservância da forma legalmente prescrita e de a
invocação dessa nulidade pelo recorrido poder consubstanciar um abuso do
direito, se imponha a conclusão de que, por via da aplicação do regime legal supletivo
segundo o qual a remuneração da empresa de mediação imobiliária só é devida com
a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o
recorrido não poderá ser condenado, nesta acção, a pagar à recorrente a
remuneração que esta peticiona, fundada na mera celebração do contrato-promessa
de compra e venda.
Resulta do exposto que o recurso deverá
ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas
pela recorrente.
Notifique.
*
Évora, 14 de Julho de 2021
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.º adjunto