segunda-feira, 10 de junho de 2024

Acórdão da Relação de Évora de 06.06.2024

Processo n.º 840/23.2T8STR.E1

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Sumário:

1 – Em princípio, os recursos ordinários visam o reexame de questões que hajam sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. Apenas assim não será se se tratar de questões de conhecimento oficioso.

2 – A invalidade decorrente da falta de especificação, no contrato de mediação imobiliária, dos efeitos da estipulação do regime de exclusividade, quando este for acordado, não constitui uma nulidade em sentido estrito, mas sim uma nulidade atípica ou mista, uma vez que só é invocável pelo cliente. Logo, não é de conhecimento oficioso.

3 – Se o cliente arguir a invalidade referida em 2, pela primeira vez, em sede de recurso, o seu conhecimento está vedado ao tribunal ad quem.

4 – A estipulação do regime de exclusividade num contrato de mediação imobiliária é compatível com a da possibilidade de oposição, por qualquer das partes, à renovação automática do contrato no final de cada período de vigência.

5 – Deve entender-se que existe uma relação de causalidade entre a actividade desenvolvida pela empresa de mediação imobiliária e a celebração do contrato visado pelo contrato de mediação imobiliária, numa situação em que: a) em Setembro de 2017, a empresa de mediação angariou os interessados a quem o imóvel foi vendido; b) em 22.09.2017, o cliente e os interessados angariados celebraram o contrato-promessa de compra e venda, com intervenção da empresa de mediação; c) posteriormente, os interessados informaram a empresa de mediação da sua intenção de desistirem do negócio; d) em 13.12.2017, o cliente opôs-se à renovação do contrato de mediação, que ocorreria em 31.12.2017; e) em 23.01.2018, o cliente vendeu o imóvel aos interessados angariados pela empresa de mediação.

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Autora/recorrida:

- AAA – Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A..

Ré/recorrente:

- BBB – Construções, Lda..

Pedido:

- Condenação da ré a pagar, à autora, a quantia de € 7.687,50, acrescida de juros legais, contados da data da celebração do contrato definitivo até efectivo e integral pagamento.

Sentença recorrida:

- Julgou a acção totalmente procedente, condenando a ré a pagar, à autora, a quantia de € 11.522,83, acrescida de juros moratórios vincendos, contados diariamente sobre o capital de € 7.687,50, à taxa supletiva legal aplicável aos créditos emergentes de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, a que alude o art. 102.º, § 5, do Código Comercial, desde a data da sua prolação (06.12.2023) até efectivo e integral pagamento.

Conclusões do recurso:

1 – Entre autora e ré foi formalizado um escrito a que convencionaram chamar contrato de mediação imobiliária.

2 – Qualquer contrato de mediação imobiliária que não tenha por base o respeito estrito pela lei tem como consequência a sua nulidade.

3 – Nesta matéria superintende a Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro.

4 – Concretamente, no seu artigo 16.º, n.º 2, al. g), faz-se referência ao regime de exclusividade e à obrigatoriedade da especificação dos efeitos que daquele decorrem para as partes contratantes (empresa e cliente).

5 – O n.º 5 daquela lei a que fizemos alusão determina a nulidade dos contratos que incumpram, nomeadamente, com o disposto nos seus n.ºs 1, 2 e 4.

6 – Em nosso ver, neste contrato que ora analisamos, há uma manifesta lacuna quanto à especificação dos efeitos do contrato para ambos os celebrantes. Apenas à guisa de exemplo reiteramos um dos que explanámos antes: Apenas da leitura da cláusula em equação, ficaria o cliente a saber se poderia de forma espontânea e natural, através da sua própria actividade, esforço, procurar, aceitar propostas e contratar com um terceiro interessado no imóvel?

7 – Desta forma o cliente fica manifestamente pouco elucidado do que, para si, representa assinar um contrato com uma cláusula como aquela inserida. E concretamente quais as obrigações que daí para si advirão?

8 – Pelos motivos já enunciados, consideramos esta situação gravosa para o cliente, porquanto, ao assinar semelhante contrato, não fica plenamente esclarecido das consequências (efeitos) que para si, futuramente o poderão atingir e surpreender. E até dos eventuais direitos que porventura terá, (ou devia ter), que lhe ficam completamente obscurecidos.

9 – Por essa violação do assinalado artigo 16.º, n.º 2, al. g), da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, através dessa cláusula: Consideramo-la nula, assim como o respectivo contrato onde consta. (V.d o n.º 5 dessa Lei)

10 – Igualmente, defendemos na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/10/2023 (in DGSI.pt), que atrás mencionámos, que para os efeitos do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, incumbia à empresa mediadora aquilitar ab initio se os clientes que angariou estavam em condições de efectuarem o negócio em perspectiva. E competia também à empresa mediadora, aqui A., alegar e provar que tinha angariado um comprador interessado e que este estava preparado, dispondo de meios financeiros que no imediato o habilitassem a pagar o preço ou que pelo menos os tivesse no momento da projectada celebração da compra e venda definitiva.

Nada disso foi feito pela autora.

11 – Pelo concluído em 10, de igual forma entendemos por violados aqueles pressupostos indicados no alegado artigo 19.º, n.º 2, da assinalada lei, muito concretamente o ónus da prova.

12 – Com a quebra do vínculo contratual entre as partes (autora e ré), através da revogação unilateral do contrato por parte dos compradores, e com a pouca informação existente no clausulado no que tange os efeitos da suposta exclusividade, não parece invulgar ou pouco normal o sentimento de desvinculação, que a ré sentiu no que concerne às obrigações decorrentes do contrato.

13 – Em nossa opinião, no seguimento da jurisprudência expendida pelo excelso S.T.J. no seu Acórdão 8373/19.5T8LSB.L1.51 de 17 de Junho de 2021, consideramos que o contrato em apreciação apresenta uma formalização paradoxal e ilógica e que contende também com a sua validade.

14 – Não compreendemos como no mesmo texto se tenta harmonizar duas posições completamente incompatíveis entre si. A cláusula 4.ª, onde figura a rígida exclusividade, e a 8.ª, onde se pode pôr termo àquela, através de simples declaração com carta registada com a/r.

15 – Entendemos que a consequência só pode ser aquela preconizada no douto acórdão perfilhado – a inutilização da cláusula de exclusividade. Com todas as implicações práticas e jurídicas daí resultantes. Nomeadamente o readquirir da liberdade de poder contratar com quem ele bem entendesse.

16 – Finalizando tudo o que alegámos nesta sede, consideramos que o contrato de mediação imobiliária que integra estes autos deve ser considerado nulo, com todos os efeitos legais daí resultantes, maxime os atinentes aos artigos 286.º e 289.º do Código Civil.

17 – Aqui, falar-se-á da remuneração e desde logo se conclui que houve por parte do tribunal a quo um erro de interpretação das cláusulas que indicou como tendo utilizado no seu raciocínio. Isto constata-se muito facilmente analisando toda a sequência lógica por nós elencada nas alegações e particularmente se nos ativermos: No Ponto B (i) das “Questões a Resolver”; No contrato em si, referência principal da douta sentença, aliás nessa sede reproduzido; E mais concretamente na sua cláusula 5.ª, no quadrículo que foi assinalado e no seu conteúdo; Ainda absolutamente determinante (para além das contas muito simples), o referido pelo douto tribunal na página 12 da sentença - “A remuneração devida à A. corresponde a 5% do preço sobre o qual o negócio seria efectivamente concretizado, acrescido de IVA………….” “Seria paga nas seguintes condições: 50% após o contrato – promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.” E a definitiva e decisiva frase (Também na mesma página 12 da douta sentença): “É justamente esta última tranche que a A. vem exigir nestes autos”. Na verdade corresponde ao tal remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

18 – Esta errónea interpretação também tem influência directa na eventual quantia a pagar pela ré. Conforme, demonstrámos, com aritmética simples, estamos a falar de € 3.843,75 e nunca de € 7.687,50, conforme pedido e condenação!

19 – Os eventuais juros moratórios também não poderão ser os decididos na douta sentença, pois trata-se aqui de uma quantia diversa e muito inferior (50%).

20 – Finalmente, e por tudo o já manifestado e expendido não nos resta outra opção que não seja requerer a nulidade do contrato de mediação imobiliária em apreço, pelas violações atrás melhor descritas da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.

21 – Assim, como requerer de igual forma a nulidade da presente sentença por tudo o supra aduzido e pela violação do artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d), do CPC.

22 – Assinalámos a alínea c) porque entendemos e fomos muito minuciosos nesse particular que relativamente ao contrato de mediação imobiliária em causa nos autos, o douto tribunal a quo deveria ter pelo menos analisado as questões que em nossa opinião o tornam nulo e declarado a nulidade caso assim o entendesse.

23 – Assinalámos a alínea d) porque consideramos que a ré não admitiu, em momento algum, dever qualquer quantia a título de remuneração em dívida à autora. Na decisão relevou essencialmente o contrato supra mencionado e como as contas e verbas neste mencionadas estão totalmente erradas, sendo fruto de uma incorrecta interpretação, quer pela autora em primeira linha, quer posteriormente pelo douto tribunal a quo. Estas questões de interpretação do clausulado, das inerentes responsabilidades daí decorrentes e das verbas a liquidar teriam de ser apreciadas pelo douto Tribunal a quo.

Questões a decidir:

1 – Admissibilidade da arguição da invalidade do contrato de mediação;

2 – Compatibilidade entre as cláusulas 4.ª e 8.ª do contrato de mediação;

3 – Pressupostos do direito à remuneração;

4 – Montante da remuneração;

5 – Nulidade da sentença recorrida.

Factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. A autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica à actividade de mediação imobiliária.

2. Por escrito datado de 30.03.2017, autora e ré celebraram entre si acordo intitulado «contrato de mediação imobiliária» com o n.º 155/17, no qual a primeira se comprometeu perante a segunda a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de € 135.000,00, da fracção autónoma, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio sito na Rua (…), lote (…), freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o número (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) (doravante, abreviadamente, fracção autónoma), de que a ré se declarou proprietária.

3. Em contrapartida, a ré comprometeu-se a pagar à autora uma remuneração correspondente a 5% do preço sobre o qual o negócio seria efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, nas seguintes condições: 50% após o contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

4. A autora comprometeu-se ainda perante a ré a, na qualidade de mandatária sem representação, prestar os serviços conducentes à obtenção da documentação necessária à concretização do negócio supramencionado, considerando-se a respetiva remuneração incluída no montante que antecede.

5. Autora e ré ajustaram ainda entre si que vigoraria entre ambas o regime de exclusividade, termos em que apenas a autora teria o direito a promover o negócio aludido em 2 durante o prazo de vigência daquele acordo, comprometendo-se a ré a pagar à autora a comissão acordada caso violasse o regime de exclusividade.

6. Ficou igualmente estipulado que a remuneração referida em 3 seria devida se a autora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado por aquele acordo, bem como se o negócio não se concretizasse por causa imputável à ré.

7. O acordo supramencionado foi celebrado pelo prazo de 9 meses, contados a partir de 30.03.2017, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contraentes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

8. A cláusula quinta do acordo vertido em 2 tinha o seguinte teor:

Cláusula 5.ª

(Remuneração)

1 – A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:

A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

A quantia de 5% Euros acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3 – O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:

50% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.

(…)

9. A autora desenvolveu actividades de promoção com vista à venda do imóvel identificado em 2 e, nessa sequência, em Setembro de 2017, encontrou interessados no negócio, CCC e DDD, pelo preço de € 125.000,00, que a ré aceitou.

10. Por escrito datado de 22.09.2017, a ré e CCC e DDD celebraram acordo entre si, intitulado «contrato promessa de compra e venda», tendo a primeira declarado prometer vender e os segundos declarado prometer comprar, pelo preço de € 125.000,00, a fracção autónoma melhor identificada em 2, comprometendo-se ainda os segundos a notificar a ré, por qualquer meio ao dispor e com 8 dias de antecedência, do local, data e hora da mesma, com um limite de 90 dias a contar da assinatura daquele acordo.

11. O acordo que antecede foi concretizado com a intervenção da autora.

12. No acto de assinatura deste acordo, CCC e DDD entregaram à ré o montante de € 2.500,00, a título de reserva, que ficou à guarda da autora para ser devolvido no dia da escritura de compra e venda.

13. Este último cheque nunca chegou a ser descontado.

14. Após, CCC e DDD informaram a autora da sua intenção de desistir no negócio.

15. A ré remeteu à autora, que recebeu em 13.12.2017, carta registada com aviso de recepção datada de 11.12.2017, a comunicar-lhe a sua intenção de fazer cessar o acordo descrito em 2 em 31.12.2017.

16. Por acordo escrito, celebrado perante oficial público em 23.01.2018, intitulado «título de compra e venda com mútuo e hipoteca», a ré declarou vender a CCC e DDD que, por sua vez, declararam comprar, pelo preço de € 125.000,00, a fracção autónoma melhor identificada em 2.

17. Ficou ajustado entre as referidas partes contraentes que este último preço seria pago nas seguintes condições: € 113.900,00 e € 5.000,00 foram entregues à ré no acto de assinatura daquele acordo, através de cheques sacados, respetivamente, sobre o Banco BPI, S.A. e sobre a Caixa Económica Montepio Geral; o remanescente, no montante de € 6.100,00, seria pago em prestações mensais, no prazo máximo de 3 anos a contar daquela data.

18. Apesar de ter sido a autora a aproximar a ré e CCC e DDD com vista à venda do imóvel, o «título de compra e venda com mútuo e hipoteca» vertido em 16 não inclui nenhuma informação sobre a intervenção da autora no negócio.

19. Deste acordo constam os seguintes dizeres, sob a epígrafe «I. ADVERTÊNCIA ÀS PARTES»: «De que o cliente de empresa de mediação imobiliária que omita informação sobre a intervenção desta no negócio incorre na pena aplicável ao crime de desobediência previsto no artigo 348.º do Código Penal».

20. Por escrito datado de 29.01.2018, a ré e CCC e DDD celebraram entre si acordo intitulado «acordo extrajudicial de regularização de dívida», no qual declararam que o valor em dívida do remanescente do preço mencionado em 17 ascendia naquela data ao montante de € 5.600,00, montante este que os segundos se confessaram devedores e se comprometeram a restituir à ré em prestações mensais e sucessivas, no montante de € 155,56 cada uma, com início em 01.02.2018, vencendo-se as demais até ao integral pagamento até ao dia oito de cada mês.

21. A ré nunca informou a autora da data marcada para a outorga do acordo descrito em 16, sendo que esta apenas posteriormente tomou conhecimento de que de tal negócio havia sido concretizado.

22. Após, a autora, através de advogada, remeteu à ré, que recebeu, carta datada de 23.10.2018 a solicitar-lhe que procedesse ao pagamento da remuneração acima mencionada em 3, no valor de € 6.250,00, acrescida de IVA à taxa legal, no prazo de oito dias a contar daquela carta.

23. A autora emitiu à ré factura n.º FT 2023A1/97, de 06.01.2023, no valor de € 7.687,50 (€ 6.250,00 + IVA à taxa de 23%), referente à remuneração aludida em 3.

Factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

A) Que CCC e DDD desistiram do negócio, como referido supra em 14, em virtude não terem conseguido financiamento bancário.

B) Que a ré remeteu à autora a carta supramencionada em 15 por ter ficado desagradada com a frustração do negócio com CCC e DDD, tendo decidido arrendar o imóvel a partir de Janeiro de 2018.

C) Que, em 18.01.2018, CCC e DDD contactaram o representante legal da ré, propondo a compra do imóvel identificado em 2, nas condições de pagamento referidas em 17 e 20.

D) Que o representante legal da ré apenas teve contacto com CCC e DDD no acto da assinatura dos acordos descritos em 10 e 16.

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1 – Admissibilidade da arguição da invalidade do contrato de mediação:

A recorrente argui a invalidade do contrato de mediação com fundamento na falta de especificação, no seu clausulado, dos efeitos decorrentes da estipulação do regime da exclusividade. Fá-lo, porém, apenas em sede de recurso. No tribunal a quo, a recorrente não arguiu essa invalidade. Daí que se coloque a questão da admissibilidade de tal arguição.

Resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2, e 640.º do CPC que, em princípio, os recursos ordinários visam o reexame de questões que hajam sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. «Os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. (…) pretende-se um novo exame da causa, por parte de órgão jurisdicional hierarquicamente superior[1]

Apenas assim não será se se tratar de questões de conhecimento oficioso. Todavia, não é esse o caso da invalidade agora invocada pela recorrente.

O artigo 16.º, n.º 2, al. g), do Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária (RJAMI), dispõe que deverá constar do contrato de mediação imobiliária a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente. O n.º 7 do mesmo artigo estabelece que o incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2, 4 e 6 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Se estivéssemos perante uma nulidade propriamente dita, aplicar-se-ia o disposto no artigo 286.º do CC. Esta norma estabelece que a nulidade é invocável, a todo o tempo, por qualquer interessado, e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

Porém, não obstante a designação legal, a invalidade prevista no n.º 7 do artigo 16.º do RJAMI não é uma nulidade em sentido estrito, mas sim uma nulidade atípica ou mista, uma vez que só é invocável pelo cliente. Esta restrição em matéria de legitimidade para a arguição da invalidade determina, logicamente, a inadmissibilidade do seu conhecimento oficioso pelo tribunal. O interesse especialmente protegido pela norma é o do cliente, não o da empresa de mediação ou o interesse público. É esta a razão de ser daquela restrição.

Não se tratando de uma questão de conhecimento oficioso e não tendo sido arguida perante o tribunal a quo, não poderá sê-lo apenas em sede de recurso da sentença por aquele proferida. Daí que o seu conhecimento esteja vedado ao tribunal ad quem.

2 – Compatibilidade entre as cláusulas 4.ª e 8.ª do contrato de mediação:

A recorrente considera que as cláusulas 4.ª e 8.ª do contrato de mediação são incompatíveis entre si e que tal incompatibilidade gera a nulidade deste contrato ou, pelo menos, a «inutilização da cláusula de exclusividade». Segundo a recorrente, a «rígida exclusividade», estipulada na cláusula 4.ª, é incompatível com a possibilidade de pôr termo ao contrato «através de simples declaração com carta registada com a/r», estipulada na cláusula 8.ª.

A tese da recorrente baseia-se numa errada interpretação da cláusula 8.ª. Esta cláusula não permite a denúncia do contrato a todo o tempo, como a recorrente afirma. O que aí se estipulou foi um prazo de nove meses para a vigência do contrato, renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos, a menos que qualquer das partes o «denunciasse», através de carta registada com aviso de recepção ou meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo. Não está em causa a possibilidade de denúncia, no sentido rigoroso do termo, mas sim de oposição à renovação do contrato no final de cada período de nove meses. Portanto, um dos termos da alegada incompatibilidade não se verifica, pura e simplesmente. O que, por si só, inutiliza o argumento em análise.

Notemos, contudo, o seguinte. Nas suas alegações, a recorrente mostra-se empenhada em atacar a cláusula de exclusividade, visando a declaração da sua invalidade. Aparenta, assim, estar a interpretar mal a sentença recorrida. O fundamento da sua condenação não foi o regime de exclusividade estipulado no contrato de mediação, mas sim a conclusão, a que o tribunal a quo chegou (acertadamente, como veremos no ponto seguinte), de que a actividade de mediação desenvolvida pela recorrida foi causal da celebração do contrato de compra e venda entre os clientes por esta angariados e a recorrente. Com ou sem a estipulação do regime de exclusividade, a remuneração pretendida pela recorrida seria devida, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI.

3 – Pressupostos do direito à remuneração:

A recorrente argumenta que a recorrida não cumpriu o ónus de alegar e provar que angariou um interessado na compra do imóvel que para tanto estivesse preparado, isto é, que dispusesse de meios financeiros que o habilitassem a pagar o preço. Considera a recorrente que, por essa razão e atento o disposto no n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI, a recorrida não tem direito à remuneração que pretende.

Além desta, a recorrente aponta uma outra razão para negar tal remuneração à recorrida: a partir do momento em que o contrato cessou, ficou desvinculada das obrigações que deste decorriam, mormente a de pagar a remuneração estipulada, tanto mais que a recorrida não teve qualquer papel activo na celebração do contrato de compra e venda.

A recorrente não tem razão.

A recorrida alegou e provou ter angariado os interessados a quem a recorrente vendeu o imóvel. Não há, pois, fundamento para a recorrente afirmar que a recorrida não cumpriu o ónus de alegar e provar que angariou um interessado na compra do imóvel que para tanto estivesse preparado, isto é, que dispusesse de meios financeiros que o habilitassem a pagar o preço. Essa angariação foi feita e, tanto assim foi, que a recorrente acabou por vender o imóvel aos interessados que a recorrida encontrou. Atente-se na seguinte sequência: Em Setembro de 2017, a recorrida angariou os interessados a quem o imóvel foi vendido; em 22.09.2017, a recorrente e os interessados angariados celebraram o contrato-promessa de compra e venda, com intervenção da recorrida; posteriormente, os interessados informaram a recorrida da sua intenção de desistirem do negócio (note-se que não se provou que o fizeram por não terem conseguido financiamento bancário); em 13.12.2017, a recorrida recebeu uma carta da recorrente em que esta lhe comunicava a sua intenção de fazer cessar o contrato de mediação em 31.12.2017; em 23.01.2018, a recorrente vendeu o imóvel aos interessados angariados pela recorrida.

Perante isto, não há lugar para qualquer dúvida razoável sobre a existência de um nexo de causalidade entre a actividade de angariação desenvolvida pela recorrida, em cumprimento das obrigações que para si decorriam do contrato de mediação, e a celebração do contrato de compra e venda do imóvel. A venda foi efectuada aos interessados que a recorrida encontrou e deu a conhecer à recorrente. A proximidade temporal entre os acontecimentos acima descritos inculca, por um lado, que os clientes angariados se encontravam em condições de comprar o imóvel e apenas declararam, à recorrida, que desistiam de o fazer para, em seguida, celebrarem esse negócio à revelia desta; e inculca, por outro lado, que isso aconteceu em conluio com a recorrente, que se opôs à renovação do contrato de mediação para, dias depois, vender o imóvel a essas mesmas pessoas sem pagar a remuneração devida pelo trabalho desenvolvido pela recorrida.

Ao contrário do que a recorrente afirma, a recorrida não se limitou a intervir «numa determinada fase incipiente dos factos». A recorrida levou a cabo a actividade a que se obrigou no contrato de mediação e fê-lo com sucesso, pois encontrou os interessados que acabaram por comprar o imóvel.

Concluindo, a recorrente encontra-se obrigada a pagar, à recorrida, a remuneração prevista no contrato de mediação, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do RJAMI.

4 – Montante da remuneração:

Na sentença recorrida, referiu-se que a quantia em cujo pagamento a recorrida pretende que a recorrente seja condenada corresponde aos 50% da remuneração acordada que seria devida aquando da celebração do contrato de compra e venda.

É evidente o lapso cometido pelo tribunal a quo. A recorrida pediu a condenação da recorrente a pagar-lhe a totalidade da remuneração estipulada no contrato de mediação, correspondente a 5% do valor do preço pelo qual o imóvel fosse vendido, acrescido do valor do IVA, perfazendo € 7.687,50. Pediu ainda a condenação da recorrente a pagar-lhe juros à taxa legal, contados da data da celebração do contrato de compra e venda. O tribunal a quo condenou, acertadamente, a recorrente no pagamento da totalidade dessa quantia, mas referiu, por lapso, que a mesma correspondia a 50% da remuneração acordada.

Posteriormente, o tribunal a quo corrigiu esse lapso, esclarecendo que a condenação se reportava à totalidade da remuneração. Daí que toda a argumentação que a recorrente desenvolve com base nesse lapso, condensada nas conclusões 17.ª a 19.ª, tenha perdido actualidade. Não há dúvida de que o valor em cujo pagamento a recorrente foi condenada corresponde à totalidade da remuneração a que a recorrida tem direito e que foi esse o valor peticionado. Carece, pois, de fundamento a redução do montante da condenação referida nas conclusões 18.ª e 19.ª.

5 – Nulidade da sentença recorrida:

A recorrente sustenta que a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Verificar-se-ia a nulidade prevista na al. c) porquanto o tribunal a quo «deveria ter pelo menos analisado as questões que em nossa opinião o tornam (ao contrato de mediação imobiliária) nulo e declarado a nulidade caso assim o entendesse». Verificar-se-ia a nulidade prevista na al. d) porquanto o tribunal a quo, embora não condenando em quantia superior à peticionada, acabou, fruto de uma errónea interpretação e de cálculos errados, por condenar a recorrente em muito mais do que aquilo que eventualmente será devido.

Parece-nos que a recorrente cometeu um lapso na indicação das referidas alíneas. Atenta a forma como descreve as nulidades que argui, concluímos que tem em vista a omissão de pronúncia e a condenação em quantidade superior ao pedido, previstas, respectivamente, nas als. d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

A recorrente não tem razão.

A sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia porquanto o tribunal a quo apreciou o único fundamento de nulidade do contrato de mediação que a recorrente arguiu na contestação, julgando-o improcedente. As supostas nulidades desse contrato que a recorrente argui em sede de recurso não são de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal a quo não podia conhecê-las.

Por outro lado, a própria recorrente reconhece que a sentença recorrida não a condenou em quantidade superior ao pedido. Ainda que o tivesse condenado «em muito mais do que lhe será eventualmente devido pagar» (o que, como vimos, não aconteceu), a sentença não padeceria daquela nulidade.

*

Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.

*

Évora, 06.06.2024

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

(1.ª adjunta)

(2.º adjunto)



[1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume V (reimpressão), p. 212.


Acórdão da Relação de Évora de 16.01.2025

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