Processo n.º 322/10.2TBBJA-A.E1
*
Sumário:
1 – Os recursos ordinários visam o
reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões
novas, excepto se estas forem de conhecimento oficioso.
2 – As partes apenas podem juntar
documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais a que se refere o
artigo 425.º do Código de Processo Civil ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude
do julgamento proferido na 1.ª instância.
3 – Se uma sociedade comercial se
extinguir na pendência de uma acção executiva contra si proposta, importa
distinguir as consequências processuais das consequências substantivas dessa
extinção.
4 – No plano processual, a acção
executiva prossegue, passando os ex-sócios a assumir a posição de executados,
nos termos do n.º 1 do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.
5 – No plano substantivo, os ex-sócios
respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que
receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de
responsabilidade ilimitada, nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código das
Sociedades Comerciais.
*
Por
apenso à acção executiva comum para pagamento de quantia certa que Sociedade 1
propôs contra Sociedade 2, AAA deduziu oposição à execução e à penhora. A
exequente contestou, pugnando pela improcedência, quer da oposição à execução,
quer da execução à penhora. O oponente apresentou articulado de resposta à
contestação. Foi proferido saneador-sentença, julgando improcedente a oposição
à execução e procedente a oposição à penhora.
O
oponente interpôs recurso de apelação do saneador-sentença, na parte em que o
mesmo julgou a oposição à execução improcedente, tendo formulado as seguintes
conclusões:
1 – O
recorrente deduziu oposição à execução e à penhora em 22 de Janeiro de 2022,
dando origem ao presente apenso.
2 –
Sobre a oposição à penhora deduzida pelo ora recorrente, decidiu o tribunal a quo, e bem, julgar a mesma procedente
e, consequentemente, determinar o levantamento da penhora sobre a pensão do ora
recorrente.
3 – No
dia 24 de Novembro de 2020, a agente de execução procedeu à penhora da pensão
do executado até ao montante de € 50.840,15.
4 –
Tal penhora, para além de abusiva e ilegal conforme já alegado, padecia de
nulidade pela ausência do auto de penhora.
5 –
Verificava-se igualmente a nulidade decorrente da falta de notificação do
executado, para se opor querendo à referida penhora.
6 – Ou
seja, decorridos dois meses da penhora, a agente de execução ainda não tinha
elaborado o respectivo auto, e consequentemente não tinha notificado o
executado da penhora.
7 – A
falta de notificação ao executado do acto de penhora, imposta pelo artigo 753.º
do Código de Processo Civil, consubstancia uma nulidade processual de cariz
secundário, a qual é juridicamente relevante por comprometer o conhecimento da
realização desse acto e a possibilidade de contra ele reagir, a qual foi
suscitada desde logo pelo ora recorrente.
8 – Por
outro lado, a execução, cuja oposição foi rejeitada pelo tribunal a quo, foi instaurada contra a sociedade.
9 – Sociedade
esta, extinta na pendência dos autos, mas sem deles ter tido conhecimento, a exequente,
bem sabendo que a Sociedade
2
nada lhe devia ou deve, veio, ainda assim, pedir que a execução prosseguisse
contra os sócios.
10 – Dispõe
o n.º 1 do artigo 163.º do CSC, é que encerrada a liquidação e extinta a
sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou
acautelado, até ao montante que receberam na partilha.
11 – No
caso dos autos está demonstrado que estes nada receberam na partilha.
12 – Nem
tão pouco a exequente quando instaurou a execução alegou que os sócios tivessem
recebido na partilha o montante de pelo menos € 50.840,15.
13 – Ou
seja, a exequente nada alegou relativamente à partilha ou quanto é que os
sócios teriam recebido por ela.
14 – Era
à exequente que cabia alegar e provar que a sociedade tinha sido extinta com
bens e quanto é que os sócios receberam pela partilha dos bens da sociedade.
15 – Porém,
a exequente, não só não apresentou qualquer prova de que os sócios tivessem
recebido fosse o que fosse, como nem sequer se deu ao trabalho de alegar que
eles tivessem recebido alguma coisa na partilha.
16 – A
exequente limitou-se a alegar que a sociedade foi extinta, logo a execução deve
prosseguir contra os sócios.
17 – A
lei é clara: os sócios só respondem pelas dívidas da sociedade até ao limite
daquilo que tenham recebido da sociedade, em sede de partilha.
18 – Ora,
se os sócios nada receberam, nem a exequente alega o contrário, a execução
prosseguiu contra os mesmos para quê? Se não tem que pagar valor algum das dívidas
da sociedade porque nada receberam da sociedade?
19 – Como
tal matéria obtém a unanimidade da doutrina e da jurisprudência.
20 – Ninguém
defende que, extinta a sociedade sem bens, os sócios de responsabilidade
limitada, como é o caso, têm que pagar as dívidas da sociedade.
21 – Se
assim fosse simplesmente deixava de haver sociedades, como é óbvio.
22 – No
caso dos autos a exequente não provou, nem sequer alegou, que os sócios da
sociedade entretanto extinta tivessem recebido bens na partilha; na realidade, nem
sequer alegou se tinha existido partilha.
23 – Acresce
que o próprio executado enviou para os presentes autos a certidão do registo
predial quanto aos dois únicos prédios de que a sociedade foi titular, foram
vendidos anos antes da dissolução da mesma e ainda assim pelos referidos
documentos contata-se que existiam hipotecas e penhoras registadas, logo, a
venda dos mesmos, anos antes da dissolução, só ocorreu contra o pagamento a
tais credores.
24 – No
mais cabia ao exequente alegar que à data da dissolução a sociedade tinha bens que
por partilha foram adjudicados aos sócios e qual o valor pelo que o foram; o que,
reitera-se, a exequente não fez quando teve conhecimento da extinção da sociedade,
o que ocorreu, há 10 anos!
25 – Para
a jurisprudência o que importa para a aplicação do art. 163.º não é apenas o montante,
mas a própria existência da responsabilidade em causa.
26 – Os
sócios só podem suceder nas dívidas societárias em caso de transmissão de certos
bens para as suas esferas patrimoniais, antes pertença do património social.
27 – Não
havendo sucessão, as relações em que a sociedade era sujeito extinguem-se.
28 – Esta
execução seguiu cegamente seus trâmites, não se vislumbrando sequer qual o montante
que se considerou poder penhorar-se aos ex-sócios uma vez que não se apurou
qualquer valor que eles tenham recebido em partilha, que de resto nem sequer
existiu, pois não iriam partilhar o nada e a sociedade nada tinha à data da sua
dissolução, conforme docs. que se encontram juntos autos e que se oferecem.
29 – E
não obstante o exequente ter vindo tardiamente, já em sede de contestação à
oposição alegar em ostensiva má-fé que a sociedade tinha capital social e que o
recorrente recebeu metade do mesmo…
30 – A
verdade é que não demonstrou que o recorrente tenha recebido fosse o que fosse,
pela ou no âmbito da liquidação da sociedade.
31 – Por
outro lado se o exequente entendia que a sociedade tinha depositado o numerário
correspondente ao valor nominal do seu capital social porque não o penhorou?
32 – É
que os presentes autos foram instaurados em 16 de Março de 2010.
33 – A
sociedade só foi dissolvida em 18 de Novembro de 2011, ou seja, 1 (um) ano e 8
(oito) meses após os presentes autos estarem pendentes.
34 – Pelo
que, se a exequente entendia que a sociedade tinha em numerário o valor nominal
do capital social não se alcança porque não o tenha penhorado.
35 – Mas
não a exequente sabia perfeitamente que não existia qualquer valor correspondente
ao valor nominal do capital social e o que pretendeu e continua a pretender com
os presentes autos é, através destes, conseguir fiadores, à posteriori, para as
obrigações alegadamente assumidas pela sociedade!
36 – E
insistindo nesse seu intento litiga contra lei expressa, contra jurisprudência unânime
e doutrina.
37 – Com
a dissolução da sociedade os seus sócios não se tornam fiadores da sociedade.
38 – Não
é aos sócios que compete provar que nada receberam na partilha da dissolução da
sociedade.
39 – É
aos credores que cabe a alegação e prova de que os sócios receberam bens na
partilha da sociedade.
40 – E
tal alegação tem que ser feita no momento em que tomam conhecimento da extinção
da sociedade.
41 – Pois
que tal alegação é condicione sine quo non para o prosseguimento dos autos
contra os ex-sócios.
42 – Ora
o exequente teve conhecimento da dissolução e extinção da sociedade por
informação que chegou aos autos em 11 de Março de 2012.
43 – Porquanto
para que os mesmos pudessem prosseguir o exequente teria que alegar e provar o
facto constitutivo do seu direito – que os sócios tinham recebido bens na
partilha.
44 – Não
tendo feito os presentes autos sobreviveram por mais de 10 anos condenados desde
então ao fracasso.
45 – Pois
não é posteriormente que o exequente pode alegar e provar tais factos, como
tentou, mas é no momento em que toma posição perante a extinção da sociedade.
46 – E
nesse momento o exequente não alegou, muito menos provou, a condição para o
prosseguimento da execução contra os sócios – que estes tivessem recebido bens na
partilha.
47 – Pelo
que, desde então que se verificou – em Abril de 2012 – a inutilidade superveniente
da lide.
48 – Neste
sentido cita-se o mui douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
01/10/2019, processo 4022/06.0TCLRS.L2.S1, publicado em www.dgsi.pt, que infra
se transcreve, que se escolheu para o efeito porque cabalmente esclarecedor do
direito aplicável e porque nele são citados vários outros acórdãos incluindo o
STJ.
49 – É
também contra aquela jurisprudência unânime do STJ que os presentes autos
apesar da evidente inutilidade superveniente da lide se mantiveram pendentes
com penhoras de bens que não respondem pela divida, desde Abril de 2012 até
prolação da sentença, ou seja, durante 10 anos!
50 – Dívida
que a exequente bem sabe não existir!
51 – A
exequente limita-se a alegar de forma lacónica o seguinte:
52 – “A
exequente é sacadora e a legitima portadora da letra de câmbio, adiante melhor
descriminada: - letra de 15.06.2009, no valor de 33.815,00 € (trinta três mil
oitocentos quinze euros) de aceite da executada, com vencimento em 20.08.2009,
cfr. doc. 1 junto, cujo teor dá por reproduzido para os devidos e legais
efeitos.
53 – 2.
A letra de câmbio em referência foi aceite pela executada (Sociedade 2) no decurso
de transacções comerciais estabelecidas com a exequente, que é a legítima
portadora da mesma, porquanto a executada não a ter pago no respectivo prazo de
vencimento.
54 – 3.
Com efeito, na data de vencimento da letra em crise (20.08.2009), a executada
não a pagou, nem reformou.
55 – 4.
Não pagando os títulos de fls., a executada colocou-se em mora, sendo, pois,
também devidos os correspondentes juros de mora, à taxa legal de 7% ao ano,
desde a data de vencimento da letra, os quais na presente data, se cifram em
1.380,78 € (mil trezentos oitenta euros e setenta oito cêntimos).
56 – 5.
A divida exequenda, orçada em 35.195,78 € (trinta cinco mil cento noventa cinco
euros e setenta oito cêntimos / capital + juros) é certa, líquida e exigível.
57 – 6.
A letra dada à execução constitui título executivo, nos precisos termos do
disposto na alínea d) do art. 46.º, n.º 1 do CPC.”
58 – A
exequente refere-se genericamente a «transacções
comerciais», no decurso das quais teria sido aceite pela executada a letra
de câmbio.
59 – Não
identificando, nem demonstrando a natureza, ou sequer existência, das alegadas
transacções comerciais a que a letra de câmbio se referiria, como se impunha.
60 – E
não o faz inocentemente!
61 – Não
concretiza a natureza das transacções comerciais, referindo-se às mesmas de
forma genérica, por as mesmas simplesmente não terem existido.
62 – A
prova do que aqui se alega, é desde logo a fotocópia da declaração de cessação
de actividade da Sociedade 2 apresentada ao Serviço de Finanças (SF) de Beja 30
de Janeiro de 2002 que se anexa.
63 – Com
efeito, desde de 31.12.2001 que a aqui executada Sociedade 2 cessou a sua
actividade comercial junto AT, o que demonstra a impossibilidade de inexistência
de qualquer transação comercial entre Sociedade 2 e a Sociedade 1 em
2009.
64 – É
por essa razão que aqui exequente não identifica a transacção comercial
subjacente à letra aqui dada à execução.
65 – Se
tivessem existido transacções comerciais, como falsamente alega a exequente,
seria muito simples.
66 – A
exequente teria apresentado os respectivos contratos, ou pelo menos as
respectivas facturas.
67 – Não
tendo apresentado os contratos, nem tão pouco as facturas correspondentes às
alegadas “transacções comerciais”, a exequente não fez prova, como se impunha
da existência da dívida.
68 – Não
tendo o tribunal a quo, mal diga-se,
diligenciado oficiosamente pela junção de tal prova aos autos, notificando a executada
para o fazer.
69 – Cabia
à exequente demonstrar a existência das transacções comerciais e,
consequentemente, da dívida.
70 – O
que não logrou fazer.
71 – Tendo
cessado a executada a sua actividade junto da autoridade tributária em
31.12.2001, conforme resulta do documento que aqui se junta, como poderia
volvidos 8 anos e meio desenvolver transacções comerciais?!
72 – Ressalta
a saciedade, que a executada não manteve transacções comerciais com a exequente,
nem com mais ninguém, depois de 31.12.2001.
73 – Portanto,
as transacções comerciais alegadas pela exequente são pois uma mentira!
74 – Portanto
a questão levantada pelo exequente só no âmbito da má-fé com que o mesmo litiga
se pode interpretar.
75 – O
exequente nunca alegou sequer que o recorrente tivesse recebido bens na partilha,
nem sequer que houve partilha, e não obstante, pugnou pela manutenção dos autos
e pela penhora de bens ao recorrente.
76 – Por
sua vez a agente de execução sem qualquer pejo e sem saber qual seria o limite
das penhoras não se inibiu de penhorar e manter penhorados bens ao recorrente!
77 –
Bens que nunca responderiam pela alegada dívida da sociedade!
78 – E
a manter-se a pendência da execução, sem que legalmente possam ser penhorados
quaisquer bens ao recorrente, redundar-se-ia no ridículo de se manter a
execução pendente sabendo-se, como se sabe, que nenhum bem pode ser penhorado
ao recorrente, pelo que, por cada um que mesmo assim viesse a ser penhorado,
este teria que deduzir oposição à penhora.
79 – E,
portanto, a execução manter-se-ia pendente, apesar de ter ocorrido a inutilidade
superveniente da lide em 2012, e de nenhum bem do património do recorrente
responder pela dívida e, por conseguinte, poder ser penhorado legalmente.
Não
foram apresentadas contra-alegações.
O
recurso foi admitido.
*
Tendo
em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e
delimitam o âmbito da intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se
imponha, as questões a resolver são as seguintes:
1 – Admissibilidade
do conhecimento, no presente recurso, da questão da existência do crédito
exequendo;
2 –
Admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso;
3 –
Admissibilidade do prosseguimento da execução, após a extinção da sociedade
executada, contra os ex-sócios desta.
*
No
saneador-sentença recorrido, foram julgados provados os seguintes factos:
1. Em
16.03.2010, a exequente intentou execução comum para pagamento de quantia
certa, no montante de € 35.195,78, contra Sociedade 2, oferecendo, como título
executivo, uma letra de câmbio.
2. Sociedade
2 é uma sociedade por quotas, com o capital social de € 49.879,79, tendo como
sócios BBB, titular de quota no valor de € 37.409,84, e o opoente, titular de
quota no valor de € 12.469,95, sendo gerente o primeiro.
3. Por
despacho de 18.11.2011, a Conservatória de Registo Comercial de Beja procedeu à
extinção imediata da sociedade executada, inscrita no registo pela AP. (…).
4. No
auto de declarações para extinção imediata da sociedade executada, de
18.11.2011, elaborado nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 3 do RJPADLEC,
no Espaço de Registos da Expo, os sócios AAA e BBB fizeram constar que «pretendem ver dissolvida e liquidada a dita
sociedade, para todos os efeitos legais, visto a mesma não ter qualquer activo
ou passivo, o que declaram sob a sua inteira responsabilidade».
5. Na
mesma declaração se consignou que «fica o
sócio BBB, fiel
depositário dos livros, papéis e demais documentos da sociedade».
6. Por
despacho de 05.07.2012 foi determinada a citação do liquidatário, BBB, em nome
próprio e representação do outro sócio da sociedade dissolvida e liquidada, ora
opoente.
7.
Nessa sequência, em 30.10.2012, BBB foi previamente citado para, no prazo de
vinte dias, pagar ou opor-se à execução.
8. Por
decisão de 27.02.2018, foi determinado o prosseguimento da execução, passando
os sócios a figurar na qualidade de executados, em virtude de ter sido
registada a dissolução e encerramento da liquidação e consequente cancelamento
da matrícula em 18.11.2011.
9. No
mesmo despacho se determinou a notificação dos sócios executados para
demonstrarem a inexistência de bens da Sociedade 2, mormente a documentação que
serviu de base à dissolução da mesma.
10. Em
15.03.2018, o sócio gerente veio responder à notificação juntando cópia da acta
n.º 25, nos termos da qual resulta que: Por deliberação unânime, tomada na
assembleia geral extraordinária da sociedade executada, em 20.04.2006, os
sócios desta decidiram, face à eminente dissolução da empresa, proceder à venda
dos bens imóveis propriedade daquela, identificados com lotes de terreno
urbanos, sitos na freguesia de (…),
Herdade do (…),
inscritos na Conservatória de Registo Predial de (…), registo n.º (…), e o prédio urbano, sito em (…), inscrito na matriz sob o n.º
(…) e
desanexado do prédio n.º (…), fls.
13v do Livro B8, tendo mandatado o embargante para outorgar a respectiva
escritura de compra e venda.
11. Em
11.05.2018, o opoente juntou procuração aos autos principais de execução.
12. Em
18.05.2018, o opoente juntou à execução cópia não certificada do auto de
declarações da extinção imediata da sociedade e cópias não certificadas
referentes aos prédios já alienados e constantes na acta n.º 25.
13.
Por ofício de 22.01.2021, foi o embargante notificado, nos termos do disposto
nos artigos 784.º e 785.º do Código Processo Civil, para, no prazo de 10 (dez)
dias deduzir oposição à penhora sobre a sua pensão.
14. BBB
foi notificado na mesma data e para os mesmos efeitos.
15. A agente
de execução notificou em 24.11.2020 a Caixa Geral de Aposentações para eventual
penhora de pensão do executado AAA.
16. Em
10.12.2020 através do oficio com a ref. 704150/00-15487 a Caixa Geral de
Aposentações veio responder que o desconto da pensão do executado AAA se iria
iniciar em Janeiro de 2021.
17. Em
20.01.2021 foi transferido para os autos o valor de € 400,48 referente ao
primeiro desconto da dita penhora.
18.
Por auto de penhora datado de 22.01.2021 foi penhorada a pensão do executado AAA,
com o primeiro desconto judicial de Janeiro de 2021.
19. Em
22.01.2022, AAA veio opor-se à execução e à penhora.
*
1
– Admissibilidade do conhecimento, no presente recurso, da questão da
existência do crédito exequendo:
Nas
conclusões que acima reproduzimos sob os n.ºs 50 a 73, o recorrente põe em
causa a existência do crédito exequendo, concluindo que não foi celebrada
qualquer transacção comercial entre a recorrida e a Sociedade 2 que desse
origem a tal crédito. Salienta o recorrente, nomeadamente, que, no requerimento
executivo, a recorrida se refere genericamente a «transacções comerciais», no decurso das quais a executada teria
aceite a letra de câmbio que constitui o título executivo, não identificando,
nem demonstrando, a natureza ou, sequer, a existência das alegadas transacções
comerciais a que tal letra se referiria. Conclui o recorrente que esta forma
genérica de alegar por parte da recorrida não é inocente, antes se devendo ao
facto de as transacções comerciais em causa não terem existido. Tanto assim é,
prossegue o recorrente, que, como resulta da fotocópia da declaração de
cessação de actividade da Sociedade 2 apresentada ao Serviço de Finanças de
Beja 30.01.2002 que juntou às alegações de recurso, aquela sociedade não tem
actividade desde de 31.12.2001, sendo, assim, impossível a realização de
qualquer transacção comercial em 2009. Mais, a recorrida não apresenta os
contratos ou, ao menos, as facturas correspondentes às alegadas «transacções comerciais», não fazendo,
assim, prova da existência do crédito exequendo.
Verificamos,
porém, que, na petição inicial, o ora recorrente não suscitou a questão da
existência do crédito exequendo. Pelo contrário, aceitou a existência desse
crédito, centrando a sua defesa na alegação de que, por nada ter recebido
aquando da extinção da Sociedade 2, não é responsável pelas dívidas desta.
Ou
seja, estamos perante uma questão nova, perante uma questão que o recorrente
não suscitou perante o tribunal a quo,
apenas o fazendo em sede de recurso. Como é sabido e resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do Código
de Processo Civil (CPC), os recursos ordinários visam o reexame de questões que
tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas. Isto, naturalmente,
sem prejuízo do conhecimento, pelo tribunal ad
quem, das questões que o devam ser oficiosamente, o que não é o caso
daquela que o recorrido agora suscita. «Os
recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença
inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. (…) pretende-se um novo
exame da causa, por parte de órgão jurisdicional hierarquicamente superior.»[1] Esta é uma regra básica em matéria de
recursos, que define a própria natureza destes. Consequentemente, não se
conhecerá da questão da existência do crédito exequendo.
2
– Admissibilidade da junção de documentos em sede de recurso:
Como
referimos no ponto 1, o recorrente juntou, às alegações de recurso, uma
fotocópia da declaração de cessação da actividade da Sociedade 2 apresentada no
Serviço de Finanças de Beja em 30.01.2002. Com esse documento, o recorrente
pretende provar a impossibilidade de ter sido celebrada qualquer transacção
comercial entre a Sociedade 2 e a recorrida posteriormente a 31.12.2001. Já
concluímos que a questão da existência do crédito exequendo, por se tratar de
uma questão nova, não poderá ser conhecida em sede de recurso, pelo que a
junção daquele documento sempre seria inútil.
Independentemente
do aspecto acabado de referir, importa atentar no disposto no n.º 1 do artigo
651.º do CPC. Esta norma estabelece que as partes apenas podem juntar
documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo
425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento
proferido na 1.ª instância. No caso dos autos, o recorrente não alega a
verificação de alguma destas hipóteses, nem se encontra demonstrada tal
verificação, pelo que é legalmente inadmissível a junção aos autos do documento
em causa apenas na fase de recurso.
Pelo
exposto, o documento em causa não será considerado na decisão do recurso.
3
– Admissibilidade do prosseguimento da execução, após a extinção da sociedade
executada, contra os ex-sócios desta:
O
recorrente sustenta que a execução não devia ter prosseguido, contra ele e o
outro ex-sócio da executada, após a extinção desta. Não tem razão, como
procuraremos demonstrar em seguida.
A
sociedade Sociedade 2 era executada e foi extinta na pendência da acção
executiva. Mais precisamente, esta última foi instaurada em 16.03.2010 e a Sociedade
2 foi extinta em 18.11.2011. Por despacho proferido na acção executiva em
05.07.2012, foi ordenada a citação do liquidatário, em nome próprio e em
representação do ora recorrente, nos termos do artigo 162.º, n.º 1, do Código
das Sociedades Comerciais (CSC). Em 30.10.2012, o liquidatário foi citado para,
no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução. Tanto quanto resulta da
matéria de facto provada, nem o liquidatário, nem o recorrente, deduziram,
então, oposição à execução.
Não
obstante o processado que acabámos de descrever, o tribunal a quo proferiu, em 27.02.2018, despacho
determinando o prosseguimento da execução, passando os ex-sócios a figurar como
executados, em virtude do registo da dissolução e do encerramento da liquidação
da Sociedade 2. Este despacho, além de inútil, violou o disposto no artigo
613.º, n.º 1, ex vi n.º 3, do CPC,
pois, como resulta da exposição anterior, o tribunal a quo já anteriormente decidira no sentido descrito, correndo a
execução contra os ex-sócios da Sociedade 2 desde 2012.
Seja
como for, nem sequer na sequência do despacho proferido em 27.02.2018 foi
deduzida oposição à execução. Em 15.03.2018, o liquidatário pronunciou-se nos
termos descritos no n.º 10 da matéria de facto provada. O recorrente, por seu
turno, juntou procuração à execução em 11.05.2018. Em 18.05.2018, o recorrente
juntou à execução cópia não certificada do auto de declarações da extinção
imediata da sociedade e cópias não certificadas referentes aos prédios já
alienados e constantes na acta n.º 25.
Portanto,
a execução corre contra o recorrente desde 2012. E é seguro que, pelo menos desde
Maio de 2018, o recorrente tem conhecimento da existência da execução e da sua
qualidade de executado. O despacho proferido em 27.02.2018 não foi objecto de
recurso, pelo que transitou em julgado. Também não foi deduzida oposição à
execução, pelo que o prazo para esse efeito, estabelecido no artigo 728.º do
Código de Processo Civil (CPC), também já decorreu há muito. O recorrente
aproveitou o prazo de oposição à penhora da sua pensão para deduzir, no mesmo
articulado, oposição à penhora e à execução, ainda que timidamente, pois
concluiu pedindo apenas que fosse «ordenado
o imediato levantamento da penhora da pensão do Oponente, acto manifestamente
ilegal, por se tratar de bem que não respondendo, nos termos do direito
substantivo, pela dívida exequenda, não devia ter sido atingido pela penhora.»
Certo
é que o tribunal a quo admitiu
liminarmente «os presentes embargos de
executado/oposição à penhora», em vez de, como devia, ter rejeitado
liminarmente a oposição à execução com fundamento na sua extemporaneidade, nos
termos do artigo 732.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Pela
forma descrita, o recorrente conseguiu introduzir, num apenso que devia ter por
objecto apenas a oposição à penhora, a discussão sobre se a acção executiva
podia ter prosseguido contra si após a extinção da Sociedade 2, quando essa
prossecução foi decidida em 2012 e reiterada em 2018.
Os
argumentos com base nos quais o recorrente procura demonstrar que a acção
executiva não podia ter prosseguido contra si não colhem.
O
recorrente afirma que está demonstrado que ele e o outro ex-sócio da Sociedade
2 nada receberam aquando da extinção desta. Não é verdade. Esse facto não
consta do elenco dos factos provados. O que ficou provado (n.º 4) foi que os
ex-sócios declararam que a Sociedade 2 não tinha qualquer activo ou passivo, o
que é, obviamente, diferente.
O
argumento segundo o qual a exequente, quando instaurou a acção executiva, não
alegou que os ex-sócios tivessem recebido, na partilha, o montante de, pelo
menos, € 50.840,15, também não procede. Tal alegação não faria sentido, pois,
na data em que a acção executiva foi proposta, a Sociedade 2 ainda existia.
O
argumento de que a acção executiva apenas devia ter prosseguido contra os
ex-sócios se tivesse sido alegado e provado, aquando da extinção da Sociedade 2,
que aqueles receberam bens desta, assenta numa confusão entre as perspectivas
processual e substantiva.
Numa
hipótese, como a dos autos, em que uma sociedade comercial se extingue na
pendência de uma acção executiva contra si proposta, importa distinguir as consequências
processuais das consequências substantivas dessa extinção.
No
que concerne às consequências processuais, interessa-nos o disposto no artigo
162.º do CSC. O n.º 1 estabelece que as acções em que a sociedade seja parte
continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade
dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º,
n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5. O n.º 2 dispõe que a instância não se
suspende, nem é necessária habilitação. Em face deste regime, não há lugar para
qualquer dúvida sobre o que acontece na acção executiva. Não obstante a
extinção da sociedade, a acção prossegue, passando a posição processual da
executada a ser ocupada pela generalidade dos ex-sócios, representados pelos
liquidatários. Mais, nem sequer há lugar à suspensão da instância, nem é
necessária a habilitação dos sucessores da sociedade na acção.
Questão
diversa, de natureza substantiva, é a de saber o que acontece às dívidas da
sociedade extinta. É pacífico que tais dívidas não se extinguem com a sociedade
devedora. Vigora a regra de que as posições activa e passiva de uma relação
jurídica obrigacional não se extinguem com a morte ou extinção do credor ou do
devedor, antes transitando para as esferas jurídicas dos seus sucessores.
Assim, dispõe o artigo 163.º, n.º 1, do CSC, que, encerrada a liquidação e
extinta a sociedade, os ex-sócios respondem pelo passivo social não satisfeito
ou acautelado. Com um limite, porém: os credores da sociedade extinta apenas
podem obter a satisfação dos seus créditos à custa dos patrimónios dos ex-sócios
até ao montante que estes receberam na partilha, a menos que fossem sócios de
responsabilidade ilimitada.
Num
caso como o dos autos, os regimes processual e substantivo articulam-se da
seguinte forma: 1) Os ex-sócios substituem, em qualquer caso, a sociedade
extinta na qualidade de executada, prosseguindo a execução contra eles; 2)
Apenas poderão ser penhorados bens pertencentes aos ex-sócios até se atingir o
montante que eles tenham recebido na partilha; 3) Os pressupostos da
responsabilidade dos antigos sócios pelo passivo da sociedade extinta são
factos constitutivos do direito do exequente, pelo que é a este que cabe o ónus
da prova da verificação daqueles pressupostos (artigo 342.º, n.º 1, do Código
Civil).
Decorre
do exposto que o tribunal a quo
decidiu acertadamente ao julgar improcedente a oposição à execução. A
penhorabilidade de determinado(s) bem(ns) pode ser discutida, tendo em conta a
medida da responsabilidade decorrente do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, e o
regime de distribuição do ónus da prova acima descrito. Contudo, a subsistência
da acção executiva, tendo como executados os antigos sócios, um dos quais o
recorrente, não fica posta em causa. Na hipótese de, após cumprimento do
disposto nos artigos 749.º e 750.º, n.º 1, do CPC, se mostrar impossível penhorar
qualquer bem, a solução é idêntica àquela que vigora para a generalidade dos
casos: a execução extinguir-se-á por inutilidade superveniente da lide, nos
termos dos artigos 750.º, n.º 2, e 849.º, n.º 1, al. c), daquele código.
*
Dispositivo:
Delibera-se, pelo
exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se o saneador-sentença
recorrido.
Custas
a cargo do recorrente.
Notifique.
*
Évora, 25.01.2023
Vítor
Sequinho dos Santos (relator)
1.º
adjunto
2.ª adjunta
[1] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume
V (reimpressão), p. 212.